terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Exercício de Conjugação

A partir daqui irei ensaiar movimentos de unificação conceptual. Meu objetivo, como sempre, é simples: revelar os liames ocultos nas interdependências entre sub-grupos e grupos; entre indivíduos; entre correntes de pensamento; entre fenômenos. Fá-lo-ei a meu modo, buscando expressar aqui ideias cuja gênese se encontra em profundas experiências de vida. Vivências interiores, de maturações de forte intensidade. Anos de perseverança e disciplina (em alguns aspectos) que culminaram em resultados concretos, plasmando a minha personalidade, me libertando de diversas amarras conceptuais - e consequentemente até materiais - pelo simples fato de terem sido absorvidas no âmago de meu ser. Nada de novo. Nada que não tenha sido dito há milênios. Nada que alguns já devem ter concluído por conta própria. Nada de mais. No entanto cada experiência finita, contada por um finito, tem seu valor se dita de forma sincera, sem recorrer a estudos prévios ou se apoiar em intenções de forma. Deixo portanto aqui o produto de pensamentos da mente e sentimentos do coração, que fundidos numa única experiência e indivíduo tornam o relato mais simples e sintético e a prosa mais lógica e coesa.

Não é de se espantar que as transformações pelas quais a humanidade passa são de envergadura assombrosa. Jamais tanta informação foi gerada. E diversas tecnologias começam a beirar os limites assintóticos estabelecidos pela natureza física de seus componentes-base e fenômenos sob os quais operam e dependem. Sim, existem limites, mesmo para os sistemas humanos e seu avanço tecnológico. Sim, muitos especialistas ainda se negam a admitir isso. Mas esse caminhar progressivo para a especialização não é exatamente a diferenciação que Sua Voz aponta no volume A Grande Síntese

Especializar-se é saber mais detalhes de um campo cada vez mais estreito, tornando o indivíduo ou grupo apto a se tornar referência para questões concernentes à sua especialidade. Diferenciar-se é uma consequência evolutiva a que todos tendemos. Trata-se de destacar-se da média (da espécie) em termos de percepção (sensibilidade) dos fenômenos circunjacentes. Concebe-se a vida de forma completamente diversa da imensa maioria, que dita a norma do comportamento humano, ditando o que deve ser tratado como patologia - e como esta deve ser tratada. 

O fenômeno evolutivo não se restringe à questão da biologia material / orgânica sistematizada por Darwin. Esta é apenas um aspecto peculiar da mesma, relativo a um ponto de vista, que considera a realidade dos genes e do meio, sem incorporar a questão psíquica-espiritual. Por que digo isso? Com que autoridade? É o que sinto e nenhuma são as respostas. Melhor dizendo (para a 2ª pergunta): com a minha própria autoridade de ser que busca apreender um aspecto oculto da Realidade, mesmo que ainda não esteja em condições de sistematizá-la. Porque as teorias são relativas e progressivas no devenir universal, o que implica que elas vão se apequenando conforme o tempo passa. Isso é fato. Observemos com atenção o que isso implica.

Imaginemos o homem medieval comum. Sua concepção geométrica da Terra é um tabuleiro plano. Ou seja, chegando-se nas bordas (que ninguém sabia exatamente onde estava) você cairia num abismo. E ponto final. Isso era aceito por todos. Por que? "Ninguém desejava sofrer perseguições, torturas e morte - além de uma bela condenação ao fogo eterno do inferno - por ensaiar algo diferente, e difundi-lo". Essa é uma resposta lógica. Mas qual a raíz desse comportamento (medo)? A intuição responde: o grau de consciência da época. Esse é o fator-chave. 

Quando o ser é incapaz de conceber (num determinado momento histórico) um mundo diverso daquele que lhe foi apresentado pela família, pela sociedade e (especialmente) pelas instituições, aceita-se tudo. Não há nenhum problema nisso. De nada adianta abrir as janelas para um ser que (ainda) é cego, com o intuito de tornar claro o recinto. É preciso que este desenvolva antes a capacidade de enxergar. E isso só se faz por maturação interior. Experiência individual, própria. Assim a vida me mostrou. O conhecimento e cultura podem ser auxiliares bons, muito bons. Mas apenas a experiência profunda que impacta o espírito na medula será capaz de tornar o ser receptivo a uma nova concepção de mundo. Uma concepção mais vasta, que em nada ofende a anterior, mas antes justifica-a, revelando suas limitações, e apontando para o seu porvir. 

Já falei sobre isso de diversas formas nesse espaço. Do ponto de vista da Arte, da Filosofia, da Religião, da Ciência, da Sociedade, da Economia, da Justiça. Agora mostro um diagrama que apresentei à minha turma de Iniciação à Ciência dos Sistemas (ICS) na última semana de curso. 

Figura 1.
A figura sintetiza o fenômeno humano em diversos aspectos, desde o mais amplo e poderoso, dos gênios e santos, que inclui o que está fora do ciclo e vêm de outras regiões (visão), passando pelo ciclo que o homem médio de êxito executa em suas atividades (sistematizar - apresentar- implementar - constatar - re-sistematizar - ...), e baixando até níveis mais incompletos, fragmentos do conhecimento, que muitas pessoas fazem (apenas uma etapa do imenso fenômeno).

Conforme o grau de consciência conquistado, o ser é capaz de operar sua vida incorporando e dominando cada vez mais fenômenos, até se chegar ao ciclo completo. A partir daí, o único modo de evoluir é avançar para um nível super-humano. Do normal integralmente assimilado inicia-se a jornada para o supra-normal desconhecido. É o caminho dos gênios e dos santos, ápice da humanidade presente e passada. 

Vejamos com maior cuidado a Figura 1, esmiuçando e hierarquizando os fenômenos nela presente. Iniciemos pelo fenômeno inconcebível, o vértice do pensamento e da paixão, fundidas numa única visão.

Figura 2.

Intuir é vislumbrar. Sentir o porvir. Perceber aspectos mais profundos da realidade manifesta. Ter atingido tamanha maturação requer uma trajetória permeada de erros e dores, além de atos de superação, traduzidas por esforço e amor. É a experiência assimilada plenamente que forja os maiores indivíduos, antecipações evolutivas. O conhecimento monstruoso do gênio é apenas mera ferramenta que plasma a realidade tangível. Sua genialidade reside, no fundo, em outra dimensão...

