terça-feira, 26 de novembro de 2013

Por que ter uma Visão Cósmica da Vida é Importante

É difícil encontrar uma pessoa cuja vida seja um mar de rosas. Se houver alguém que aparente ter uma vida assim, posso assegurar que se trata de uma sensação temporária ou ilusória. Porque mesmo que se trata de alguém bem humorado e otimista, sempre haverão sensações de angústia inexplicáveis e inesperadas que permeiam momentos nos quais essas mesmas sensações são aparentemente inexplicáveis.

Tendo que conviver a maior parte de nossa existência num mar de espinhos – e, com sorte, com pequenas ilhas de verdadeira felicidade – é de grande utilidade saber como atuar de forma que possamos suportar períodos econômicos, sociais (e afetivos) áridos.

A espécie humana tem a particularidade de reconhecer sua insignificância diante do Universo. Ou melhor, ela pode não ser a única (espécie) a reconhecer isso – intuitivamente. Mas aparentemente é a única que consegue perceber isso através da racionalidade – no entanto isso não significa que muita gente seja humilde e se julgue o centro dos cosmos. E essa característica de perceber sua pequenez diante do todo lá fora (e do outro todo aqui dentro de nossas almas), ao contrário do que possa parecer, talvez seja o melhor remédio para a superação dos maiores males que aflijem a s pessoas diariamente – sem dó ou hora marcada. Males que incomodam todos no campo social, laboral, educacional, afeitvo e econômico. Males que levam as pessoas a depressões, sucídios, consumo desenfreado, homicídios e coisas do tipo.

A linha de vida de uma pessoa demonstra de forma bem clara como é difícil visualizar momentos bons ou ruins que estejam prestes a ocorrer.

Imagine que no momento sua vida esteja relativamente tranquila (relativamente). Agora, retroceda no tempo e escolha, ou melhor, se lembre, de um período ou situação breve que lhe pareceu uma eternidade devido ao incômodo ou raiva ou tudo isso causado por essa situação – acho difícil uma pessoa honesta consigo mesma não se lembrar de algo do tipo. No momento parece que o tempo passava muito devagar, certo? E às vezes, num período (podem ser dias, meses ou anos), dia após dia, uma realidade que lhe desagrade muito pode perdurar tempo suficiente para que você acredite que as coisas sempre foram e sempre serão desse jeito. E independentemente de seu desespero ou esforço, nada mudará. Mas esse momento acabou um dia, certo? (não se preocupe, se ainda você passa por um momento assim, te garanto que ele vai findar). Isso é fácil de perceber quando observamos os acontecimentos do passado. Mas é difícil – quase impossível – de perceber quando passamos por algo ruim no presente.

Muito bem. Minha receita é tão simples quanto exigente de perseverança (na verdade outros caras já diziam a mesma coisa). Trata-se de, sempre que alguém passar por um período ruim de sua vida, observar ele como um instante de perturbação certa num oceano de possibilidades incertas – e que portanto podem ser boas. Expanda as fronteiras cronológicas e pense nas milhões de criaturas que com certeza devem estar passando ou passaram ou passarão por algo semelhante ou pior. E como viver o presente só é saudável se o ser estiver orientado para o futuro e consciente do passado (eu disse orientado, não aficionado. e consciente, não melancólico), pode-se deduzir que quanto maior a amplitude sensorial de alguém, maiores as energias para suportar as dores do presente e encará-las como um breve sofrimento.

Tem dias que eu me deparo com as estrelas do céu e fico observando os detalhes. Bolas de gás quentes (quentíssimas) explodindo a bilhões de anos-luz, com mundos orbitando esse imenso corpo celeste. E são milhões e bilhões de estrelas, cada uma com alguns mundos. Cada mundo podendo ser maior que o nosso. E por mais difícil que seja agregar condições necessárias para a vida da forma que conhecemos, o número suplanta a dificuldade. E nessas horas eu penso: “Pode ser que em algum desses mundos tenha uma pessoa olhando para o infinito e filosofando da mesma forma.” “E que nesse mundo essa pessoa pode ser eu daqui a milhões de anos. E que essa pessoa daqui a milhões de anos tenha uma vida feliz (em relação a nossos padrões). E que o Universo é tão grande e diverso que nunca iremos nos deixar de nos encantar com a sua capacidade de mexer com nossa imaginação.”

Quando começamos a pensar de forma restrita e departamentalizada, entristecemos.
Quando começamos a pensar de forma abrangente e interdisciplinar, nos tranquilizamos.

Nossos ânimos se renovam sempre que nos abrimos para sentir a vastidão do todo.

É possível que muitos acontecimentos ruins do passado tenham sido a principal causa de nossos momentos felizes agora ou futuramente. “Há males que vem para o bem.” diz o ditado. É preciso passar por desvios dolorosos para chegarmos a destinos mais elevados. É a Lei da vida que devemos aceitar (religião), para não nos desgastarmos; estudar (ciência), para não ignorarmos os segredos que permitam nossa melhoria; questionar (filosofia), para sabermos qual a finalidade dela; e sentir (arte), para sempre nos divertir durante essa eterna jornada.

Isso é o que tenho a dizer por hoje.

domingo, 24 de novembro de 2013

A Tartaruga, a Lebre e o Triunfo da Vontade

Um das mais famosas fábulas infantis é aquela da tartaruga e da lebre. Todos conhecem a estória e sua moral. Mas vale a pena reforçar essa lição que Esopo – o autor – queria passar.

A lebre, obviamente, era famosa por ser a criatura mais veloz da floresta. E a tartaruga, a mais lenta. Além disso, assistindo o desenho ou vendo ilustrações da historinha, percebe-se que a lebre equivale ao tipo bem sucedido na sociedade atual: uma criatura prática, ágil, esbelta, sorridente (mas não necessariamente feliz), saudável e esperta. Essas descrições – ou adjetivos do tipo – nos vem à cabeça quando vemos a lebre.

A tartaruga, por outro lado, é conhecida por ser a antítese da lebre – e isso é demonstrado na fábula: lenta, pouco saudável, séria (mas não necessariamente triste), pouco atraente e até meio boba. Pelo menos essa é a impressão que muitas crianças (e adultos) devem ter ao se depararem com a descrição dela. Mas essas descrições são superficiais e escondem os verdadeiros atributos que deveriam ser considerados. Esses atributos são as virtudes e os vícios.

Quando a largada é dada a lebre sai voando que nem um relâmpago – apesar de relâmpagos não voarem – pela pista, deixando a tartaruga engolindo pó.

A lebre é tão rápida, mas tão rápida, que decide tirar uma soneca quando chega bem próxima da linha de chegada (algumas versões narram que ela vê umas coelhinhas numa quadra de tênis e, decidindo mostrar sua agilidade para elas, acaba passando horas jogando e jogando e se mostrando e sorrindo e coisas do tipo...se esquecendo completamente da corrida). A tartaruga, por outro lado, continua correndo com DETERMINAÇÃO e FOCADA, independentemente das gargalhadas dos outros animais, de sua grande massa, de sua baixa velocidade e tudo mais. O resultado já sabemos: a tartaruga acaba vencendo.

