quinta-feira, 21 de junho de 2018

Compressão das possibilidades - Intensificação da criatividade

É interessante. Existem coisas que podemos dizer sem sermos minimamente compreendidos. O único significado captado pelos outros será a forma da mensagem. Esse mecanismo humano, do ponto de vista de quem passa a mensagem, é uma redução brutal do simbolizado transmitido (essência) para se adaptar ao símbolo captado (forma). 

Nada que exceda o grau de consciência, incluindo a capacidade de vislumbre (intuir), será transmitido com eficácia. Dessa forma começa-se a perceber que muitos conceitos e percepções profundas da vida somente poderão ser compartilhados por um círculo muito restrito de amigos. Uma fraternidade minúscula numericamente falando. Mas muito diversa em termos de sensibilidade. Trata-se de uma questão de sensibilidade. Poucas pessoas ainda tem desenvolvido esse sentido interior.

Por mim, como professor, já passaram centenas de almas
jovens (alunos). Apenas uma entrou em ressonância com
o meu ser. A conversa durou 2 horas - mas pareceu
instantânea. Nesses momentos atinge-se a eternidade,
superando o tempo.
Quando me deparei com a Obra de Pietro Ubaldi senti ter encontrado alguém capaz de sintetizar meus dramas humanos - incompreendidos - e me tornei uma pessoa mais orientada na vida. Percebi que não valia a pena dar atenção a determinados tipos de pessoas. Percebi que muitos fazem promessas repetidamente e não consumam as promessas. Percebi que diversos dizeres são inacessíveis aos corações e às mentes que, entretidas pelo torvelinho das sensações e o tormento das obrigações mundanas, gozam o máximo que podem, desde as formas mais baixas até as mais elevadas. Mas tudo é no fundo gozo, distração, superfluidade. Percebi que sofrer uma vida inteira com um propósito sincero e ardente é dificílimo na prática, mas pode significar uma paz invencível nos momentos titânicos pré-morte, quando o abandono deste mundo é um alívio porque dele se fez uso adequado. Nem abuso nem recusa. Apenas uso consciente.

Meu destino preestabelecido foi abandonado em busca de um maior sentido para minha existência individual. Minha profissão fatal era e seria a de engenheiro. Mudei os rumos do meu carma, não desviando dele, mas compreendendo-o e superando-o. O milagre ocorreu e eis me aqui. No entanto, como o místico moderno da Umbria, o ambiente está muito longe do ideal. Mas a rotina diferenciada, com mais e maiores graus de liberdade, permite que a alma se expanda de forma mais sadia. Essa alma tem muito a dar - eu o sinto. Uma missão a realizar. Uma tarefa a executar. Um destino mais nobre a ser escrito no mármore da História.

Estou forjando meu ser com a dor da incompreensão e da solidão. Tenho a (persistente) sensação de telefinalismo da vida terrena. Esta é apenas um característica transitória de uma vivência mais profunda, com poderes de percepção além do concebível. Falar desses assuntos é raríssimo hoje em dia. Se esses temas emergem no cotidiano vazio e estúpido humano, ele é encarado como tópico de lazer, visando gerar assunto na horizontalidade social, de forma a preencher as lacunas que sobram das repetições enfastiantes de temas formais, desnecessários, engessados e repetitivos - em sua larga maioria. Isso causa desespero agudo às alma ardentes por significados mais plenos. Tão agudo que o desespero domina tanto o espírito quanto o corpo, se traduzindo em gestos de perturbação, falta de concentração e fatal estreitamento dos portais de atuação e sentidos. Porque percebe-se que a atuação praticada tem efeito mínimo - por vezes deletério, prejudicando a vida do ser. Essa é a chaga do julgamento sem conhecimento de causa. Deve-se criar o ambiente que poderá atrair certos tipos de seres. O autor busca fazê-lo em termos reais (oficialmente) e virtuais (aqui). Num o público é pequeno mas a vivência é mais íntima. Noutro o público se expande, com os tentáculos conceituais se estendendo pelo mundo todo - mas a vivência é menos intensa.