Alan Turing e Pietro Ubaldi representam seres com essa capacidade de vislumbre fora do comum (Figura 2). Quem assistiu ao filme Enigma: O Jogo da Imitação irá compreender o porquê de ter colocado o Sr. Turing no rol dos grandes. Quanto ao Ubaldi, basta observar sua vida, transmitida em sua Obra.

Figura 3.
Descendo à sistematização continua-se o processo (Figura 3). Traduz-se o intraduzível da melhor forma possível. O resultado são as belíssimas sinfonias, os magníficos escritos, os inesquecíveis filmes, as revolucionárias teorias, as vidas fora de série que plasmam o mundo - cada vez mais. Aí é imprescindível o domínio da técnica e ciência. Deve-se ser forte no conhecimento para captar o que se intuiu. 

Uma pessoa pode ser excelente em termos de sistematizar conhecimentos preexistentes, melhorando coisas velhas. Mas pode não ter nenhuma sensibilidade (maturação evolutiva) para captar as correntes de pensamento que estão em dimensões além de seu concebível. O indivíduo desse tipo geralmente sempre terá seu lugar ao mundo, do qual poderá desfrutar de certas regalias. Mas jamais, nesse plano, com esse método horizontal (mesmo que intenso), poderá trazer algo verdadeiramente novo. Conceitos revolucionários. Superações biológicas. Alargamento efetivo de horizontes. Apenas uma operação eficiente. 

Figura 4.
Descendo à apresentação/implementação de uma teoria, ideia, estamos observando o aspecto de comunicação de massa do fenômeno (Figura 4). A sistematização tratava da comunicação fina, mais elaborada, intelectual; esta segunda trata de uma comunicação mais ampla, que visa inclusive aplicar o que se teorizou em algum sistema ou subsistema, seja este natural ou humano. Os resultados são apenas efeitos dessa implementação. Chegamos assim ao nível mais concreto, que é visível a todos, do mais evoluído ao mais involuído. Há seres (humanos) que possuem capacidade plena apenas de observar resultados exteriores, capturáveis pelos sentidos. Suas capacidades de implementar - mesmo que atividades simples - são reduzidas, esboçando apenas ensaios. O homem pré-histórico é um exemplo. 

Figura 5.
Os resultados tangíveis podem ser observados por qualquer um. Mas apenas aquele com algum senso de constatação já desenvolvido será capaz de iniciar um processo de reflexão sobre o mundo circunjacente. O fenômeno terá mais sentido e será mais justo quanto mais se compreende sua natureza, tornando o ser mais integrado ao cosmos. E igualmente, mais harmonizado com a Lei que se manifesta em inúmeras leis (físicas, químicas, biológicas, humanas,...). Estamos diante do fenômeno de constatação (Figura 5), aquele capaz de estabelecer uma ponte sólida entre o que observamos (fatos) e nossas teorias (sistematização). Dessa forma fecha-se o ciclo humano do mundo objetivo ou racional-analítico.

Dessa forma tem-se inserido no ciclo que se repete indefinidamente, de modo cada vez mais expandido, assemelhando-se a uma espiral, uma fonte que o anima. Essa fonte vem de outra região. Do super-concebível (infinito e eterno), que de tempos em tempos sempre enriquece o ciclo humano com elementos novos, assimilados através dos séculos com práticas e formulações que se repetem, das mais variadas formas, ao longo dos séculos e milênios e além, permeando vidas variadas, que bebem dessa fonte eterna sem o saberem. 

A partir daqui pretendo esmiuçar melhor o diagrama, tornando-o mais próximo da nossa realidade, que tanto sentimos - e pouquíssimo compreendemos.

Fá-lo-ei no próximo ensaio.

sábado, 16 de dezembro de 2017

Herança espiritual - Herança genética

Tudo que era visto de uma forma passa a ser visto de outra. Isso ocorre para algumas pessoas no decorrer de sua vida. Mas entre uma (forma) e outra as diferenças, apesar de saltar aos sentidos e à mente, se reduzem a uma identidade substancial que logo é desmascarada pelo ser mais consciente, isto é, aquele que está em busca, num dinamismo indescritível que tensiona sua psique e seu organismo aos limites. Aquele que atingiu a sapiência (de verdade) percebe isso claramente, sendo desnecessário o ato de discernir - sua natureza já nota. 

Quando tudo que era visto de uma ou várias formas passa a ser visto não mais a partir de uma forma, e sim em seu aspecto substancial, a personalidade passa a demonstrar um dinamismo fora do comum, cujos efeitos devem ser encobertos a título do ser não ser ridicularizado pelo que passa a sentir de forma intensa. A concepção da vida muda completamente, tornando a pessoa livre de uma série de prisões conceptuais que outrora lhe demandavam tempo, energia, recursos e emoções. Uma miríade de disposição começa a deixar de vazar para os incontáveis turbilhões do mundo, que nascem, crescem e morrem, atraindo bilhões de almas, convidando-as a participar de um torvelinho de desespero, com prazo de validade. Um torvelinho atraente e ilusório em seu nascimento - fatigante e doloroso em seu término. E assim vidas se consomem. Vidas saltitantes e desesperadas. Vidas ocupadíssimas e preocupadíssimas. Vidas fragmentadas, constituídas por momentos fragmentados; por relações fragmentadas; por pensamentos fragmentados; por direitos e deveres fragmentados; por amor fragmentado...Uma vida que não é una, e sim múltipla. Uma vida constituída de multiplicidades que se enganam e se combatem em busca de uma supremacia sem sentido porque carente de humildade. Isso é o que aguarda o intelecto se este assim o desejar. Sua caminhada será limitada e cada vez mais triste, tendo como prioridade a satisfação dos instintos e somente isso. Enquanto isso outro plano já é sentido por alguns...

Dificilmente releio ou confiro um texto. Não estou produzindo edições elaboradas, com o intuito de envernizar o ambiente virtual ou destacar a imagem pessoal. Tampouco planeja sobre o quê e quando vou transmitir uma ideia que surge. O ímpeto martela certo dia - qualquer um. O tema pode vir a partir de uma observação, um desenvolver de ideias, um sentimento de desespero, uma constatação do passado que ressurge com ímpeto vulcânico porque se acasalou com outro acontecimento que o complementa. E assim gera-se sempre algo diverso. Uma repetição em vários aspectos, podem afirmar. Mas um repetir a partir de outro enfoque, ou ponto de vista. Um repetir em que o mesmo tema tratado como linha diretora passa a adquirir aspecto secundário, de apoio. Assim ocorre a progressão. Contínua, explosiva e cada vez mais funda no conceito. 