O que essa história tem de tão grandiosa é que a VONTADE é muito mais importante do que o que você É POR FORA. Isto é, no físico. Nas aparências.

A tartaruga não tinha quase nenhuma das vantagens essenciais para ganhar uma corrida contra a lebre. Quase. Porque havia uma ÚNICA – a mais importante – que ela tinha em grau MUITO maior do que a lebre: a VONTADE.

Frequentemente me deparo com pessoas que se veem como incapazes num assunto (numa ciência, numa técnica, numa arte, em falar, em praticar uma atividade, etc) e acabam se rebaixando em consequência dessa crença infundada. Mas a sua habilidade no momento numa determinada atividade não é o fator mais importante para você ter sucesso na vida. O que é importante (muito mais) é a sua vontade em aprender aquela atividade. A sua capacidade de sempre renovar seu interesse, criar, pensar, refletir, aprender, gostar daquilo. A sua curiosidade e busca incessante por melhora. A sua não acomodação com a situação. Tudo isso é muito mais importante para o sucesso de uma pessoa.

Algumas pessoas são lebres nessa vida. Pessoas bem sucedidas sob a ótica material que impera nesse mundo. E o pior disso não é ser a lebre em si. O pior de tudo é se essas pessoas se dão conta de que são lebres. Porque, a partir desse momento, a pessoa, seduzida pela sua própria posição e atributos, se torna arrogante e consequentemente se acomoda. Como a lebre da historinha. E a partir desse pensamento, a pessoa trava na vida, se julgando que já atingiu o máximo em termos de evolução. E dá pouco valor àqueles que não são lebres, IGNORANDO potencialidades ocultas de seus próximos. Isso é extremamente perigoso. Porque o próprio inimigo de seu progresso acaba se desnvolvendo dentro deles mesmos.

Cuidado lebres!

A vontade é motor ciador. É criatividade pura. É o ponto do qual o conhecimento é gerado. É fonte de toda inteligência. É pura emoção. Muito sedutora.

Existem muitas pessoas do tipo tartaruga que estão (cada vez mais) CHEIAS de VONTADE. Elas estão constantemente melhorando, criando, refletindo e tudo mais. O corpo pode não demonstrar isso. Mas pode ter certeza de que a mente, com as ideias e sentimentos lá dentro, bem no fundo, trabalha intensamente e incessantemente. E isso não é percebido pelos outros “animais da floresta”, que estão acostumados a ver e julgar pela carcaça.

Cuidado animais da floresta!

Lembrem-se: o mais importante não é o que você É no momento, e sim o que você QUER SER no futuro.

Por isso não importa os seus títulos, as suas posses, a sua aparência externa, os seus atributos, e coisas do tipo. Importa o seu caráter. Apenas isso. Muito simples.

Quanto às tartarugas, só tenho a dizer:

Parabéns, sigam em frente e não desanimem!

E...continuem o bom trabalho.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Por que Bertrand Russel deveria ser estudado (à fundo) nas escolas

Devo confessar que sou uma pessoa que está se tornando mais seletiva a cada dia. É talvez um dos efeitos do passar do tempo – um efeito maravilhoso, diga-se de passagem. A menor quantidade de horas restantes nessa existência, quando percebidas, começam a ganhar uma importância maior. Selecionamos melhor nossas atividades. Sem medo ou vergonha. Escolhemos com critério as coisas: onde vamos viajar, que música vamos ouvir, que filmes vamos ver, que coisas vamos escrever, com quem vamos nos encontrar e conviver, o que estudar, do que realmente gostamos, que livro queremos ler. Etc.

Desse efeito benéfico do tempo pode-se acumular experiências vívidas e enriquecedores. Mesmo que sua existência não tenha sido longa para os padrões de longevidade atuais. Eu diria que uma pessoa com todas condições materiais necessárias garantidas – aliadas a um bom ambiente familiar e social – pode chegar à porta dos trinta anos com uma noção clara do mundo e de sua própria vida. Isso é fundamental para a orientação do indivíduo nos anos posteriores, que poderá guiar sua vida em sintonia com seus verdadeiros sentimentos – e conseqüente objetivos.
Bertrand Russell (1872-1970)

Um dos livros mais interessantes que li em minha vida se chama

A Conquista da Felicidade”.

O autor é um britânico de família aristocrática chamado Bertrand Arthur William Russell. Ele viveu quase um século e fez muito bom uso de cada segundo de sua vida. Até o último momento esse ser interdisciplinar sempre lutou pela justiça, pela difusão do conhecimento, pela aproximação dos seres humanos, pela liberdade de questionamento e expandiu diversas áreas do conhecimento, publicando trabalhos sobre matemática, lógica, economia, história e temas sociais. Não bastasse isso, seu domínio da escrita lhe garantiu o Prêmio Nobel em 1950, tamanha era a facilidade com que escrevia sobre os diversos temas de seu interesse.

Pode-se dizer que esse foi um dos homens que conseguiu unir a vida profissional e pessoal. Isto é, se trata de alguém que conseguiu se distrair através do seu trabalho. E (consequentemente) trabalhar na sua distração. Dessa forma, não é de se espantar que B. Russell tenha escrito um livro com a palavra “felicidade” no título.

Homem evoluído, muito adiantado para sua época, Russell era pacifista, preocupado com a falta de racionalidade dos líderes de sua (e todas) épocas. E preocupado com a questão moral. E não era capaz de uma coisa: abandonar seus princípios em troca de cargos ou poder ou dinheiro. Preferia ser expulso de um meio a trair sua consciência. Tanto que foi destituído de seu cargo em Cambridge por adotar uma postura pacifista na Primeira Guerra, em 1916. Era um verdadeiro sábio, que desmascarou os falsos pré-conceitos que a sociedade vinha alimentando a respeito de diversos temas polêmicos. Dentre eles o socialismo, o ócio, o papel da mulher e a importância da boa formação das crianças.

Eu tenho a crença de que, com um programa curricular bem estruturado, com docentes capacitados e estimulados, seria possível fazer brotar um interesse genuíno dos alunos pelos fenômenos do mundo. O estudo e o questionamento (construtivo) podem se tornar prioridades para nossos jovens, se houver uma introdução adequada. Deve-se começar pelas obras mais próximas aos desejos de todos: Elogio do Ócio, Elogio do Lazer e A Conquista da Felicidade. Estes livros, por não exigirem conhecimentos específicos dos alunos, são ideais, pois os temas são universais e, portanto, ao alcance de todos. Há inclusive, a meu ver, uma lógica muito interessante nesse tipo de abordagem, que explicarei a seguir.