Compreender o místico é compreender a vida.
Alinhar sua vontade à vontade de Deus pode levar à fogueira.
Giordano Bruno (acima) cumpriu seu destino. Não apenas
adentrou na História - ascendeu a planos superiores.
Hora tensa a atual, em que as possibilidades de sucesso parecem se esvair. Os auxílios são frouxos e se dissipam, como as nuvens após a tempestade voraz que deturpa as almas menos prevenidas. Mas simultaneamente vai-se percebendo que o mundo pouco pode auxiliar. Está preso num torvelinho de sensações, repetições e formalismos que sugam energia e arrastam os instintos no breve tempo da existência. Mantêm eles atuantes, mantendo sua posição consolidada, que na menor possibilidade de ameaça, se lança contra impulsos anti-repetitivos que visem a formação de novos automatismos. Essa força de atração é tão forte que o efeito de escritos como o de Ubaldi ou de Rohden são nulos - tamanho o grau de insensibilidade do tipo médio atual. Isso pode parecer desejo de ofensa e desafogamento de frustrações, mas garanto que se trata de uma simples constatação de uma realidade tão profunda que ignoramos sua existência e seu poder de conduzir nossas vidas.

Agora mesmo me encontro em sala, auxiliando uma colega a aplicar prova. Há necessidade de controle rígido, terror e ameaças, para conseguir certo nível de comportamento. Mas a imensa maioria só permanece enquadrada por astúcia. O tipo médio é o mesmo, seja ele aluno ou professor.

Buscamos o caminho mais fácil na vida. Qualquer atividade que demande um esforço sem compensação proporcional é visto como inútil. Alguns até se interessam ao ver seu semelhante fazendo esse tipo de epopéia, persistentemente, ao longo dos anos. Assim tem um assunto para falar, alguém para caçoar, uma lacuna a preencher - de seu imenso vazio interior. Simplesmente assistem de longe. Outros acham bonito, mas jamais fariam algo parecido. É uma bela teoria a ser contemplada para satisfação do ego. Quando essa teoria - que para quem a implementa é uma vivência intensa -  é esmagada ou sofre ataques cruéis, logo a admiração some. Ajuda, nem se fala. E assim o ser se vê diante da incompreensão humana.

"Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem" 
Jesus, o Cristo

Os trechos do Evangelho que pareciam apenas belas frases soltas começam a se fundir com todos aqueles sentimentos de perdição, angústia e busca alucinada daquele que não aceita uma realidade tão falsa. Assim essas palavras assumem aspecto mais translúcido. Elas são mais vívidas a cada leitura. Adentram nas entranhas espirituais para serem elaboradas. Assim o ser é cada vez mais impelido à prática. Ganha-se potência e coragem. Persiste-se.

O místico não estuda o fenômeno. Vive em sinceridade consigo e em harmonia com os aspectos fundamentais da vida (cinco A's). Faz disso o seu reino e assim se torna um fenômeno. Há ainda aqueles que possuem um germe de genialidade e conseguem, a partir de sínteses, formular obras fantásticas que vão sendo compreendidas gradativamente.

Safatle me agrada, confesso. Não porque é
filósofo nem de esquerda. Nem por ser acadêmico.
Simplesmente porque está, como eu, tentando
transmitir o monismo que coordena o nosso universo
dualista. Isso está muito além da filosofia e do ensino.
A aula que mais me agrada dar é aquela que menos atrai gente, menos mantém gente, menos se difunde. É um momento oficial, mas desconhecido. Diversas visões são apresentadas. Tópicos esmiuçados. Usa-se o que se aprendeu para explicar fenômenos inerentes à vida, de forma diversa, fazendo uso de vídeos, músicas, imagens, discursos, atividades, sistematizações e conversas. Traçam-se as diretrizes para que o aluno possa se tornar sujeito atuante, diferenciado, não-corrompível no sentido mais lato do termo, e assim possa concluir - mesmo que de forma incompleta - um processo em que lhe foi apresentado o verdadeiramente diferente. Um campo de possibilidades. Um rasgo de luz que torna os mistérios que fazem recuar todos, fracos e fortes do mundo, mais acessíveis e apaixonantes. Um ímpeto de paixão guiado pelo bom senso. Um salto de fé que conhece as artimanhas e maldades do mundo, até seu último grau. E mesmo assim se consuma. Porque nada mais de útil há a se fazer, e o mundo abre inconscientemente brechas de vácuo. Esses vazios desoladores são preenchidos de alguma forma por aqueles que desejam ardentemente conquistar um sentido para a vida. 

