quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Aposentadoria em Mutação

Há cem anos a expectativa de vida de uma pessoa orbitava por volta dos 40 anos. Isto é, para a maioria das pessoas, que trabalhavam excessivamente e exaustivamente em atividades físicas de execução. Hoje, apesar do cenário dessas pessoas ter se tornado mais mental e menos sofrido, a prevalência da execução sobre a criação ainda é grande. Além disso, a expectativa de vida dobrou em média. O que significa que temos o dobro de horas. Horas que precisam ser preenchidas de alguma forma. Úteis, de preferência.

Na época do meu tataravô era normal o ano da aposentadoria coincidir com o ano da morte da pessoa. A criança (sim, a criança) começava sua vida laboral aos 12, 15 anos, e continuava ininterruptamente sua atividade até os 35, 40 anos, quando seu corpo estava exausto e não podia mais servir de ferramenta produtiva. E - pior de tudo - como essa pessoa se ESPECIALIZOU numa atividade puramente EXECUTIVA - que, alias, é uma infeliz coincidência, pois ela executa o físico e o espiritual do ser humano lentamente. executa no sentido de eliminar, degradar. Mas hoje pode-se constatar que houve um certo progresso.

Uma pessoa de nem pobre nem rica, mas que depende do trabalho, "produz" dos 30 aos 60 anos, mas provavelmente viverá até os 80. Ou seja, trata-se de vinte anos livres para ocupar da forma que se deseja. No entanto, esse caso genérico ainda não é tão comum se analisarmos algumas (numerosas) partes do globo. E também, não há garantia de uma vida plena em termos de saúde para uma boa parcela da população.

Quem vive em países que possuem uma jornada de trabalho relativamente civilizada, - como Alemanha, Holanda e Dinamarca, só pra citar três exemplos - onde a maioria dos indivíduos tem a possibilidade de cursar um bom ensino superior, ter uma semana de 30 a 35 horas (sem problemas nos transportes e com férias que chegam a 6 semanas por ano, como no caso da Dinamarca) e portanto ter uma vida pessoal decente. É claro que lá se aposenta mais tarde, mas a questão é que o indivíduo NÃO SE DESGASTA a uma taxa tão grande ao longo dos anos.

A postura em relação a benefícios sociais-previdenciários-trabalhistas dos países citados acima tende a permear a humanidade ao longo das décadas ou séculos. Isto é verdade se a nossa civilização não deseja entrar em colapso. Agora, um ponto que vale a pena ressaltar é o seguinte: os governos e corporações devem perceber que um novo modo de vida sócio-cultural está em gestação. Esse modo de vida vem sendo reprimido em grande parte dos meios cultuados pelo “estabilishment”. E, no entanto, – por ser uma tendência natural – as vozes continuam se manifestando. A favor de uma outra maneira de estruturarmos as relações econômicas e, consequentemente, sociais, afetivas e culturais.

O sociólogo austríaco André Gorz fala sobre a extinção do trabalho da maneira como o conhecemos. Claro, ele não se refere a trabalho como a execução de uma atividade criativa ou útil, e sim a um trabalho institucionalizado, industrial, com catracas e crachás e cercas e muros e arames e controle e foco no tempo. Esse trabalho - se é que podemos denominá-lo por tal - será cada vez menos ofertado. Por que? Simplesmente porque a automatização nos livra cada vez mais de atividades monótonas. E o consumo - ah! consumo...sempre ele... - chegou a níveis tão altos, puxando a produção a níveis insustentáveis, que se tornará cada vez MAIS VISÍVEL a loucura na qual nos inserimos. Infelizmente existem diversos artifícios para maquiar essa insustentabilidade, como propagandas e sonhos de vida que não condizem com sua personalidade e aspirações reais.

Outro sociólogo italiano, Domenico De Masi, baseado em dados estatísticos, afirma em sua obra "O Ócio Criativo", que a quantidade de horas necessárias para manter a economia rodando cai de 3 a 4% ao ano. E existem duas soluções para isso, ambas bem simples. Mas apenas uma delas é sensata:

Primeira: demite-se 3 a 4% dos funcionários (ou mais) e mantém-se (ou aumenta-se) a carga horária dos que permaneceram empregados, roubando o pouco tempo que lhes resta ou...

(Segunda) reduz-se a jornada de trabalho de 3 a 4% ao ano, mantendo todo mundo empregado, e com mais tempo para se dedicar a outras vertentes da vida. Isso seria uma mudança gradual.