É evidente que, quando chegamos a este mundo, sentimos as coisas antes de elaborarmos pensamentos e opiniões a respeito delas. E os primeiros pensamentos vem na forma intuitiva. Apenas anos depois, com a escolarização, é que tudo aquilo que vivenciando vem sendo sistematizado de forma racional. Por isso é tão importante garantir uma conexão forte entre a realidade do aluno e a teoria que se pretende ensinar em sala de aula. É o único modo de garantir a FORMAÇÃO adequada de um ser humano, a meu ver.

Não diria que existe uma época adequada para a introdução de temas desse tipo (felicidade e suas relações com o cotidiano), mas acho que o adolescente já poderia ter em mente que existiram caras que inventaram um monte de teoremas, pensamentos, idéias e sistemas "chatos" mas ao mesmo tempo escreveram - ou se preocupavam...ou ambos - com temas fundamentais, comuns a todos nós. Isso é importante para estabelecer aquela ligação especial, que é a semente que pode gerar o comprometimento. A identificação é sentimento fundamental para obter o melhor de um ser humano.

Pessoas passam a vida inteira sendo vistas como inúteis ou vagabundas simplesmente porque o modelo vigente não é adequado para obter o máximo de cada ser humano em sua individualidade. O modelo, não sendo adequado para eles, impõe aos outros uma adequação forçada. Uma conformação. E aos poucos as pessoas acabam se rendendo, internalizando sentimentos e idéias e formas de agir em completo desacordo com sua essência. E essas sensações acabam por ficar tão internalizadas que a pessoa acaba por se perder na vida, se esquecendo completamente do que realmente gosta e quer. Tudo isso apenas por causa da (ainda) necessidade de se submeter a horas intermináveis numa atividade que não necessita de tanto tempo e energia. Para obter o necessário para subsistência.

Um último motivo para conhecermos as obras de Bertrand Russel: faria bem para a nossa saúde mental e - consequentemente - física.

No entanto, me parece cada vez mais difícil encontrar pessoas dispostas a abrirem um livro útil como "A Conquista da Felicidade" (e curto!...160 páginas...pequenas) e mergulharem nesse universo. Porque o indivíduo deve dedicar horas infindáveis para estar à disposição de um sistema que não retribui nada para ele, exceto materialmente. E apesar disso, um materialmente desnecessário e alienante (consumismo), e conseqüente aprisionamento - as dívidas nunca acabam...

Me pergunto se é isso que as pessoas realmente querem de suas vidas.

É compreensível que sair de algo que fomos condicionados a vida inteira a fazer não é fácil. Pior: é doloroso. Mas existem seres tão determinados em sua busca, que eles farão de tudo para alcançar (e contribuir para que outros alcancem) um novo patamar social, individual, espiritual. Porque nunca ninguém soube responder suas perguntas. Perguntas fundamentais, cujas respostas são apresentadas de forma vazia, padronizada e incompleta. Respostas essas que refletem a sociedade dominante atual. Respostas que não vão nas causas. Apenas no lugar comum - cada vez mais comum em alguns meios.

Precisamos voltar a valorizar o estudo e o lazer. Dar tempo para os indivíduos e deixarmos de gastar tanta energia em coisas inúteis. Dar tempo para que as pessoas possam passar em ambientes abertos, com luz, com gente diferente. Dar tempo e energia para que todos possam pensar e refletir. Em todas fases da vida. São os ingredientes fundamentais da inovação, da criatividade e da saúde.

Infelizmente ainda existem (muitas) pessoas em altos cargos dispostas a distorcerem pensadores e estudos conceituados em detrimento delas mesmas ou de um sistema que dá claro sinais de falência. Sistema que inclusive aprisiona essas pessoas, que se julgam no controle de suas vidas e da vida dos outros. Mera ilusão. No longo prazo as conseqüências começarão a vir à tona. Cada vez mais intensas, cada vez mais dolorosas para os "bem sucedidos". E prazerosas para os "fracassados".

Lendo os trabalhos de B. Russell é essa a sensação que eu tenho. Devemos repensar nossas vidas e deixar de implementar fórmulas ultrapassadas do século XIX (ou XVIII...) para uma vida do século XXI.

Bertrand Russell deve ser um dos missionários enviados por criaturas celestiais para promover a inteligência e a moral na Terra. 

Dois Conselhos para as Gerações Futuras:

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A Vida dos Outros

Alemanha Oriental, 1984. A Stasi – polícia secreta do regime – reúne quase 100 mil agentes e 200 mil informantes, controlando a vida de cada cidadão através de microfones, interrogatórios incessantes, propaganda, corrupção e violência. Qualquer cidadão pode se tornar um inimigo do governo da noite para o dia, bastando para isso apenas uma palavra mal colocada ou um ato de “traição”. Esse foi o cenário escolhido pelo cineasta Florian Henckel Von Donnersmarck para filmar seu primeiro longa-metragem.


Com quase 140 minutos de duração e um tema delicado, “A Vida dos Outros” é um filme que poderia facilmente se tornar vazio e superficial se não fosse bem elaborado. Para sorte do diretor (e dos espectadores) isso não se deu. Rendeu 11 milhões de euros em seu país de origem e faturou 11 milhões de dólares nos EUA, um país que, comumente, abomina filmes estrangeiros. 

Mas o longa de Donnersmarck não é apenas um filme político sobre a corrupção e vigilância de um regime ditatorial. Sua história vai muito além, abordando a complexidade das relações humanas e mostrando como é discreta e lenta a mudança das pessoas. Mas o espectador não percebe a natureza da mensagem logo de imediato. As primeiras cenas são frias e visam descrever o modo de funcionamento de todo aparato burocrático da polícia e realidade da época. 

Das Leben der Anderen (2007)
Georg (Sebastian Koch, de “Amém”) é um renomado autor teatral considerado o único não-subversivo do regime. Ele namora a atriz Christa (Martina Gedek), que consegue equilibrar habilmente a liberdade dos palcos com a opressão do governo por meio de muitos sacrifícios físicos e psicológicos. Mas o perigo surge para todos um dia.

O capitão Gerd (Ulrich Muehe, brilhante) – um interrogador exemplar da Stasi – é designado para monitorar a vida do famoso artista. Ele é metódico, frio, inteligente, totalmente dedicado ao seu trabalho e crente no que faz. Sua vida se resume a espionar outras vidas em busca de atitudes “suspeitas”, comer alimentos prontos e contratar serviços de prostitutas para compensar os dias cansativos e estressantes. Uma espécie de inspetor Javert moderno.

A partir desse ponto a vida dos dois homens passa a estar ligada. O agente do governo e um artista, pessoas com ideias e ideais diferentes que vivem em mundos próximos mas agem de modo completamente diferente. 

Inicia-se uma fase de comunicação entre os dois. Um se torna agente modificador do outro, mesmo sem ter noção do que está fazendo. Gerd passa lentamente a escutar os diálogos de outra forma, e não apenas como um policial. O elemento humano começa a pairar na atmosfera sombria de sua pequena estação de escuta. Quanto mais as dificuldades da vida do casal são imprimidas por meio de diálogos e atitudes, maior é o envolvimento do capitão. 