As vibrações características de cada estado psíquico-espiritual.
As ondas iniciam de forma quebrada, abrupta, caótica (Tama);
Passam a ser ordenadas e frequentes (Raja);
Chegam a períodos maiores e ficam menos intensas exteriormente (Sattva).
E no final, devemos nos livrar das três.
As férias surgem junto ao recesso escolar. São 45 dias estendidos ao longo de dias quentes de verão. O mundo descansa, se diverte, comemora. Reclama mas o faz por cultura de repetição. Chora as perdas por não conceber que nada se perde de fato. Se alegra por aquisições inúteis, em larga medida-  ou não tão úteis quanto se imagina. Planeja e re-planeja. Mas tudo programado se desvia ao longo da linha do tempo, se desviando por circunstâncias imprevisíveis, que exercem influência gravitacional forte. Dessa forma a vida caminha para o grosso da humanidade. 

45 dias totalmente livre de (muitas, mas não todas) obrigações do mundo representam 45 oportunidades para progredir interiormente. Tempo para voltar para si mesmo, buscando compreender o fenômeno evolutivo que nos arrasta a todos, cedo ou tarde, tenhamos ou não consciência dele. Tudo que é planejado não sai conforme esquematizado pelo simples fato de que quando fizemos nossos planos éramos uma pessoa. Hoje somos outra. E amanhã seremos ainda outra pessoa. Isto é, o decorrer do tempo traz consigo o desenvolvimento da personalidade. Para o tipo normal, de nível médio, que se sente relativamente confortável com a forma de vida que o mundo lhes apresenta, esse desenvolvimento é lento. Pode levar anos ou décadas para se superar um determinado aspecto. Mas ainda assim ocorre. Para o tipo anormal há dois casos: o infra-normal, no estágio tamásico [1], que não se planeja porque para o mesmo inexiste prazos maiores do que suas necessidades instintivas podem capturar (fome e sexo); e o supra-normal, que atingiu o nível sáttvico [2], e orienta a vida de forma diversa da média, se preocupando com qualidades mais do que quantidades. Esse é o tipo evoluído, antecipação biológica que o futuro reserva à humanidade. Quem não se preparar em fincar suas raízes no terreno do espírito será arrastado pelo furacão divino - a Lei - impiedosamente, levando todas as ilusões do mundo ao lugar que lhes é característico. Poucos ainda compreendem esses ditos. Para a imensa maioria, trata-se de divagações que visam mostrar um verniz cultural. Ou uma mera distração do autor, que senta diante da máquina por hobby - um momento agradável. Nem sequer se imagina quais as forças (e seu poder) que levam a despejar conceitos em formas de palavras. 

As próximas semanas começam a correr. Divide-se o tempo entre as obrigações do mundo, seja na forma de atividades cotidianas, lazer ou pesquisa (de doutorado), e as obrigações perante as leis da vida (evolução). Conquanto esta última devesse demandar todas as forças, o não cumprimento das outras pode trazer consequências terríveis. Dessa forma deve-se balancear. A Baghavad Gita esclarece que, por mais nobres e bem intencionadas sejam as ações do mundo (materiais), é a evolução (espírito) o cerne de toda vida. Logo, fazer o ético é condição necessária mas não suficiente. Devemos buscar a ascensão na verticalidade mística. Apenas quando a consciência for expandida teremos domínio sobre nossas vidas. Sem isso não passamos de marionetes. Pobres títeres nas mãos de nossos sentidos, de nossas mentes - e de outros indivíduos ou grupos. 

Todos temos as três gunas. Conforme nossa evolução, uma
possui mais influencia do que as outras. A finalidade é chegar
ao estágio em que Sattva domina Rajas que domina Tamas.
Logos guia Lúcifer.
Quando dispomos de sossego podemos iniciar trabalhos de envergadura inimaginável. Pela manhã li e refleti um pouco sobre Problemas do Futuro [3]. Relembrei os tempos turbulentos, quando me encontrava imerso em ambiente alienante e alienador, com todas as garantias da matéria (que nada vale) e todo desespero do espírito (que tudo significa). A primeira passagem por trechos que a alma ansiava compreender melhor. Ver através de palavras. Sentir através de harmonias prensadas no papel que a vida tem sim, um sentido muito superior àquele apontado pela sociedade e pelas instituições. Um sentido supremo, capaz de inspirar o mais miserável, o mais inerme, o mais pisado, o mais agredido, o mais desesperançoso. Um sentido tão potente que rasga a alma e a leva a forjar uma trajetória de desespero e esforço. Uma luta contínua. Uma busca progressiva pela compreensão dos porquês - e pela solução dos mesmos. Um sangrar e um ousar. Uma corrida que se torna cada vez mais veloz - e mais dolorosa, na mesma medida. Uma corrida que nos deixa cada vez mais apartado das adjacências - e mais próximos a uma fonte. Para quem chega ao limite, esse correr se torna vôo. Não físico. Nem mental. Vôo conceptual, do espírito. A Terra toca o Céu. O Céu toca a Terra. E instantaneamente aciona-se um jogo de engrenagens poderosíssimas, cuja dança é tão suave que as forças do mundo, com seu aparato midiático-jurídico-psicológico-econômico, não se sentem guiadas por esse supremo jogo de engrenagens do imponderável. Estamos na fronteira. No campo no qual as palavras se tornam impotentes para descrever tamanhas conquistas. Chega-se ao limite da racionalidade. Isso é conhecer profundamente a obra de Pietro Ubaldi. 

Ubaldi é classificado conforme o relativo que o "enquadra". Para uns ele é espírita; para outros um idiota; para outros um escritor; para outros um louco; para outros ainda um gênio; e por ai vai. Descrições inúmeras para descrever um fenômeno que não pode ser descrito. A descrição é algo estático. A ascese mística é algo dinâmico. Muitos o confundem por seguirem rumores ou fazerem leituras superficiais. Mas algumas palavras do professor da Umbria podem abrir algumas fendas:

"A finalidade da vida do autor, como acima ficou dito, não é de nenhuma maneira o estudo dos fenômenos mediúnicos, e o espiritismo lhe interessa relativamente. Sua vida é missão, e seu escopo não é a experimentação espiritista, mas sim a evangélica; não é a indagação do além-túmulo, mas a ascensão espiritual. O grande problema é a conquista da felicidade, e o que transforma tudo em nós, para o bem e a alegria, não é o além-túmulo, mas sim a evolução, a catarse da vida, elevando-nos do plano animal humano ao super-humano. O que importa é a sublimação, sem o que tudo permanece cego, inferior, doloroso, seja aqui ou acolá. E o mediunismo de efeitos físicos ocupa-se bem pouco da sublimação; visa problemas particulares, realmente secundários em relação ao problema de apresentar, na atual e tremenda hora histórica, cada vez melhor contribuição para a salvação do mundo." [3] (grifos meus)

8º livro de Ubaldi. Solução dos
últimos problemas científicos,
 psicológicos e filosóficos. 
Independentemente das circunstâncias, registra-se o que se vive. Vive-se o Evangelho.

