sábado, 13 de dezembro de 2014

A EDUCAÇÃO DO PORVIR

Considero sério e da mais alta importância o problema educacional do mundo. No Brasil particularmente. No mundo porque este, apesar de possuir seus exemplos, em linhas gerais demonstra estar andando a passos lentos para formar um sistema de ensino que busque criar o ambiente onde os jovens possam se descobrir. No Brasil por razões elementares.

Enquanto o mundo desenvolvido enfrenta problemas de ordem (digamos) elevada – como por exemplo integrar saberes e alunos, fugindo da dependência das forças do mercado, sedento por reproduzir um modo de vida que “não leve a economia ao colapso” – o nosso país ainda sofre com a falta de oportunidades iguais. Aqui quem cursa uma escola particular tende a ir para as melhores universidades (geralmente públicas); e quem frequenta escolas básicas públicas dificilmente tem a mesma oportunidade. Isso a meu ver ocorre por dois motivos:
  • ou ela deve começar a trabalhar o mais cedo possível para contribuir com a família, necessitada de recursos, cedendo suas horas e energias e inteligência ao mundo do trabalho pouco qualificado ou;
  • ela chega a fazer uma universidade, geralmente particular, na qual o aprendizado terá apenas a função de garantir um emprego melhor, com salário e condições menos indignas do que aquelas que teria caso não tomasse essa decisão. De qualquer forma, o aprendizado fica limitado, à mercê de uma economia segregada do mundo social, cultural, afetivo, artístico e espiritual.
O problema é complexo porque inter relacionado. Quem estuda numa faculdade particular, na maioria dos casos trabalha simultaneamente por férrea necessidade da vida e árido passado familiar. Além disso, a grande maioria do ensino superior privado [1] adota um modo de operação condizente com a sua essência: vender um serviço. Porque quando se abre algo, objetiva-se o lucro, obviamente. Logo, uma educação privada tende à mercantilização. E com isso o escopo passa a ser o ganho monetário, ficando a formação em segundo plano – se tanto. Mas uma necessidade alimenta um instinto: não se estuda por falta de oportunidade; com isso trabalha-se em empregos de execução; esses empregos movimentam a economia presente mas não garantem o futuro (sustentabilidade, inovação, possibilidades,...); essa economia investe em si mesma, com medo dos altos estudos, que vê como uma perda de tempo (astronomia, física, matemática, arqueologia, música,...) e/ou empecilho aos negócios (ciências sociais, história, jornalismo crítico, artes,...). Aliás, seus investimentos em – por exemplo – engenharia só vão até o ponto em que esta pode dar lucro e inovar dentro do escopo do mercado.

Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997).
Patrono da educação brasileira. Agente promotor
do desenvolvimento mais substancial: a
formação das mentes.
Quando se fala em problemas urbanos como congestionamento ou poluição ou fontes renováveis ou tudo isso junto a indústria automobilística se apressa em apresentar “soluções”: novos sistemas em seus veículos. Veículos de menor consumo (para reduzir impactos ambientais), com eletrônica mais inteligente e mais confortáveis (para melhor enfrentarmos os congestionamentos). No entanto, esquece-se (ou ignora-se) que os gastos no desenvolvimento dessas “soluções” são restritos a uma população relativamente rica. Além do mais, o cerne da questão envolve mudança de modelo, e não reprodução de métodos do século passado.As cidades mais desenvolvidas comprovam: transporte público de qualidade e acessível; vias para ciclistas, patinadores, 'skatistas'; amplas calçadas; cidades projetadas de forma a facilitar deslocamentos a pé ou de bicicleta; parques e praças.

É a economia que deve servir à sociedade e não o contrário. Trata-se de dar o peso merecido a cada aspecto da vida.

Existe uma questão muito em voga hoje em dia que é a tecnicização da ciência. Isto é, uma cultura de utilitarismo total vem sendo difundida pela (grande e influente) mídia, que procura convencer a sociedade do seguinte: devemos colocar a ciência à serviço da tecnologia, que é a finalidade da vida. Ou seja, estuda-se disciplinas básicas para aplicação imediata, tornando cada vez mais insignificante o ato de saber o porquê de tal teorema ou idéia ou conceito ser importante; ou como este pode aplicar-se a outros fenômenos de outros ramos; ou de como saber como se dá o processo de desenvolvimento de uma idéia. Essa é a educação que muitos seres influentes dizem ser “do futuro”.

Não posso me associar a tal tipo de pensamento por diversos motivos.