Uma série de tramas e reviravoltas se estendem até o final, deixando o espectador curioso até a última cena, – uma das mais belas do cinema atual – fato que, a meu ver, caracteriza um bom filme.

Com “A Vida dos Outros”, Florian Henckel Von Donnersmarck – que também assina o roteiro – revela uma genialidade fora do comum. Seu primeiro longa já foi premiado em sete festivais ao redor do mundo e anuncia o surgimento de um genial cineasta.

Quando saí da sessão de cinema – que estava vazia e pude assistir por um preço módico de R$ 2,50 – senti que a humanidade pode sim ainda hoje produzir obras que são dignas de serem projetadas pela eternidade.

Esse é o maior efeito especial produzido por esse filme.


Trailer:

terça-feira, 12 de novembro de 2013

11 de Setembro de...

O 11 de setembro foi uma data que revelou a que ponto a barbárie humana pode chegar. Milhares de pessoas morreram sem necessidade. Milhares de outras pessoas perderam suas vidas em decorrência deste evento. Milhares...

11 de Setembro de 1973 foi uma das datas mais trágicas para a história do Chile. Do seu povo, para ser exato. Povo que elegeu um presidente (Salvador Allende) que vinha tentando dialogar com todos setores da sociedade, mas não tinha o apoio da mídia e dos grandes grupos corporativos estrangeiros - mais interessados em obter lucros com as minas de cobre chilenas a custos irrisórios, entre outras coisas. E os EUA? Os EUA estavam apavorados com essa iniciativa do povo chileno. Apavorados pela "ameaça" do comunismo dominar esse pequeno país, de 1 milhão de habitantes na época (algo por aí), com uma economia pesadamente centrada no cobre, que estava em busca de melhorias na qualidade de vida. Seu líder buscava uma maior integração entre as classes e queria promover uma justiça social. Pacificamente.

Ataque ao Palácio "La Moneda" - 11/09/1973
O filme "Machuca" é um ótimo exemplar, que revela esse Chile pré-golpe. Um Chile encabeçado por um governo em busca de integração, valorização do trabalhador. Um país interessado em fornecer educação para todos, sem distinção de renda. E com adeptos de vários setores, inclusive da Igreja, que viam a necessidade de criar uma realidade mais humana para que o país pudesse crescer socialmente e culturalmente.

Os bombardeios midiáticos intermitentes atrasavam as tentativas de melhorias - já difíceis de serem conseguidas. As minas de cobre tiveram greves fomentadas por agentes estrangeiros, via penetras, com objetivos escusos de prejudicarem a imagem do novo presidente, minando sua reputação através de imagens e fatos distorcidos e adaptados para agradar os olhos e ouvidos das classes que jamais entraram numa mina (mas lucravam muito com o trabalho desumano praticado lá dentro). E - principalmente - para permitir ao governo estadunidense uma intervenção oculta para o "bem da democracia". Recomendo assistirem a trilogia “A Batalha do Chile”, um excelente documentário que relata os bastidores dos movimentos que ocorreram no país no período pré-golpe (1970-1973).

O "bem da democracia" que os EUA buscaram incessantemente consistia em inserir diversos agentes da CIA para desestabilizar um país já instável. O resultado foi o fim de um governo democrático e a instauração de uma ditadura que durou quase duas décadas e teve um saldo de mais de trinta mil mortos e desaparecidos - dá na mesma. Eis a herança do 11 de Setembro de 1973. O primeiro 11 de setembro marcante e cruel e sanguinário e desumano. O primeiro e (infelizmente) o menos lembrado pela maioria dos círculos sociais.
Como se houvesse uma escala hierárquica entre os povos, colocando os chilenos muito abaixo dos norte-americanos (nada contra o povo desse último país. só penso que seres humanos são seres humanos e crimes contra pessoas são iguais em qualquer parte do mundo...me parece razoável).

Cartaz do filme "Machuca", de Andrés Wood.
Nada basta para quem está ou quer estar no poder. A maior democracia do mundo só pode fazer jus ao “maior” por causa da extensão territorial. Nada mais.

Quanto foi dito a favor da liberdade de TODOS os povos na Guerra de Independência deflagrada em 1776. Quantos ilustres norte-americanos no poder não garantiram que seu país, além de defender a liberdade de expressão em seu país, defenderiam a liberdade de expressão de outros povos. E no entanto as intervenções vieram: Chile, Brasil, Argentina,...Toda América Latina deveria ser salva de “ditaduras”. E ao removê-las, instalaram-se “governos democráticos” que assassinaram mais gente, pioraram os indicadores sociais e culturais, e geraram segregação social e concentração de renda (sendo uma consequência da outra). “Ah...mas a economia se estabilizou e melhorou...” você pode me dizer. Mas para quem? E de que forma? O dinheiro ficou no país? E, se foi gerado tanto, porque em vinte anos não foi aplicado no povo. Em sua saúde, sua seguridade social, sua educação, seus espaços públicos, centros culturais, bibliotecas, parques e jardins. Por que?, me pergunto – e te pergunto. Porque se fosse aplicado em áreas de interesse comum, com certeza as estatísticas não seriam tão decadentes durante a ditadura.

É triste dar a impressão de que você defende algo, mas que na verdade você não está realmente interessado em defender esse algo, e sim usar essa defesa (por exemplo, ser a favor do desenvolvimento social, como Pinochet alegava) de subterfúgio fins maléficos – como torturar quem pense diferente ou coisas do tipo. Foi esse o caso não apenas do Chile mas de todos países latino americanos. E do Iraque. Ah...o Iraque.

Me pergunto porque a Arábia Saudita, cujo governo é extremamente autoritário, falocêntrico e indiferente com o povo, não é invadido pelos EUA. Será que o fato do FLUXO de petróleo ser garantido faz essas características se tornarem meros detalhes? Porque, convenhamos, em 10 anos de ocupação norte-americana (2003-2013), mais de 100 mil civis morreram baleados ou por bombas ou coisas do tipo. Se pegarmos as estatísticas durante TODO regime de Saddam, não há uma taxa de mortalidade tão alta. Será que é essa a PAZ e a DEMOCRACIA e a ESTABILIDADE que os EUA queriam implantar? Não estou defendendo Saddam – que foi igualmente sanguinário. Defendo apenas a pura liberdade. E ataco todos aqueles grandes países que se aproveitam de pequenos focos autoritários para fazerem o papel de Paladinos da Liberdade enquanto drenam sistematicamente recursos (não-renováveis) desses pequeninos econômicos. É apenas isso que estou querendo exprimir – e espero que não esteja sozinho.

E pior: os recursos drenados sistematicamente, que se convertem em TRILHÕES de dólares através da indústria, são usados para mais invasões e um consumo que é estúpido e insano e sem sentido (em sua maioria) e que só afasta e ilude as pessoas. Afasta e ilude. Afasta e ilude...

Mas eu estou desviando o assunto, que é o Chile de 11/09/73.