A nossa civilização, em sua insensatez, sempre optou pela primeira solução. Que, convenhamos, no fundo é uma pseudo-solução. Mas os sinais de desgaste são cada vez mais evidentes que chegará um momento crítico no qual a sensatez será finalmente levada em consideração.

Quando chegar o momento, teremos de reformular o conceito que temos de aposentadoria, criando novos mecanismos de inserção social e aprendendo a usar nosso tempo (cada vez mais) livre de forma inteligente. Aliás, creio no seguinte: não terá sentido mais falar-se em aposentadoria. Pois, com um ritmo de vida cada vez mais coerente com nossa natureza biológica, tenderemos a fazer mais do que gostamos na hora que quisermos e do nosso jeito. Como conseqüência, gostaremos cada vez mais de nossas atividades e tenderemos a ter mais saúde, nos mantendo em atividade até o fim de nossas vidas. Essa é uma possível conseqüência do aumento do tempo livre. Mas para atingir esse estado (ainda) utópico, o tema em questão precisa ser colocado em pauta pela sociedade e todas instituições relacionadas a ela – ou seja, todas.

Não há mais motivo para um tema tão importante para a evolução da nossa – e de todas espécies – ser ignorado porque um punhado de indivíduos engomados e com poder tem uma visão distorcida do que é progresso e do que e qualidade de vida. Aliás, gostaria de ressaltar que existem alguns líderes empresariais que já vem aplicando conceitos orientados para essa sociedade do futuro. E que, apesar de serem pequenos e suas políticas serem pouco propagadas pelos meios de comunicação, – que na maioria dos casos não estão interessados nesse progresso – esses dirigentes já plantaram sua semente, mostrando um modelo do futuro.

O aumento da maturidade individual, aliado a mais tempo, nos possibilitará ir mais longe. Na vida e na criação.

Não estou falando nada novo nem revolucionário. Keynes já tinha essa visão. Bertrand Russell também. De Masi, Gorz, Alain Tourraine, Toffler e cia igualmente. Até os artistas como Bukowski enxergavam isso. No caso deste, seus textos transmitiam a loucura que era o modo de operação da sociedade, e traduziam isso numa linguagem simples. Objetivamente, mostrando as coisas como eram, de forma nua e crua. Sem rodeios ou terminologias específicas.

Se tanta gente tão estudada em tantas áreas (e com tanto sentimento) tem um discurso semelhante, será que eu deveria estar com medo de dizer tudo isso aqui, abertamente?

Quem mata as pessoas de saúde é um sistema que não mais é capaz de atender as necessidades e aspirações do Ser Humano do Terceiro Milênio, desejoso de evoluir. Um sistema que deposita obrigações desnecessárias em mentes que abrigam sonhos e idéias e sentimentos e amor e coisas dessa natureza. Um sistema que mata aos poucos. O sistema joga bigornas pesadas em cima de cabeças sensíveis e capazes, dizendo: "Mantenha-a (bigorna), carregue-a! Se você quiser ter seu sustento para os próximos dias, esse é o ÚNICO caminho!" Pois eu - e cada vez mais gente - respondo: é sim, o único caminho...é o único caminho PARA A LOUCURA.

Do meu ponto de vista, num mundo evoluído não existe aposentadoria. Pelo menos não do jeito que a gente conhece. Existe apenas saúde e criação. Esta última conseqüência da primeira. Saúde mental e física.

É compreensível que a mudança seja lenta. O que é difícil de compreender é a existência de seres obtusos que fazem questão de puxar o trem da História para trás, evitando o progresso. Pensando egoisticamente. Mercadologicamente. Sem sentimento, sem racionalidade. Apenas com uma pseudo-racionalidade. Fundada em conceitos incompletos e departamentalizados, e portanto não aplicáveis a nossa Era. Mas esses seres estarão cada vez mais solitários e fracos se persistirem em sua teimosia. Se não nessa geração, talvez nas próximas.

Teremos de aprender a nos virar nesse novo universo que se abre para nós. Universo permeado de tempo livre e energia. Muitos tem medo disso. E é compreensível. Pois o ser humano sempre foi acostumado a trabalhar excessivamente ou a desperdiçar tempo e riqueza em atividades degradantes. Jamais houve uma cultura coletiva que prezasse pelo tempo livre extenso e construtivo. Mas esse parece ser o começo da solução para os problemas que permeiam nossa sociedade.

É recomendável começarmos a semear o terreno para a nova sociedade, cujos frutos desejamos colher nas próximas décadas e séculos.

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