"Ainda que haja sofrimento, é preciso escrever; extenuado ou doente, mesmo assim é preciso escrever. Pode faltar de tudo, mas escreve-se; se os interesses materiais estão a caminho da derrocada e os involuídos roubam tudo não importa, escreve-se; se a casa cai e o mundo explode ou está perto do fim não importa, escreve-se até ao último suspiro. É necessária uma vida concentrada toda em um ponto: registrar esse pensamento que nasce dentro de clarões, de turbilhões, como um furacão que grita, canta, arrebata e atordoa. Registrar tudo, nos mínimos detalhes, quer na potencialidade como na doçura, seja como conceito seja como paixão. Abandonando-se ao irresistível, deve-se muitas vezes exprimir o inexprimível, sem, contudo, deixar de permanecer na forma." [3] (grifos meus)

E a sensação do leitor, ávido por uma finalidade suprema, que dê sentido à sua existência, é ímpar:

"Parece então ao leitor tornar a ouvir a sua própria voz, clara e engrandecida, tão perfeita é a sintonia dada pela mesma lei da vida que a todos anima. Há uma aproximação com aquele que lê, um retorno de alma para alma, que pela sintonia e convicção que se seguem, reforça-se em admiração, gratidão, simpatia e amizade.[3] (grifos meus)

Os conceitos mais profundos da vida foram revelados de forma magistral por um ser fora de série. Abandonar a herança que lhe era devida (mais de 300 milhões de reais), garantindo uma vida confortável e de domínio sobre seu semelhante, para cumprir integralmente a lei do Evangelho, e registrar tudo, captando os conceitos mais elevados independentemente do que seu eu individual queria, é ato de suprema vontade. Evolução é a lei. 

Para atingir a imortalidade devemos antes saber o que ela é.
(não se trata de estender algo caducável...)
Depois, buscá-la com todas nossas capacidade.
Sobre hereditariedade chegou-se a uma visão revolucionária, capaz de resolver os últimos problemas da humanidade em termos coletivos. Há quatro fatores que influenciam o ser. Esses fatores constituem a personalidade e exercem diferenciados graus de influência conforme o grau de maturação. São eles: a herança genética do pai (1) e da mãe (2); o meio em que se nasce e vive (3) e o espírito ou consciência (4). A mentalidade hodierna reconhece os três primeiros. Mas com isso é incapaz de explicar fenômenos que ocorrem diante de nossos olhos. Ubaldi nos traz esse quarto elemento - o mais importante e único sobrevivente à degradação física - enquadrando-o na ordem do mundo, sem desmontá-la. Quanto maior o grau de consciência maior a influência do fator espiritual. O meio físico e cultural (sociedade, família) pouco irá ditar o comportamento desse ser, que deverá seguir o ímpeto interior. É interessante constatar isso no mundo em que vivemos. 

Podemos observar as pessoas a todo momento. Reservar uma parcela de nossa atenção para constatar - e assim comprovar essas leis mais profundas, que atuam de forma mais discreta e potente. E assim conectar a teoria com os fatos da vida cotidiana. Eu venho o fazendo há mais de 15 anos, de forma cada vez mais consciente. Não há como provar nada aqui. Apenas posso recomendar ao leitor como comprovar essa lei que tudo rege, onipresente, onisciente e onipotente. Cabe à pessoa fazer seus registros. Perceber e sentir. Sofrer - porque inevitavelmente isso irá ocorrer - e usar a dor para impulsionar sua ascensão. Despertar. Despertar...

Somos herdeiros de nós mesmos. Filhos de nós mesmos. Herdeiros espirituais daquilo que fizemos em nosso passado, guiados por intenções diversas. Esse é o fator mais potente. Conquanto a herança genética possa influir pesadamente em nossas vidas, isto o é apenas pelo fato de que muitos nesse planeta ainda possuem um grau de consciência extremamente baixo, impedindo que a força do espírito possa dominar e enquadrar as forças da matéria (mundo) adjacentes, submetendo-as a finalidade superior.

Com uma cruz podemos simbolizar os fatores. Na parte inferior, o meio; nos dois lados, os genes dos pais; e no topo, o espírito, indestrutível e íntegro. Dessa forma passa-se a uma ideia mais ampla de herança, que rasga os limites desesperadores de nosso mundo, estendendo o conceito de hereditariedade, tornando-a não apenas coletiva (espécie), mas psíquica (individual), que se plasma. Desdobrar essa ideia, desenvolvendo-a até chegarmos ao campo prático do cotidiano, trará revelações verdadeiramente surpreendentes para quem assim o desejar. 

Terminar de ler esse (pobre) texto e não refletir sobre os conceitos é perda de tempo.

Refletir poderá levá-lo a redefinir conceitos, trazendo coragem para aplicar princípios na vida do dia a dia.

É assim que a evolução funciona: por experimentação.

Referências e comentários:
[1] Ver as três gunas descritas na Baghavad Gita
[2] Idem
[3] 8º livro da Obra de Pietro Ubaldi, 1947

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Relatividade Vertical Relatividade Horizontal (RVRH)

Tudo dentro dos limites de nosso Universo é relativo, inclusive o próprio tempo e espaço. As concepções que temos da vida, do cosmos, do nosso mundo, é igualmente relativa. Matéria, Energia e Conceito (ou espírito) são três aspectos da mesma e única substância - eterna e íntegra. Daí por simples lógica racional podemos concluir que, sendo Deus por definição Absoluto, - e tudo que conhecemos, restrito ao nosso concebível, seja tangível ou intangível - há uma realidade que supera a nossa. E engloba-a, pois os relativos (plural) estão obrigatoriamente, por férrea lógica, enquadrados na ordem do Absoluto (singular). Esse princípio, simples e reto, se desdobrado gradativamente, por vias sinceras e orientadas, levar-nos-à a perceber o quão próxima de nossa vida cotidiana está o mundo abstrato. A essência divina anima a multiplicidade fenomênica de modo sublime. Com Amor, vértice da sabedoria. E assim tudo é direcionado a um ponto final, situado além do concebível. Cume da evolução, em que inexiste movimento tal qual o conhecemos, e onde os relativos o são de outra forma, fora de nosso concebível. 