O estrago causado pelo 11/09 no Chile só será reparado por completo – material e espiritualmente – daqui a milhões de anos. E para haver esse reparo essa data deve ser reconhecida pelos gigantes poderosos que fomentaram os eventos fatídicos.

Eu lamento por todos os 11 de setembro que houveram.

Salvador Allende (1908-1973), presidente chileno eleito democraticamente,
 e deposto autoritariamente (por vias econômicas, midiáticas e militares).
Esses eventos são consequência de um modo de agir ganancioso por parte de indivíduos e – consequentemente – de nações e corporações-nações, cujas políticas “desenvolvimentistas” se norteiam no puro e simples lucro, atropelando qualquer variável sócio-cultural, ambiental, biológica ou trabalhista.

Para evitarmos mais atentados terroristas devemos mudar (sim, todos nós, inclusive eu e você) nossa postura diante do mundo. Precisamos estudar e encontrar as reais causas de um acontecimento trágico. Um acontecimento que pode ter sido fomentando ao longo dos anos, décadas e (às vezes ) séculos, e cuja condenação geralmente é direcionada para um foco que serviu de estopim para o evento. No entanto, esse foco é tão maléfico quanto milhares de líderes cultuados que criam todas condições para que milhares de revoltas ocorram (longe de seus palácios, geralmente e de preferência...para eles). Mas isso é pouco perceptível.

Os problemas da humanidade só serão resolvidos quando soubermos identificar a real causa deles e atuarmos eficazmente sobre os mesmos.

Dicas de filmes e documentários relacionados:

11 de Setembro” (trecho de Ken Loach) → Este é o que mais vale a pena por ser bem sintético

A Batalha do Chile”
http://www.youtube.com/watch?v=L_JHLTeRHr8 (Parte 1: A Insurreição da Burguesia)
http://www.youtube.com/watch?v=ThjqyI01zaY (Parte 2: O Golpe de Estado)
http://www.youtube.com/watch?v=xfpb-PBfZj8 (Parte 3: O Poder Popular)

Machuca”

sábado, 9 de novembro de 2013

Noam Chomsky: mente sensata, mente brilhante, mente ignorada...(pela grande mídia)

Parece uma Lei universal (mas não é): quanto mais uma pessoa enxerga e sente e pensa, mais difícil é a inserção de seus pensamentos e opiniões na sociedade. Isso é muito claro ao analisarmos a História e observarmos as inúmeras injustiças humanas cometidas contra pessoas de todas áreas, muito à frente de sua época: Arquimedes foi morto pela impaciência de um centurião romano, que se recusou a esperar que o cientista terminasse uma linha de raciocínio; Galileu foi ignorado pela Igreja ao apresentar sua nova teoria astronômica; Albert Camus foi sistematicamente rejeitado pelos intelectuais da época por ter uma mente mais livre que a média; Beethoven sempre esteve numa condição financeira ruim por não se curvar à Nobreza e Igreja; e por aí vai. Os casos são inúmeros. E hoje em dia, apesar dos ataques serem menos bárbaros (não se pode mais condenar alguém à fogueira por acreditar ou pensar em algo pouco usual), a "defesa" da sociedade contra as mentes inovadoras continua firme. Podemos encaixar Noam Chomsky nessa categoria de gente.

Chomsky. Olhar introspectivo.
Abraham Noam Chomsky é uma personalidade muito peculiar. Desde a mais tenra infância esse judeu descendente de ucranianos apresentou uma sensibilidade social aguçada aliada a uma capacidade intelectual (muito) acima da média. Em vários campos.

Aos 10 anos escreveu um artigo (isso mesmo, um artigo) sobre a Guerra Civil Espanhola que ocorria do outro lado do Atlântico. Desde essa época ele já tinha uma compreensão madura do que eram coisas como autoritarismo, capitalismo, socialismo, comunismo. E compreendia os fenômenos político-sociais ocorrendo, sempre se distanciando da visão propagada pela mídia. Analisa, reflete e pondera. Algo muito raro em nosso mundo. É graças a ele que mantive minha postura de defesa ao socialismo libertário (comumente conhecido como anarquismo). Graças aos seus textos claros, inteligentes e atuais pude compreender o que de fato é o anarquismo - infelizmente ainda muito associado à desordem.

Chomsky se especializou em linguística no MIT, instituto onde leciona há mais de 40 anos ininterruptamente após obter seu doutoramento. Mas ele vai muito além da sua área, escrevendo artigos (e participando de Fóruns) sobre sociedade, política, ética e psicologia. É uma pessoa completa. E moralmente elevada, independente de sua crença ou não-crença.

Não é à toa que as influências de Chomsky são personalidades que construíram grande parte do mosaico que é seu ser. São mentes igualmente brilhantes, cujas formas de pensar, atuar e sentir são semelhantes a dele: Bertrand Russell, Mikhail Bakunin, Adam Smith, George Orwell, Alan Turing, Karl Marx, John Dewey, entre outros.

Interdisciplinaridade é algo que permeia a mente de Chomsky. Essa característica inclusive está cada vez mais presente nas mentes mais criativas que, além (ou em conseqüência) disso, melhor sabem administrar sua vida pessoal e profissional. É como se estivéssemos voltando a uma era pré-industrial, na qual floresceram pessoas que dominavam várias áreas do conhecimento e relacionavam as coisas. Só que melhor. Agora a especialização parece cada vez mais ganhar aspecto de ter sido apenas um surto de uma Era (industrial) que, uma vez atingida a maturidade, tende a dar lugar para uma nova Era (pós-industrial).

É triste perceber que desde o início de seu trabalho extracurricular, Chomsky sempre foi ignorado e boicotado pela mídia e grupos corporativos poderosos. No entanto, pensando bem, isso é bom, pois demonstra que suas reflexões estão muito próximas da verdade (o maior medo dos poderosos é ver a verdade se espalhar e ser compreendida pelo povo...exatamente o que esse grande lingüista vem tentando fazer há décadas de forma magistral).

Dentre suas obras mais impactantes se destaca "O Lucro ou as Pessoas?", uma análise profunda sobre a insustentabilidade do modo de operação (da maioria) das grandes corporações, e sua constante tentativa de se apoderarem dos bens constitucionalmente garantidos aos povos do planeta - de forma muito discreta e lenta, vale ressaltar. Através dessa obra esse grande pensador contemporâneo traz à tona o tema do autoritarismo, revelando que essa forma de administração está mais forte do que nunca. Foi revitalizado pelo meio privado, que se adentrou no aparato estatal. Aparato este que se tornou altamente permeável a interesses particulares em detrimento do bem público. Hoje mais do que nunca. Mas imperceptível para o cidadão que recebe a educação regular.

