quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A Ditadura Pulverizada

Os filósofos gregos teorizaram que uma ditadura poderia ser o melhor tipo de governo se (e somente se) o ditador fosse uma pessoa verdadeiramente sábia. O problema é que até hoje não houve um caso desses - e provavelmente nunca haverá...pelo menos enquanto nosso mundo for atrasado do jeito que é. No entanto, mesmo que uma situação desse tipo ocorresse, será que bastaria termos um sábio com poderes totais? Quero dizer, se a população estivesse (em sua maioria) longe do nível intelecto-moral desse tirano sábio, será que ela aceitaria um governo justo, julgando-o realmente como tal? E - segunda questão - não seria contraditório se uma pessoa verdadeiramente sábia assumisse o poder por tanto tempo? Como se vê, essa é uma questão complicada. Mas não desejo discorrer sobre esse assunto, e sim as formas que uma ditadura pode assumir.

Um governo ditatorial é autodestrutivo a longo prazo. Ele liberta uma parcela minúscula da população para aprisionar uma massa de pessoas. E usualmente coloca no topo da pirâmide uma pessoa (ou grupo, que nesse caso caracterizaria uma aristocracia) inapta para desenvolver o conjunto da população e se auto-sustentar.

"The Corporation" (documentário)
Durante o século XX vimos o advento de grandes estados totalitários. Fascistas e comunistas. E enquanto o primeiro tipo tinha fins e meios destrutivos, o do segundo tinha fins construtivos, mas os meios de atingi-los eram destrutivos. Ou seja, impossibilitava a chegada nesse fim. Dessa forma a humanidade conheceu duas formas de governo diferentes que não se sustentaram porque não eram coerentes na sua integridade. O primeiro era autodestrutivo a médio e longo prazo e o segundo não soube trabalhar com os meios para chegar aonde queria. E dessa tentativa mal sucedida o sistema vigente (capitalismo) se manteve, se firmando como a única alternativa viável para a evolução. Mas como podemos ver, ao abrir os jornais e perceber a vida das pessoas à nossa volta (e as nossas próprias), essa "única alternativa viável" parece estar se esgotando rapidamente. E o motivo desse esgotamento é bem simples: nós ainda vivemos sob um regime ditatorial. Só que a diferença entre a ditadura antiga e a nova é que esta assumiu uma nova forma, muito discreta e (portanto) letal.

Se hoje na maioria das democracias Ocidentais não precisamos combater Estados totalitários, temos o dever de combater as ditaduras presentes em nossas corporações e instituições não-governamentais que detém algum poder. Mas isso se torna difícil porque, mesmo quem tem consciência do que ocorre, não se sabe exatamente o quê combater. Ou como. O inimigo (ditadura) está pulverizado na sociedade e suas instituições privadas. E digo até mesmo que ela está inserida nos indivíduos - sim...em nós.

Quando temos de combater o autoritarismo que pode estar dentro de nós mesmos, começamos a perceber o que Cristo quis dizer ao falar de Reforma íntima. A mudança de nosso ser é o primeiro passo para a verdadeira revolução sócio-cultural de que este planeta tanto anseia inconscientemente. E devemos dar exemplo disso. Sermos firmes.

É muito complicado combater um mal que não se vê. Mas se começarmos a pensar um pouco, podemos reparar nas características que denotam a existência de uma estrutura ditatorial em nossa sociedade. Existe um crescente (e famoso) culto aos "líderes" em diversos meios corporativos. Muito semelhantes aos cultos do século passado. Só que dessa vez travestidos com uma roupagem aparentemente sustentável, elegante, amigável, limpa, honesta, futurística - e outras inúmeras características do tipo. E são várias as roupagens, de modo que existem diversas camadas que escondem a verdadeira essência desse tipo de prática. É preciso pensar e estudar bastante disciplinas mal vistas ou desprezadas em muitos meios onde o lucro é uma divindade (como Sociologia, Filosofia, História e Arte). Mas isso nunca é nem será dito em voz alta ou oficialmente, claro. Soaria muito rude e autoritário.

Francisco Franco
A neo-ditadura assumiu o comportamento de um câncer: ela se espalha por todo organismo saudável, se instalando em cada canto psicológico onde existe uma brecha. Essa brecha surge a partir do momento em que o indivíduo perde a capacidade de refletir. E, ao contrário do que se pode pensar, isso ocorre quando temos mais certezas do que dúvidas. Ou, em outras palavras, a partir do momento em que deixamos de questionar. E ao se espalhar em diversos campos da mente e setores da vida, fica difícil identificar a enfermidade. Tendemos a prejudicar atitudes ou hábitos bons tentando acertar esse câncer.

A melhor maneira de combater esse câncer, essa neo-ditadura, é através da rejeição dos pseudo-valores que ela prega: culto a carros, condomínios faraônicos, mulheres-objeto, homens-objeto, eletroeletrônicos que sequer precisamos, viagens milionárias, restaurantes de preços surreais,...uma vida surreal enfim. E voltarmos nossos olhares para o verdadeiro mundo: o conhecimento, as relações humanas e a sabedoria.

Dai a César o que é de César”, disse Jesus numa de suas parábolas. Pois entreguemos aos insensatos que fomentam o capitalismo o que lhes é devido.

Quando as pessoas tomarem consciência das verdadeiras riquezas da vida, as ditaduras começarão a ruir sem a necessidade de esforço algum. De nenhum grupo e de ninguém. E um novo modelo politico-econômico finalmente terá terreno para florescer.

Por isso acredito que seguir a receita de estudar muito e nunca fazer mal a ninguém.

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