Sendo tudo relativo, podemos nos perguntar se esse fato não justifica a aceitação de todas ideias, atitudes e atos, contanto que o praticante seja inteligentemente capaz de convencer uma maioria (numérica ou de poder) de seus projetos e visões de mundo. O que implica que deveríamos observar todas formas de coerção de grupos, indivíduos e ideias como algo bom (sob um ponto de vista) e ruim (sob outro). Essa visão tende a ser absorvida pela mente imersa no relativo do pensamento racional, cuja própria natureza está condicionada a absorver de corpo e alma essa lógica. Trata-se de uma armadilha forjada por quem se sente (no momento) muito confortável no atual plano de existência, para garantir seu domínio sobre as demais mentes. Mas o problema é que a posição atual é volátil. A qualquer momento perde-se um cargo, uma confiança, um domínio, uma vida. Sendo assim a armadilha é para todos, inclusive para aquele que julga aplicá-la aos outros. A diferença é que ele só perceberá isso depois, num prazo maior, quando muito mal tiver sido lançado, - para outros. E por isso ter-se-á acumulado débitos incontáveis - para si mesmo. 

A relatividade pode ser vista sob um prisma puramente racional. Nesse caso denomino-a como relatividade horizontal. O que isso quer dizer? Vejamos o raciocínio desenvolvido até aqui. 

Se eu faço um mal a alguém visando obter um ganho imediato, esse ato tende a ser visto como um bem por mim. E do ponto de vista de quem o sofre, o mesmo ato foi algo mal. Logo o mesmo ato contém em si dois pontos de vista completamente diversos. Pois bem, isso para um instante de tempo, logo após a ocorrência do evento. Vamos estender o período de tempo em semanas, meses, anos e décadas, e observar como isso impactou o caminho de cada uma das partes, a depender de suas atitudes. 

Aquele que sofreu o revés, profundamente abalado, está desolado. Sente uma chama interior que não para de queimar - e não tem ninguém para o comunicar. O outro, indiferente ao fato, insensível aos outros seres, nem sequer percebe como o outro foi afetado, continuando sua vida da forma como a concebe, julgando a como certa e definitiva. Ou seja, julga ser absoluto sua concepção de vida, e portanto estática, parada no tempo. No entanto, se existe tempo, obrigatoriamente existe um devenir (vir-a-ser), ao qual todas as criaturas do AS* devem obedecer, alinhando o fluxo de sua vida alinhado ao fluxo universal. As ideias começam a surgir enquanto escrevo. Não é possível planejar ou sistematizar. Os esquemas travam os canais da inspiração. O conforto adormece as capacidades psíquicas. A segurança ilude, se plasmando em insegurança abissal tão logo estejamos bem adormecidos e dependentes. 

Diagrama gráfico que explica o fenômeno da Queda.
O desenvolvimento dos personagens é ditado pelo modo como manejam a fatalidade passada que sofreram e carregam até sua exaustão. Durante esse ínterim, que pode durar anos, décadas ou mais, percebemos o drama de quem possui fé ardente. Sempre tentado a recorrer aos métodos convencionais, à todo vapor, na mínima brecha que surgir, o evoluído se debate interiormente, buscando no bem soluções para o que vê como insolúvel. Mas superado os tormentos pontuais e intermitentes, pode-se conduzir a vida de forma diversa, pautada por uma fé inabalável que supra o espírito nos momentos de desespero máximo. Com isso começa-se a aplicar o livre-arbítrio dentro das fronteiras férreas do momento. Os efeitos disso só serão visíveis e sentidos após um tempo. 

O personagem que sofreu aprendeu (e muito) sobre a natureza humana. Isso o levou a novas criações. Essa forja de atitudes e produção de conceitos nunca antes imaginados o insere numa espiral diversa, não compreendida pelo mundo...Esse segredo, esse ímpeto interior, esse trabalho silencioso começa a tangenciar suas atividades do mundo concreto, influenciando o modo como o ser ensina, busca, pesquisa, escuta, enfrenta o mundo e se lança ao desafio do esforço contínuo. O passado se esvanece. O futuro se agiganta. A vida se expande. As possibilidades se multiplicam. A luz se irradia -  silenciosamente...

E o outro? Continua sua trajetória, indiferente aos outros. Agindo igual, pela força, seja ela física, econômica ou psicológica. E assim vence as batalhas dos momentos. Temporárias e efêmeras. A insensibilidade continua. A personalidade se recusa a mudar, pavorosa de adquirir sensibilidade para com as outras vidas e os outros fenômenos. E assim muitos seguem, tornando-se fortes como aquele que praticou o método do esmagamento. O número de quem segue essa lógica aumenta e a intensidade e métodos se tornam mais sagazes, com ações mais maquiadas e golpes mais cirúrgicos. A vida transforma-se num inferno crescente para aqueles que vivem e adoram esse nível de existência. Estamos diante de verdadeiras armadilhas, vulcões que explodem impiedosamente e despejam suas lavas com precisão e intensidade. Afunda-se julgando safar-se.

Assim os dois personagens constroem seus destinos, com reação interior, positiva, de quem sofreu o golpe; e negativa de quem o aplica de formas variadas, insensível a tudo que não lhe diz respeito imediato. 

No curto prazo, para fenômenos de superfície (eventos), reconhece-se apenas a relatividade horizontal. Isto é, uma relatividade de níveis evolutivos semelhantes. A diferença entre dois biótipos que operam na base do do ut des (dê me algo para que eu te dê algo) reside apenas na forma. Na essência pratica-se o mesmo mal. Observando assim ,percebemos que todas formas de organização humana estão na relatividade horizontal: há divisão de religiões, de partidos, de culturas, de nacionalidades, entre casais, de visões de mundo, de áreas do saber,...Geralmente eles se combatem. Se disputa-se algo em comum, quanto maior a proximidade, maior a ameaça, e portanto maior os esquemas de agressão. Terrenos não-comuns são ignorados. E propagandeia-se que não se agride por ser bondoso - mas no fundo apenas deixa-se em paz porque não há interesses envolvidos. Grandes esquemas esses da mente luciférica!

A relatividade vertical é algo diverso, apesar de também se tratar de algo diferente. Podemos diferenciá-la da outra em termos de dinamismo e orientação.