Em "Notas sobre o Anarquismo" existe uma análise que vai na mesma linha de "O Lucro..." mas dessa vez o foco está no esmiuçamento de um sistema de auto-gestão que na prática nunca se concretizou (houveram pequenos surtos como o arraial de Canudos, em 1898, e a Comuna de Paris, em 1870). O livro é uma entrevista. Uma entrevista muito interessante na qual vão sendo lançada as perguntas mais comuns e ferozes contra qualquer um que esboce um pensamento favorável a doutrina anarquista. E Chomsky rebate cada ataque serenamente e com muita racionalidade. Uma racionalidade à la Bertrand Russell. Quando cheguei ao fim de minha leitura me dei conta de que um sistema desse tipo só não foi implementado até o momento porque a humanidade está num nível intelecto-moral muito abaixo para assimilar algo do tipo.

São poucas as pessoas dotadas de paciência e vontade em compreender o mundo. Por isso Chomsky está "perdendo". É uma mente muito à frente de seu tempo, que só encontrou um pouco (um pouco) de refúgio justamente no local com maior tolerância aos diferentes: o MIT. Mas ele está além.

Dentro de mil anos, quando (espero) a civilização estiver num novo patamar de desenvolvimento, historiadores do futuro irão ver em Noam Chomsky uma personalidade de seu tempo.

E aí a justiça será concretizada.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

A Felicidade não se Compra (Frank Capra)


Poucos são os filmes que nos fazem ter esperança nas relações humanas. Mais difícil ainda é contar uma história assim cujos personagens sejam capazes de estarem bem próximos de nós, como George Bailey, um homem comum com sonhos e vontade de conhecer o mundo. Mas que o destino (sim, sempre o destino), feliz ou infelizmente, reservou coisas diferentes. 

Frank Capra era capaz de captar o universo interior de seus personagens. Talvez o melhor exemplo disso seja "A Felicidade não se Compra" (1946), que é, na minha opinião, sua melhor e mais completa obra.


A Felicidade não se Compra (1946)

Trata-se de uma narrativa simples com personagens simples. A vida de George Bailey (interpretado pelo eterno bom moço James Stewart), um rapaz que está ansioso por fazer faculdade e viajar pelo mundo, mas se vê obrigado a continuar os negócios do seu pai porque não havia outra opção econômica para a família. No entanto, ao assumir a presidência da pequena empresa de seu pai, ele tem de enfrentar um velho concorrente, o senhor Potter, um homem capaz de pisar em qualquer pessoa para fechar um bom negócio – o típico neoliberal moderno. Especialmente nas pessoas simples e trabalhadoras, como quase todos habitantes da pequena cidade.

O filme começa pela parte final, onde George está desesperado porque se vê incapaz de pagar uma dívida de 8 mil dólares para Potter. Vemos anjos – em forma de pontos luminosos – conversando no espaço sideral sobre a vida. Eles decidem enviar para a Terra um anjo, Clarence, cuja missão é evitar o suicídio de George Bailey. Mas antes Clarence precisa ficar a par de quem é o homem que deve ser salvo para compreender a sua situação. Voltamos no tempo.

James Stewart era sem dúvida o ator preferido de Capra. Alto, bem apessoado, com um ar de moço inocente e inteligente ao mesmo tempo, sua presença nas telas trazia vida aos personagens de Capra, transpirando a simplicidade, a raiva, a alegria, a dor, a tristeza, tudo de forma convincente. O que vemos na tela é um ser humano que poderia ser qualquer um de nós, com seus sonhos e sua vida. E muita (muita) vontade em perseguir seus sonhos e ideais. 

Impedido de sair de sua pequena cidade, George faz uma visita a Mary (Donna Reed, maravilhosa), uma moça que gosta dele desde que os dois eram crianças. Após algumas discussões não é possível para nenhum deles se desviar do inevitável, e eles acabam se casando, pois realmente se amam. Isso é demonstrado de um modo que só Frank Capra conseguiria. E é bela essa aproximação.

Vemos as dificuldades do dia a dia dos Bailey's em tocar seus negócios. O amor que eles têm pela sua comunidade é demonstrado através de seu trabalho. Ele trabalham pela sua cidade. Potter, por outro lado, faz a cidade trabalhar para ele, cobrando aluguéis surreais e oferecendo casas mal acabadas, ansioso para que alguém fique endividado em algum momento e tenha de recorrer ao seu escritório. Puro orgulho e egoísmo. Essas diferenças irão gerar uma competição na qual o poder da agressividade tende a deixar George numa situação de grande vulnerabilidade, que por conseguinte irá gerar uma tensão que o levará a pensar no suicídio. Aí surge Clarence e revela o que seria de sua pequena cidade se ele nunca tivesse existido.

Pode-se dizer que "A Felicidade não se compra" é um filme que despreza o capitalismo ganancioso de Potter e elogia o socialismo praticado pelos Bailey´s. Socialismo no sentido de colocar as pessoas (e não o dinheiro) em primeiro lugar. De colocar os seus amigos de anos em primeiro lugar. De colocar aqueles que trabalharam a vida inteira no seu lugar justo e lhes dar um lar decente e uma vida digna. E não de explorá-los continuamente.

O Destino também é um tema tratado. Será que seria melhor George Bailey realizar seus sonhos e nunca ter voltado à sua cidade? Ou será que algo aparentemente chato não acabou sendo melhor? (Afinal, ele ficou com Mary, o amor de sua vida, pôde ajudar seus conhecidos, e, melhor de tudo, combateu a ganância de Potter). Essa reflexão caba a nós, espectadores.

Você está se sentindo mal? Alugue “A Felicidade não se Compra”.

É Frank Capra em sua melhor forma.

domingo, 3 de novembro de 2013

O Comprometimento do Amor - O Amor do Comprometimento

Às vezes a vida pode ser muito dura para o tipo sensível. Especialmente no campo afetivo, no qual - teoricamente - a sensibilidade deve ser mais valorizada em sua essência. E quanto mais sensibilidade uma pessoa tem, seja homem ou mulher, mais sozinho essa pessoa se encontra neste mundo. Sozinho afetivamente e verbalmente, pois a comunicação também se torna limitada para esse ser, cuja percepção dos fenômenos é completamente diferente da média geral. Média aparentemente feliz e que sabe lidar com os problemas da vida. Aparentemente...

O comprometimento é uma característica marcante do tipo sensível. Ele se compromete muito mas que a média num relacionamento e espera - sem contudo forçar - que a outra parte se comprometa na mesma proporção. Especialmente se demonstrar interesse. No entanto, o que comumente se vê é uma parte tendendo a predominar sobre a outra, não respeitando os gostos e vontades do outro, e julgando normal a adequação deste à sua rotina.

Existem três modos de desenvolver um relacionamento afetivo (qualquer que seja a sua natureza). E apenas um deles é o que garantirá sua continuidade.

Eis como vejo cada um deles:

O primeiro modo é a falta de comprometimento das duas partes. Neste caso, se ambos tem consciência do que ocorre, as coisas podem fluir naturalmente sem grandes conflitos. No entanto, se um dos dois apresentar qualquer desejo de aprofundar a relação, e ir demonstrando isso, as coisas podem se complicar, e atritos irão surgir. A grande desvantagem desse tipo de relacionamento é que ele é incapaz de se tornar algo significativo. Trata-se mais de um passatempo.