O primeiro está na minha vivência. Durante meus anos de estudo pude me dar conta da limitação existente na especialização. C'est à dire [2]: cada docente tendia a ver sua disciplina como a mais essencial, às vezes cobrando do aluno conhecimentos especializados como se este estivesse realizando um estudo integral na área.

Foram mais de 70 disciplinas obrigatórias. Apenas uma extracurricular...

Exigir do aluno os fundamentos de ciências e de engenharia é bom. Mas saturar o mesmo com isso, por vezes repetindo assuntos ou se aprofundando além do necessário numa área pode levar o estudante ao cansaço, fazendo florescer nele um ardente desejo de terminar tudo o quanto antes e entrar no mercado de trabalho. Além do mais, dar a liberdade de cursar diferentes cursos pode ser a chave para fazer nascer – ou ressuscitar – a vontade de estudar algo específico de sua área. E muito mais.

Rubem Azevedo Alves (1933-2014).Psicanalista, educador,
teólogo e escritor brasileiro. Um dos fundadores da Teologia
da Libertação. 
Ao sair de um curso saturado de informação o estudante se vê diante de um mundo que o saturará de obrigações. A essência não muda. De certa forma, ele foi preparado para isso: fazer, não pensar; executar, não questionar. Desenvolver restritamente ao invés de amplamente. Viver restritamente...A mente pode ser ágil para dar respostas aos problemas práticos. Mas se verá diante de um abismo quando observa um mundo perdido que clama por soluções profundas. Sua resposta às sérias questões será pré-formatada, presa à forma mental de seu meio, sua história e seus instintos – difíceis de serem superados.

Transformação denota um passado de dores absorvidas. É a única mudança efetiva: aquela por livre convicção. Se no nível individual isso for realizado, caso após caso, dor após dor, com a fé apoiando cada passo, manifestar-se-à uma onda de conscientização que levará à transformação no plano coletivo. Eis como tornar a educação livre dos instintos atávicos que sondam a mente humana desde tempos imemoriais.

Educação é uma palavra de significado amplo. Ela exige um professor cuja vida seja minimamente reconhecida, com salários bons e horários condizentes, permitindo adequada preparação das aulas (que também ém trabalho diga-se de passagem). Exige um docente – uma vez cumpridos os critérios anteriores – preparado intelectualmente e sobretudo ciente do processo de troca de conhecimento. O mestre deve entrar no universo do aluno, decifrá-lo, compreendê-lo em sua plenitude, e saber lidar com as particularidades, elaborando formas de comunicação, exercícios, avaliações e abordagens criativas e adaptadas aos estudantes. Deve mostrar a fantástica relação entre os fenômenos e imprimir em cada afirmação uma crença profunda, sem a qual terá garantia de um mínimo de atenção. Deve ser controlado, amoroso e humilde, admitindo que às vezes podem surgir dúvidas cujas respostas desconhece, e reconhecer sua imperfeição, esquecendo de seus títulos e idade, e se lembrando que (assim como seus alunos) está numa escalada titânica e infinita rumo às supremas ascensões humanas.

O docente deve lidar com os jovens acreditando nas possibilidades. Deve ser um jardineiro que se vê diante de um mar de sementes com potencialidades latentes. Sementes a serem semeadas, regadas, cuidadas ao longo de meses, anos, décadas,...Sementes que se desenvolverão diversamente, às vezes desagradando as crenças do mestre. Mas desde que essa diferença esteja bem orientada para cumprir finalidades benéficas, todo estímulo deve ser dado. Eis o ponto!

O professor deve ver horizontes mais vastos e mostrar os desafios titânicos do mundo, na medida do possível, aos alunos. Deve falar da realidade e do ideal. Da necessidade de cumprir as ordens do primeiro e almejar o segundo. Porque a transformação da sociedade se traduz em uma palavra: evolução. E para isso, desconforto deve estar sempre presente. Um desconforto saudável, desejoso, atraente para a mente e o espírito. Um desconforto capaz de despertar as melhores qualidades do ser, disposto a dar seu tempo e energia para finalidades superiores. Finalidades que mesmo reconhecidas apenas na aparência pelo mundo, devem ser buscadas.

Olhar para si.
Escutar a si mesmo.
Refletir e sentir.

O resto virá por força da natureza.
Essa é a educação que o mundo precisa.

Desesperadamente.



Notas

[1] Exceções existem. No momento vem à minha cabeça a FGV, as PUCs, a FAAP e Mackenzie. Nesses casos, apesar de existir (e ter peso) a questão financeira, como é de se esperar, existe um histórico e uma imagem que permite e estimula a instituição primar pela qualidade de ensino.


[2] “Isto quer dizer”, em francês.

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