Para quem conquistou certa sensibilidade, uma vida sem sentido é mais dolorosa do que todas as ameaças e prazeres do mundo - pois as duas coisas, no fundo, partem da mesma essência (ilusão) e colimam no mesmo fim (dor). Gozo e prazer se complementam no magnetismo que deixa a humanidade ancorada no lodaçal do isolamento. As aproximações são tímidas e lentas. Os partidarismos se revelam de forma clara. Os adiamentos acabam deixando o ser cada vez mais determinado: deve fazer tudo de per si. A iniciativa deve partir dele, pois o mundo está perdido anseia difusamente pela meta - a evolução.

Sentir-se leve permanentemente é possível apenas após
uma passagem turbulenta. A zona que separa o regime
subsônico do supersônico é de tremor e incertezas. Quem
persiste e arde na dor, emitindo um grito de beleza singela,
 expande seus limites para níveis inimagináveis. Passa-se a
saber que Deus É. 
Essa compressão das possibilidades é desoladora para o sensível. Quem vive de forma orientada num mundo desorientado se choca constantemente com barreiras. Tem as energias drenadas e os recursos limitados. Mas mesmo assim consegue cumprir o que sente ser seu dever. Isso ocorre porque duas vontades estão alinhadas: a da vida e a do ser.

Quando comprimimos algo as possibilidades de escape desenfreado são múltiplas. Quanto mais intensa essa compressão, mais desesperador. No entanto, é a determinação no sentido dessa dor (pressão das circunstâncias) que possibilita o alargamento do campo das possibilidades. Assim a criatividade eclode e logo permeia todos os cantos. O ser cria uma conexão com os fenômenos e vê o significado dos atos. Vê a mentalidade que forja a atitude. Vê os longos horizontes de tempo e de espaço, percebendo que por mais que se expanda um finito, o infinito domina e coordena. Quando o aperto é tão grande e é inexorável a expulsão do ser do campo de forças que o comprime, ele já sabe para onde vai: para cima. Pois se moldou de forma adequada, de modo a permitir a manifestação da dor até sua exaustão. Mas esta, focada apenas nas agressão, não controla o que dela fazemos. A nossa reação à dor é o que definirá nosso estofo espiritual.  

Esses textos não param. Nem mesmo em períodos de grande desolação e tensão. Isso é o que o autor é incapaz de explicar. A lógica existe mas está fora do campo da racionalidade cerebral. Eles fluem como ímpeto. Jorram pela desolação.

Se soubermos viver de forma sincera e plena, gerando ideias
e formas de vida vetorizadas para ascensões, teremos um
dia-a-dia assim, belo, natural e cheio de inspiração.
Seguir conselhos é garantia de reprodução. Pode ser confortável e socialmente interessante. Mas a solução está em conectar-se com forças imponderáveis através da maturação evolutiva. Autores já apontam para isso de forma cada vez mais clara [1]. É impressionante como as visões de mundo que venho esboçando se tornam cada vez mais claras e justificadas.

Adquirir sensibilidade para reconhecer os milagres que se operam na natureza é poeticamente iluminado. Mas forjar um destino capaz de acionar as engrenagens da Lei e superar seu atavismo é arrebatador. O caminho se transmuda.

O místico busca a solidão para compreender melhor como lidar com os fatos da vida. Não se isola por medo, por ódio ou por desprezo. Isola-se apenas porque o respeito pelo próximo aumenta. Porque compreende-se a impossibilidade de uma vida mais conectada, que pode mais causar problemas do que compreensões. A escalada rumo ao misticismo é a trajetória do evoluído. O retorno do místico ao mundo é a santificação do ser, cuja natureza se plasma, adquirindo magnetismo fora do comum que está preparado para ascender. 