No segundo modo existe falta de comprometimento de uma das partes. Isso pode ser identificado logo no começo da relação, e será melhor que aquele com tendência a ser mais prejudicado (a pessoa comprometida) seja quem perceba isso - e tenha a coragem de pular fora dessa arapuca. Se a relação continuar é muito provável que a pessoa descomprometida exija cada vez mais tempo e disponibilidade da outra - sem no entanto dar nenhuma em troca - assumindo uma posição cada vez mais autoritária se sua vontade não for atendida. Vai se edificando assim uma relação unilateral, com atitudes unilaterais, cuja conseqüência final só pode ser desastrosa. Um dá e não recebe; o outro recebe e não dá. Sem equilíbrio não há possibilidade do desenvolvimento saudável.

O terceiro modo ocorre quando ambas as partes estão comprometidas em sua vida a dois. Ou, de modo claro: cada um respeita a vida do outro. Seu espaço, seu tempo, sua aparência, suas idéias, seus ideais, seus sonhos, seus amigos, etc. Não quer segurar a outra parte em benefício próprio. Se deseja mudar algo no outro (que julga um vício) faz isso através da persuasão, do diálogo, da inteligência e do exemplo. Nesse caso é possível que exista o que eu denomino por AMOR. E digo que é possível porque o COMPROMETIMENTO é um pré-requisito do amor.

É desesperador saber que o terceiro modo de relacionamento é ainda raro. Muitos deles APARENTAM ser desse tipo, mas não o são de fato. Existem camadas infindáveis que disfarçam a verdadeira natureza dos relacionamentos que eu e você enxergamos nas ruas, nos parques, nos livros, e etc.

Mesmo pessoas simpáticas, legais, com boa condição social e comunicativas são passíveis de serem egoístas nos relacionamentos que decidem assumir. Seja a pessoa bonita ou não. Se comportam de um jeito e esperam que o outro compreenda. Mas quando o outro se comporta do seu jeito natural e ao mesmo tempo isso não corresponde às expectativas da outra pessoa, esta passa a nutrir uma certa indignação por dentro. Como se o mundo orbitasse em torno dela. E falar com elas sobre isso é muito complicado. Poucos são capazes de ouvir a opinião de um amigo sobre sua conduta e procurar observar seus próprios atos. Poucos. Então - e infelizmente - se uma pessoa está descompromissada e cobrando compromisso numa relação, ela provavelmente irá deixar o outro "porque não está se comprometendo o suficiente". Só que o comprometimento cobrado é desproporcional. E esse descaso é muito comum por parte de quem está numa situação "vantajosa".

Um estudo interessante divulgado há tempo numa edição da revista Superinteressante revela que pessoas bonitas tem tendência a serem mais egoístas. Isso diz muito sobre a desintegração de muitas relações calcadas pura e simplesmente na beleza do outro. Dessa forma a beleza exterior pode ser um grande obstáculo para a sustentabilidade da relação. Então, dessa forma, fica evidente que é imprescindível a busca de atributos intangíveis no outro se se deseja cultivar uma relação duradoura e sincera.

Do meu ponto de vista, o comprometimento deve ser na medida. Isto é, ele deve estar equilibrado com o outro (de seu parceiro). Esse consenso pode (e deve) ser atingido naturalmente. E para isso é necessário que cada pessoa tenha sensibilidade. Deve incorporar momentaneamente os sentimentos da outra - ou pelo menos se colocar no lugar dela. Isso é difícil? Sim. Muito. Muito mesmo. Mas é o único - e mais eficaz - caminho para alguém conquistar a tão almejada felicidade. E não é preciso ser um gênio para se dar conta disso. Bastam alguns anos de experiência e observação. Experiência e observação.

O comprometimento é ingrediente fundamental em muitas coisas. Está relacionado ao amor. Quando amamos alguém ou algo (uma atividade, uma matéria, uma pessoa, etc) nos comprometemos mais ou temos mais predisposição a nos comprometermos com ela. Não existem fronteiras. Tudo pode ser construído, melhorado, explorado, compreendido tendo como norte o objeto de afeição. Não medimos vantagens e desvantagens. Não existe dinheiro e tempo "gasto" em relações verdadeiras. Muito pelo contrário: quanto mais "gastarmos", melhor. Temos prazer em ceder todos nossos recursos - sejam eles poucos ou fartos - para a pessoa que gostamos.

É ainda difícil encontrar gente comprometida. Mas quando encontramos alguém assim, é muito gratificante.

É o comprometimento que demonstra que temos um motivo para viver.

sábado, 2 de novembro de 2013

Escravos(as), Servos(as) e Operários(as): Trabalhadores(as) e Injustiçados(as)


O sistema de produção do mundo do trabalho teve como força motora basicamente três tipos de indivíduo: escravo, servo e operário. São esses os elementos que foram causa primária de todo bem-estar e riqueza gerada pela humanidade. E também de eventuais conflitos destrutivos. Mas deve-se ressaltar que, no caso dos conflitos dessa natureza, esses elementos humanos foram - na maioria dos casos - uma mera ferramenta de outros elementos. Elementos estes não-produtivos como: nobres, ditadores (estatais ou empresariais), aristocratas e outros privilegiados inconscientes. E é interessante que, apesar de todas mudanças nas nomenclaturas, na função social e na forma, a essência do trabalho desses três tipos continua o mesmo.

Mas primeiro vamos às definições.

A escravidão foi um sistema que se manteve vigente desde o advento da civilização (quem sabe até antes) e foi sendo abolido a partir do início da Idade Média, pois ela não era mais economicamente viável (os custos para manter um escravo eram muito altos). No entanto, apesar desse surto inicial, - já presente desde o fim da Antiguidade - os escravos só foram substituídos pelos servos na Europa (não no resto do mundo).

A partir do século XII, quando o continente europeu começa a lançar olhos para o exterior, esse modo de exploração volta a vigorar. Só que, ao contrário da escravidão da Antiguidade, que era generalizada e aplicada ao povo dominado (independente de sua etnia, cultura ou religião) militarmente, desta vez a (neo)escravidão era definida pela etnia e cultura do indivíduo. 


Escravos: a cor da pele, a "superioridade" de outro povo,
determinavam quem era ou não parte desse grupo.
Encabeçados por Portugal e Espanha, a escravidão passa a ser praticada sistematicamente. Era preciso encontrar mão-de-obra não-européia e não-cristã (na época essas expressões eram praticamente sinônimas) para extrair recursos minerais do Novo Mundo. Logo, milhões de africanos foram capturados e levados forçosamente, contra sua vontade, ao continente americano. E assim foi até o início do século XIX, quando nações em industrialização, encabeçadas pela Inglaterra, viam mais vantagem em criar um mundo produtor e, posteriormente, consumidor. E aí surge o operário. 


Basicamente, o que diferencia um trabalhador do outro é:

O escravo é uma propriedade de seu dono. Ele não possui liberdade para usar seu tempo como deseja. Seus sentimentos não são de interesse de seu proprietário, que só vê vantagem em mexer nesse campo caso isso lhe forneça algum ganho.