A relatividade horizontal (RH) é:
  • Entre dois relativos estáticos, que se consideram absoluto - ou algo próximo a isso;
  • Atacada de forma externa, usando os métodos consolidados no subconsciente da média;
  • Vista como algo fixo, que sempre será desconectado de algumas realidades - e conectado a outras.
  • Racional-instintiva
A relatividade vertical (RV) é:
  • Dinâmica para quem está acima, mergulhando em si mesmo ao invés de atacar quem golpeia de baixo;
  • Esperançosa, uma vez que revela que existe um telefinalismo global e local;
  • Intuitiva-racional
A primeira (RH) diferencia ruidosamente (egoisticamente) com base na superfície. A segunda (RV) diferencia silenciosamente (reflexivamente) com base na substância. Assim o homem percebe que a fera está com plena razão em seu nível evolutivo, dilacerando suas vítimas para se satisfazer; e o super-homem (místico, gênio, santo, herói) percebe que o homem está com plena razão no seu nível evolutivo, desejando conforto e segurança, mesmo que tenha de deixar certos tesouros de longo prazo para depois. Há assim um continuum por todos níveis evolutivos. Estendo assim o conceito de relativismo para a verticalidade dinâmica da substância, tornando a horizontalidade estática da forma mais tolerável. E indicando que esta também muda, aos poucos, sem se dar conta do fenômeno.

Pode-se sentir o palpitar da vida em cada gota de sofrimento. Já sabemos aqui que a evolução se dá por avanços e recuos oscilantes, numa espiral que se abre gradativamente **. Se num período de queda geral (de valores e princípios) mantém-se orientado para o Alto, na qualidade, quando este vier o ser já estará corretamente orientado, sendo o impulso ascensional uma libertação. Para aqueles que seguiram a tendência geral (queda), se refugiando na quantidade, as forças da Lei que puxarão  todos, indiferentemente, novamente para um novo ciclo de ascensão, serão sentidas dolorosamente, ao grau máximo. A retomada será lenta. A assimilação, sofrida. Eis o verdadeiro poder, situado no imponderável, expressado na forma de amor divino. 

A partir daí as almas em evolução podem esboçar uma série de perguntas. Uma delas: alguém num nível acima em relação a um plano de existência (RV) será visto/enfrentado por outro no mesmo plano com base numa RH? Sim. No entanto, à medida que se sobe de plano, a RH é cada vez melhor compreendida, e assim suas limitações e armadilhas decorrentes são mais transparentes e aceitas - apesar de ainda existirem nas mentes. A vida vai se tornando mais clara. Tudo se orienta. Escuta-se o canto divino da vida através dos múltiplos acontecimentos. Percebe-se não apenas eventos, mas comportamentos. E não se para aí: vê-se a estrutura do todo. E com isso podemos começar a nos perguntar, sinceramente, qual é a gênese deste universo físico. Será ela a primeira e original?

Ou há uma criação diversa? Situada no inconcebível...

Referências e comentários

* AS: Anti-Sistema. Para mais detalhes estudar os volumes O Sistema, Deus e Universo e Queda e Salvação (P. Ubaldi)

**http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2017/08/emborcamento-do-rumo-natural.html

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

O Cineasta do Evangelho

Existem cineastas que fazem de sua profissão algo único. Elevam suas obras (e sua arte) aos píncaros, fazendo transbordar aspectos universais da vida. O amor humano de um casal, em sua forma masculina e feminina, levado ao limite, fazendo-o se identificar com o amor divino [1]. As histórias iniciam de forma simples, inocente. O espectador é capturado pelos personagens. Seus olhares. Seus ânimos. Seus sonhos verbalizado como planos - que acabam por sofrer desvios abruptos devido às forças do destino, geralmente indesejadas e temidas. Todos aspectos essenciais da vida - aqueles que interessam - vistos de forma cristalina, causando emoção sem necessidade de artificialismos. É pela simplicidade dos sentimentos que se obtêm um ponto de apoio poderoso, capaz de provocar lágrimas de emoção e estado de inspiração.

Conheci o cinema de Frank Capra em minha juventude, nos anos de faculdade. Esse cineasta italiano naturalizado norte-americano conseguiu invocar o espírito do Evangelho em suas obras, sem necessidade de recair em citações religiosas. Ele consegui expor elegantemente a antítese entre as aparências superficiais e a realidade profunda, construindo personagens únicos, dotados de todas as qualidades humanas: vícios e virtudes. E com isso, mostrar, sem descrições, mas com cenas sublimes de amor, esforço e busca infinita num mundo finito, qual é a finalidade da vida. E com isso, qual o biotipo do porvir...
A Mulher faz o Homem (1939).
[Mr. Smith Goes to Washington]

Os filmes de Capra tem algumas características que os tornam interessantes: 
  • O elenco é, em grande parte, o mesmo;
  • O roteiro é bem escrito, leve e balanceia profundidade com capilaridade;
  • Os personagens transmitem o espírito da obra;
  • As músicas inspiram.
James Stewart, o eterno bom moço, sempre faz o papel do mocinho. Seu olhar, sua fisionomia, seus gestos e tom de voz denunciam sua natureza inocente. Em A Mulher faz o Homem (1939) vemos essa bondade imensa se deparando frente à frente com a realidade do senado norte-americano - que muitos aqui no Brasil julgam ser imaculado... - e tendo sua ideia de nação dilacerada a cada golpe. As forças da vida o levaram até lá, e as mesmas irão gerar o ímpeto em prosseguir em sua busca até o final. Há uma clara denúncia do mecanismo que governa as mentes daqueles que possuem o poder. O grande cineasta já falava o que muitos começam a perceber hoje, em pleno século XXI: que o poder privado, de grandes magnatas da imprensa, das finanças e da indústria, dita o comportamento do congresso, do senado, do poder executivo. Nesse filme fica claro quem está nos bastidores das grandes decisões políticas - e como é feito o controle e a maquiagem de políticas (anti-)públicas.

