quinta-feira, 19 de junho de 2014

POR QUE UMA SINCERIDADE ÁSPERA PODE SER MUITO MELHOR DO QUE UMA FALSIDADE SUAVE

Alguns meses atrás eu tinha uma ou duas calças com problemas. Elas não tinham barra. Para quem não sabe, isso quer dizer que elas eram longas demais. E sempre que eu as usava, as marcas de sujeira na parte de baixo surgiam no final do dia. Era desesperador. Porque eu gosto de minhas calças limpas.

Levei elas na alfaiate. Uma senhora que fez o serviço muito bem e cobrou barato. E que tinha (ainda tem) poucos recursos financeiros. De qualquer forma, essa senhora é o que eu chamo de pessoa sincera. E dois fatos me levaram a esboçar essa opinião a respeito dessa pessoa.

A primeira delas foi porque, ao me atender, ela se revelou extremamente aberta e interessada em trocar ideias, e após eu afirmar que tinha estudado na faculdade e trabalhava, ela fez uma conexão com o seu filho, dizendo – com felicidade – que estava no terceiro ano e já em busca de um estágio. Era alguém que faz perguntas que beiram (beiram, não chegam) o pessoal, mas percebe-se a sinceridade nelas;

E a segunda porque, no dia em que busquei a calça (muito bem trabalhada), ela estava numa conversa calorosa com uma amiga, expondo suas criticas a um cliente que a tinha tratado de modo pejorativo e não quis pagar por um serviço, e por isso deu pouca atenção para mim – depois de pagar, ela, ao me dar o troco, nem sequer conseguiu colocar as moedas em minhas mãos. Seu olhar, sua mente e suas emoções estavam voltadas a outro assunto, muito mais importante. E por incrível que pareça, esse segundo evento foi a comprovação de sua sinceridade. E eu realmente senti isso. Porque a compreendi. 


Desde o início dos tempos, nossa sociedade sempre se orientou por um padrão exterior. Essa orientação – a meu ver, uma orientação às avessas – é muito evidente no fenômeno da socialização – às avessas.

Troquemos a senhora (mal vestida, com idade, sem forma atrativa aos olhos do público) por uma bela moça com medidas bem proporcionadas e na flor da idade. Adicionemos um aspecto sorridente, uma voz doce e uma disponibilidade espantosa. E imaginemos que, na segunda parte da história, essa moça tenha sido atenciosa. Mas que por trás de toda essa simpatia existe uma verdade oculta (não existem milagres). Ela na verdade não simpatiza com o cliente (eu) e não gosta de fazer o serviço para ele. Mas como a etiqueta social requer, deve ser educada com todos. E portanto, falsa. Educada ou egoísta? Ser independente ou refém de sua aparência? Antes de darmos o costumerio ponto final, vale a reflexão.

[vale aqui um comentário]

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Não quero dizer com isso de que toda pessoa que é educada, bonita e com fala elegante seja falsa; e toda pessoa de idade, fora dos padrões de beleza e direta seja verdadeira.

O que desejo ressaltar é que o fato de uma pessoa possuir em boa dose os atributos físicos e materiais valorizados pelo mundo – e pelo seu próprio espírito – comumente torna-a refém de um modo de comportamento que induz a a ser falsa. E portanto viver uma vida que não é sua e ter atitudes banhadas de artificialismo.
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Para a grande maioria das pessoas, ser atendido por essa moça seria muito mais agradável e “sincero” do que pela senhora. Muitos dirão que no fundo a moça é sincera (queremos acreditar nisso) e que a senhora, apesar de toda explicação dada por alguém (eu aqui, por exemplo), no fundo seja uma pessoa desagradável e problemática. Será?

Séculos de experiência coletiva formaram uma memória cuja utilidade pode ser útil para nos projetarmos para o futuro. Mas para isso precisamos atentar para os fenômenos sutis e seus efeitos.

A verdade pode ser bela ou feia.
A mentira é sempre bela.

Isso quer dizer tudo e nada. Ao mesmo tempo.

Porque encarado pela forma, é como é.
Mas encarado pelo conteúdo, devemos fazer uma inversão.

Porque o fato de algo nos incomodar não significa que aquilo seja um mal para nós;
E algo que nos agrada nem sempre nos conduzirá à felicidade.

Uma frase que sempre nos agrada nunca nos abala,
E assim realimentamos nossas crenças e valores em torno dela.

Uma frase que sempre nos abala nunca nos agrada,
E assim rejeitamos ela e mantemos nossas crenças e valores.

A evolução interna só pode ser acionada com o correto manejamento do segundo caso. Ou seja, no momento em que, diante de uma sólida fortaleza cujo ideal relativo está em descompasso com nosso ideal relativo, uma abertura mental ocorra de ambas partes. E haja um choque no plano das ideias – e só através delas. É a Grande Batalha. Uma batalha que se trava no imponderável, mas cujos efeitos sobre as mentes e sonhos e sentimentos é irreversível. Eis o poder que nosso mundo ainda vê como infantilidade.

Gostaria de concluir com uma ideia que me ocorreu.

Verdadeiras amizades geralmente (nem sempre) tem um início áspero ou pouco sedutor. Falsas amizades tem um fim dessa mesma forma, mas um início sedutor. Isso não é lei geral, mas pode-se esboçar algumas hipóteses a partir do que vemos durante (e na) vida.


Uma amizade que começa de forma conflitante, mas com grande dose de sinceridade acompanhada, tem tudo para crescer de forma saudável. Basta as partes terem suas mentes abertas ao Universo. A sinceridade é o elemento orientador das mentes (abertas!), que tendem a mitigar conflitos.

Por outro lado, uma amizade que começa com grandes expectativas, promessas e só transparece vantagens, pode indicar: (1) ou que as partes estão em sintonia, e portanto tem pouco a contribuir uma com a outra – no entanto, elas podem batalhar juntas por um ideal; (2) ou as partes estão fazendo uso intenso de mecanismos de atuação (teatro) e portanto – com o tempo – tem tudo para gerar um conflito destrutivo.

Se isso tudo está certo ou errado, eu não sei dizer.

No entanto, até o momento, as teorias tem se encaixado perfeitamente nas vivências. E vice-versa.

Portanto, vale a pena pensar sobre isso.

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