O servo está atrelado à terra (feudo), e desempenha tarefas não relacionadas diretamente ao Saber (exclusivo da Igreja) e ao Poder (exclusivo da Nobreza). Logo, os pajens (ou camponeses) cuidam dos animais do seu senhor e de suas terras. Eles não são propriedades de alguém, mas sim do local onde trabalham. Essa é a única real diferença entre o escravo e o servo.


Servos: As Igrejas definiam um papel fixo na sociedade.
Não se podia questionar as "ordens" de Deus.

O operário possui a liberdade (uma pseudo-liberdade, mas isso será explicado adiante) de vender sua força de trabalho para o detentor do capital que ele desejar. Ele não é propriedade de nada nem ninguém diretamente, e ao mesmo tempo não possui propriedades - exceto seus parcos recursos materiais. Mas ele está submetido a um mercado de produção e consumo do qual ele não tem conhecimento nem controle.

Essas três figuras do mundo do trabalho, apesar de receberem diferentes classificações, exercem uma função semelhante: a de gerar riqueza para outros e receber muito aquém do que produziram.

De certa forma, podemos afirmar que, ainda nesse mundo, o operário é uma espécie de escravo. Explico o porquê.

Durante a escravidão, apesar do escravo não receber nada em termos monetários, existia um forte assistencialismo do seu dono que lhe garantia todos os meios de subsistência: abrigo, cama, comida, condições para se exercitar, etc. O operário, por outro lado, apesar de receber dinheiro, não possui nenhuma das condições que aos escravos eram garantidas. Essa realidade está muito próxima da verdade, exceto para certos países em certos períodos históricos (como a Europa e os EUA dos anos 50, 60 e 70, onde o Estado de Bem-estar Social era forte e garantia segurança para seus trabalhadores). 


Operárias: O Mercado define o modo de vida
das pessoas. Você vale pelo que você produz,
independentemente da utilidade e aplicação desse bem.

Nos dias atuais, para alguém conseguir sobreviver, ou seja, ter um mínimo de saúde, educação, moradia, alimentação, transporte e higiene, deve-se entregar grande parte de seu tempo para aquele que detém os meios de produção e/ou controle dos mesmos. É claro que a qualidade de vida de um empregado do início do século XXI (e mesmo XX) é muito superior àquela de um escravo do século XVII. No entanto, isso só ocorreu porque os detentores do poder tiveram a mínima sensatez de distribuir um pouco da riqueza e assim evitar desgastes sociais drásticos que poderiam culminar em conflitos sangrentos. Quero dizer com isso o seguinte: a condição de vida do trabalhador contemporâneo só está melhor do que a de seus antepassados porque os patrões dos dias atuais estão em condições muito melhores do que os patrões de antigamente. Isso dá uma falsa ilusão de progresso. Trata-se de conquistas, sem dúvida. Mas a condição fundamental não alterou.

Se o pesadelo dos escravos era a dor física, hoje o pesadelo dos operários é a pressão psicológica (no escritório ou na linha de produção). Seja o trabalho "inteligente" ou físico, a condição do trabalhador é a mesma: constantemente ameaçado por uma força invisível, subjacente em seu íntimo, ele se vê impelido a dar o máximo de si em seu posto, independente dos efeitos para sua saúde física e mental. A família, os estudos, os amigos, a cultura e o lazer ficam em segundo plano e são vistos apenas como elementos de distração - raramente como modo de desenvolvimento humano. Essa força, implantada ao longo dos anos, desde a infância, por um sistema que opera de modo inconscientemente destrutivo e visando o enfraquecimento dos laços sociais de longo prazo, sustenta um sistema insustentável a longo prazo. Contradição pura. Paradoxo. Em suma: desperdício de energia. Eis o retrato de nossa sociedade atual. 

O modo de operação de nossa civilização pouco difere daquele que vem sendo implantado desde a Revolução Agrícola: QUEM TRABALHA NÃO LUCRA E QUEM LUCRA NÃO TRABALHA. Na maioria dos casos pelo menos é assim. E quando me refiro a trabalho, é na sua verdadeira acepção. Ou seja, aquela atividade que engrandece intelecto-moralmente o indivíduo e seu meio, promovendo um bem-estar sólido. 



Os comerciantes podem ser vistos como uma exceção nesse processo. No entanto, eles estão sujeitos aos grandes comerciantes e precisam arriscar muito antes de abrir seu próprio negócio. Se trata de um jogo arriscado para muitos que desejam ficar um pouco menos dependentes dos horários fixos.

O único modo que posso conceber para mudar esse quadro é através de uma profunda conscientização de todos. Quem produz recebe proporcional a riqueza que gera. E tem controle dos meios de produção. Nada mais sensato. Nada mais justo. Não consigo enxergar insensatez ou radicalismo nesse pensamento.

Gilberto Freire já falava sobre tudo isso em "Casa Grande e Senzala", seu livro mais célebre. A Senzala, local onde se produzia a riqueza, era sempre feia e suja e desvalorizada. A Casa Grande, onde ficava o senhor, que só administrava a riqueza, era rica, bonita e confortável. E esse modo de tratar o trabalho e o não-trabalho perdura até hoje. Basta observarmos as escolas públicas de ensino básico (em sua grande maioria): o local onde as coisas realmente acontecem - a sala de aula - é mal preservada, enquanto as áreas administrativas são bonitas e bem cuidadas. 



A perpetuação do modelo Casa Grande e Senzala gera inúmeros problemas em nosso país. Dentre eles o enorme desinteresse pela carreira de ensino e pesquisa, áreas fundamentais para o desenvolvimento de uma nação.

O único modo de evitar (ou minimizar) conflitos é colocando o trabalhador no seu devido lugar. Ou seja, valorizando o que ele produz. Na forma de benefícios, promoção, aumentos salariais, concessão de liberdades, respeito a sua saúde, entre outros. Mas isso depende da conscientização da maioria e - especialmente - de quem está no comando. Enquanto isso não se efetivar, continuaremos abrindo nossos jornais e vendo - ou, pior, sentindo - coisas desagradáveis.



Cada dia que passa cresce a conscientização daqueles que produzem. Houveram conquistas de terreno. E para que o ciclo vicioso de "subi, agora vou subir mais pisando nos de baixo" não se perpetue, é necessário que haja cada vez mais tempo livre e criatividade dos trabalhadores. E assim será possível migrar para um estágio de evolução no qual os gananciosos não terão espaço para exercerem o controle sobre a sociedade.

E SE estivermos próximos de uma profunda mudança? A verdadeira e efetiva mudança que muitos almejam há séculos. Uma mudança já dita e visualizada por J.M Keynes no início do século XX.



Está na hora de MELHORARMOS nosso planeta. 

E nada mais sensato do que VALORIZAR o trabalho.


Os dirigentes (ainda) tem a oportunidade de entrarem para a História como grandes Progressistas. Ou grandes Exploradores...



Ainda há tempo...