A Felicidade não se Compra (1946)
A Felicidade não se Compra (1946) marca o cume da expressão evangélica dentro da trajetória cinematográfica de Capra. Com esse filme o realizador e sua equipe atingem, juntos, o ápice em todos aspectos. Através de duas vidas que se fundem nós vemos o desdobramento do destino - forjado pela natureza das personalidades que o compartilham. Sentimos o drama dos personagens, suas alegrias, o porquê de suas atitudes. Sentimos na alma o desespero e o esforço na luta por um ideal, interessados em saber o que irá ocorrer. Aqueles em busca de uma realidade mais plena e sincera encontrarão neste filme um elogio ao amor, que possui razões que a própria razão desconhece. Somos arrastados pelo vendaval das circunstâncias e pelo ímpeto dos personagens. Não chorar é dificílimo; não ser tocado, impossível. Para os espíritos com sensibilidade, capta-se a vibração da vida, que se expressa ora furiosamente, através de George (Stewart), ou sutilmente, através de sua esposa, Mary (Donna Reed).

Mas o mais impressionante no filme-mor de Capra é como se revela a mecânica do milagre [2], cuja lógica é completamente desconhecida por nosso mundo, com sua mentalidade dual. A construção do miraculoso se dá sutilmente. Observemos a natureza de seu personagem principal. Sua trajetória (história), sua intenção (boa) e ousadia (inteligente) são ímpares em seu meio. Seu pai tem princípios e vida reta. A casa de sua família é um ambiente de liberdade e simboliza a fartura do equilíbrio. Nada falta, nem nada é desperdiçado. O mais adquire característica de qualidade, não de quantidade., sendo forjado através de uma construção sólida de amor, sinceridade e ímpeto pelo ideal. O menos é representado por se possuir condições e não impedir o mal de se difundir. Esses elementos começam a permear os olhos do espectador, preenchendo seu coração, que bate as portas de sua mente, fazendo-o ter um apoio, uma fé, no que pode ocorrer. Estamos diante das causas do milagres.

Outras obras tratam igualmente de questões orientadas para uma melhor humanidade. Gary Cooper em O Galante Sr. Deeds (1936) revela outro aspecto humano, menor mas essencial: a incompreensão da simplicidade da vida. Um homem, do nada, herda 20 milhões de dólares (uma verdadeira fortuna na época!) e passa a ser sondado por diversas criaturas da noite para o dia. Isso não o interessa. Percebe-se como a configuração muda em função do que se possui. O que se pensa, como se vê o mundo pouco interessa - a não ser que a mídia possa tirar algum proveito disso. Assim o Senhor Deeds percebe, após uma breve estadia na grande cidade.

Os finais dos filmes de Frank Capra revelam uma vontade ardente de materialização da utopia. São impossíveis, alguém pode afirmar. No entanto já são uma realidade na alma do cineasta - e na de seus espectadores mais ansiosos por se lançar na conquista de uma realidade biológica superior. Os filmes revelam uma vontade íntima, universal, potente, escondida na psique de cada ser humano. Uma vontade que bate incessantemente em nossos corações. Ora sai de nossas bocas na forma de discursos potentes; prosa sublime, harmonias angelicais; teorias transformadoras; atitudes ousadas; ações irrefreáveis; amor infinito; busca infinita num mundo finito...

Referências e comentários:
[1] A Felicidade não se Compra (1946)
[2] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2017/09/mecanica-do-milagre.html

Vídeos:








domingo, 3 de dezembro de 2017

O Cinema (assim como toda a Arte) serve para Despertar

Tudo é justo se compreendermos a essência da vida. Os fenômenos, à medida que são assimilados definitivamente pela mente (razão / consciente) e enraizados na natureza humana (instintos / subconsciente), passam a influir em nossos gestos, olhares, decisões e atitudes cotidianas. Essa consolidação íntima, que pode ser atingida por vários caminhos, se desdobra numa vida mais autônoma. Autônoma porque consciente. Consciente porque orientada. Conhece-se melhor a dinâmica do Universo. Sente-se mais intensamente as palavras proferidas pelos Místicos, Profetas, Heróis e Gênios de outrora - e de agora, ainda não reconhecidos. Busca-se de forma mais orientada aquilo que realmente interessa.

Frank Capra (1897-1991). Cineasta italiano
naturalizado norte-americano. Se imortalizou com obras como
"A Felicidade não se Compra" (1946);
"A Mulher faz o Homem" (1939) e
"Do Mundo nada Se Leva" (1935)". 
O objetivo da vida, muitos dizem, é ser feliz. Atingir um estado de satisfação interior, em miúdos. Mas essa felicidade, em nosso mundo, é buscada através dos métodos do mundo. Esses métodos são produtos da mentalidade predominante, calcada na razão e bom senso - que diga-se de passagem, são extremamente importantes e fatores-chave para o progresso humano nos últimos séculos. Os resultados vem. E vão - com a mesma rapidez com que vieram. E esse "ir embora" não é externo, apesar desse "obter / atingir" é produto de ações exteriores, concretas, baseada em ensinamentos e referências deste mundo. E então inicia-se a reflexão: obter por vias exteriores uma satisfação interior é realmente o caminho? Toda minha vida consistiu em compreender a fenomenologia universal que rege nossa ascensão oscilante e dolorida ao longo da exaustiva jornada tortuosa das existências sucessivas. Não apenas a minha: a de todo mundo. Quer as pessoas tenham consciência disso ou não. A afirmativa pode soar arrogante, mas eu, para manter o equilíbrio universal perante as forças da vida, igualmente aceito o risco e desdobro a afirmativa. Desdobro-a através de minha vida, numa constante batalha pela compreensão das dores e pela superação de minha animalidade, que está pronta a lançar todas suas garras tão logo eu me disponha a olhar para o alto e abandonar velhos hábitos. Esta sim é a maior batalha da vida. Batalha que supera os limites do Universo, ocorrendo no e além do espaço-tempo.

Existem vários caminhos para superar a natureza inferior. Cada um trilha o seu. Mas todos, se percorridos e assimilados, levam ao mesmo destino supremo. É aí, nesse ponto, vértice da sinceridade e da seriedade, que atinge-se a felicidade permanente, não-fragmentada, não-degradável. Blindada pela couraça mais forte. Desconhecida pelo intelecto humano. Dinâmica espiritualmente. Verdadeira. Mas sua busca inicia-se não por fora, mas por dentro, reino de sentimentos e pensamentos desconhecidos e indomados...

Woody Allen (1935). Consegue falar sobre questões
profundas da vida de forma cômica. É um caso
interessante. A liberdade dada à equipe, como tem
suas ideias para os roteiros, como filma...tudo revela
um estilo seu.
Tudo na vida acaba servindo para um propósito - mesmo que não tenhamos noção clara disso. Alguns tem vaga intuição do porquê continuam fazendo algo, seja um projeto, um estudo, uma pesquisa, uma relação, um modo de agir, de pensar, de sentir, etc. Da mesma forma, todas coisas do mundo tem uma função, que deve ser usada da melhor forma possível para despertar a consciência. O que está latente deve se tornar manifesto, e assim se materializar em atitudes potentes e orientadas, elevando a vida do explorador do universo interior. Como exemplo eu gostaria de falar sobre o Cinema (o verdadeiro!), que tanto marca minha trajetória, me inspirando nos momentos de busca de ideias; aquietando nos momentos de desespero e raiva; e intensificando minha capacidade de relacionar fenômenos e sentir o palpitar das forças da vida. Não me refiro nem ao cinema puramente intelectual, repleto de jargões e técnicas da alta cultura, nem ao cinema comercial, totalmente voltado para entretenimento e diversão. Aponto para um Cinema que eleva a alma. Seja através do drama da vida, manifestado em tragédia ou comédia; pelo suspense da expectativa; pela  ação orientada para fins globais maiores, mais duradouros; ou pela fusão entre realidade e ficção, que combinadas tornam a História mais viva e transformável. E o desejo da Utopia mais lancinante. Através de uma ordenação - por vezes caótica, mas com orientação suprema - de imagens, sons, gestos, música, atitudes e atos, a alma se fascina, chora, imagina, reflete, sente e sai da sala escura diferente de como entrou. Repensa-se a vida e observa-se o mundo diversamente. Pode-se rir e divertir, mas com significado que vai além do mero ato de satisfazer os instintos. 

"A Vida dos Outros" (2007). Impressionante.
Cada cena, cada plano possui um significado.
Desperdício zero - emoção máxima. 
A Arte possui uma importância ímpar. Seu papel é essencial para a ascensão da humanidade e suas instituições. Sem ela ficaríamos nus perante o abismo dos miúdos desafios, que se apresentam dia-a-dia, e dos supremos, que tanto nos desesperam. Mas não basta ter acesso a ela. Não basta compreendê-la analiticamente. Não basta estar cheio de informações e relacioná-las coerentemente. Não basta difundi-la sem impulso. Sem ímpeto interior. Sem explosões metafísicas. Precisamos de tudo isso sim. Mas há um quid  que faz toda diferença. Trata-se de sentir o transformismo que rege todo nível de existência, desde o físico até o metafísico. E de deixá-lo invadir sua alma, inundando seus mais íntimos segredos, desnudando-os; abalando furiosamente seu sistema de crenças e valores; fascinando de dentro para fora. Usar-se do mundo para elevá-lo. O seu e o outro.

Quanto maior o grau de seletividade atingido, melhor. Mas antes de se chegar nesse estado, é preciso ter visto muito - por vezes coisas ruins, que pouco dizem mas muito perturbam (os sentidos) e desviam (a mente) do que realmente interessa. Elevar-se através da experiência cinematográfica não é simplesmente ser um cinéfilo. É capturar a essência mística. Já falei disso de forma explosiva alhures [1]. Não se repassa. Transmite-se de forma própria, intensa, a mensagem subliminar da obra. Seu misticismo, que por vezes nem sequer o realizador percebeu enquanto materializava a película - mas os Grandes cineastas sempre sabem o que estão fazendo, e porque o fazem.

Minha vida deve muito à Sétima Arte. Ouso afirmar que poucos fizeram um uso tão potente de algo tão abstrato para forjar um destino tão diverso. Quando a pessoa aprende a "ler" naturalmente as nuances dos fenômenos, é tocada pelo significado mais profundo de cada acontecimento. O simbolizado se revela mais em sua luminosidade intensa. O símbolo se torna mais transparente, desnecessário. O resultado prático é que perde-se menos tempo com o que antes nos prendia. Vamos direto à essência das coisas, não nos atendo à multiplicidade dos fatos e suas embromações, mas captando, num relance, a substância daquilo, universalizando significados.

Matrix (1999). Filme que revela a Grande Batalha metafísica
que se passa entre os conscientes e os poderosos. Evangelho
e Gita evidente e presente em cada cena -
se vista com olhar espiritual.
Esse aspecto do meu caminhar (cinema) se enquadra num plano geral, inicialmente desconhecido, que vai se revelando à medida que a vida avança, com os acontecimentos se desdobrando de forma cada vez mais lógica, com um sentido que antes era inexistente. Aos 13~14 anos comecei a assistir filmes com outro enfoque. Algo havia despertado em mim. Aquilo simplesmente me agradava. Muito (é claro) se deveu à influência familiar. Especialmente a paterna. E assim fui progredindo. Inicialmente eu era um espectador cult, normal, que percebia aspectos identificáveis a qualquer cinéfilo. Mas isso estava destinado a se tornar algo a mais.

Á medida que a minha personalidade progredia, não apenas em maturação física-intelectual (exterior), mas sobretudo espiritual (interior), o que antes era um refugio agradável passou a ser um meio de sutilização do espírito, através de experiências sensoriais que traziam em si um significado muito mais forte do que sensações. Tratava-se de uma manifestação do infinito por meio de um finito. O não-dito, oculto através do dito, passou a ser percebido. Cada vez mais rapidamente. Facilmente. Naturalmente. Assim entrei numa nova fase, na qual a seletividade passou a predominar sobre minhas escolhas. E não apenas uma seleção qualquer, mas uma com orientação. Isso apenas é percebido após o período de transformação ter se consumado, deixando um rastro em seu passado, revelando a diferença enorme entre o antes e o depois. A substância se sutilizou....

Sendo assim, a Arte vale apenas na medida em que ela pode transformar o ser humano, tornando-o melhor para si - e para os outros, incluindo todo ecossistema. Ela possui uma função suprema, poética e sublime, que todo grande artista, seja cineasta, pintor, escritor, músico, arquiteto, dramaturgo ou escultor, deve ter em seu coração e exprimir através de suas mãos e voz. 


Referências e observações

[1] Para compreender (e talvez sentir) o que quero transmitir, recomendo a leitura e reflexão profunda dos seguintes ensaios:

- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/06/matrix-uma-visao-mistico-cosmica.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/10/v-em-busca-da-verdadeira-unidade.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2014/10/quando-vida-dos-outros-muda-sua-vida-e.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2014/09/a-felicidade-nao-se-compra.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2017/07/os-miseraveis-queda-e-salvacao.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2017/04/o-melhor-da-juventude-la-meglio-gioventu.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2016/08/ben-hur-e-natureza-cristica-subjacente.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2016/01/enigma-o-jogo-da-imitacao.html