Referências:
[1] https://medium.com/swlh/why-you-shouldnt-take-advice-from-almost-anyone-2961b8d9fb8

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Abrigo: Direito humano. Luta persistente.

Continuo desenvolvendo os aspectos específicos dos cinco fundamentos da vida humana - conhecidos como 5 A's [1]. Já desenvolvi o tema do vegetarianismo e veganismo, que é a expansão da plenitude da saúde através da nutrição (alimento). Agora posso ascender ao quarto A, adentrando na questão do abrigo, indispensável à manutenção da espécie, e ao desenvolvimento profissional e pessoal. 

A moradia é um dos alicerces da civilização. Isso sempre foi uma verdade. Constata-se o fato observando que a espécie humana sempre buscou abrigo para conseguir obter um nível de segurança, seja contra os elementos (chuva, vendavais, enchentes, frios, calor, etc), contra predadores (animais ferozes) ou 'inimigos' (infelizmente, outros humanos), e possibilitar a concentração e reprodução. Tão indispensável é e tem se tornado ao longo do desenvolvimento econômico, social e cultural, que em 1948 ONU (Organização das Nações Unidas) lança a Declaração Universal dos Direitos Humanos [2], que aponta para o direito à propriedade privada e habitação:

"Artigo XVII 1. 
Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros."

"Artigo XXV 1. 
Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle."
(grifos meus)

Ter abrigo é fundamental ao ser humano. É o que permitiu o
advento das cidades, da civilização, com todas suas
possibilidades. É conforto que deve ser usado com função
evolutiva - que se relaciona, em larga medida, com o social.
É óbvio que nossa "civilização" não assegura esses direitos à espécie humana. Mesmo porque muitos governos agem como se houvessem cidadãos e não-cidadãos. A estes últimos são negados os Direitos Humanos, isto é, os direitos fundamentais que a ONU aponta como indispensáveis à vida e seu desenvolvimento no nível humano. São os mendigos, sem-teto, aqueles que vivem nas periferias, os excluídos, os que passam fome, não possuem condições de estudo, trabalham em regimes semi-escravos e são vistos por muitos da sociedade como indesejáveis. Os nossos sistemas, com suas lógicas, se provaram incapazes de resolver esses problemas. Em grande parte devido ao baixo grau de consciência de imensa maioria dos seres humanos, insensíveis às questões mais importantes do mundo como democracia, direitos e deveres, ciência e tecnologia, jurisprudência, legislação, questões éticas, ecologia, afetos, sociedade, cultura e (especialmente) espiritualidade. Poucos (que podem) gastam seu tempo e energia além das obrigações mundanas para construir uma visão de mundo mais completa, madura e capaz de forjar projetos de vida concretos (a prática), que causam algum impacto. Mas o fator que causa mais atrito na evolução coletiva é a insensibilidade ao outro.

Quando nos acercamos de um assunto que não faz parte de nossa vida tendemos a imprimir opiniões relativas, restritas à nossa formação, à nossa classe, ao nosso meio cultural. Ela é relativa. Incapaz de sentir o que aquilo pode representar para quem está vivendo na pele aquilo. Vejamos o tema moradia.

Quando observamos movimentos sociais na mídia, a cobertura dada geralmente é parcial, ressaltando aspectos negativos - sem necessariamente apontar culpados, mas sugerindo que muitos males advém desses tipos de organizações. Quem está habituado dificilmente irá perceber. Se começar a notar algo, resistirá em aceitar algo que rasgue seu limitado campo de possibilidades. Sua noção do que é 'certo' e 'errado'. Daquilo que está além de seu campo de concepção. A relação entre direito e justiça é um exemplo claro.


Eleanor Roosevelt segurando a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
Um pequeno passo para a implementação.
Um grande passo para a consciência coletiva.
Estamos apenas no início...
Na Rádio Blink 182, Safatle [3] explica o porquê de, em certos momentos históricos, a justiça se destacar do direito. Lei e justiça se desacoplam em particulares momentos históricos. A primeira, baseada na força e na tradição, na racionalidade e nos formalismos, é forte e resiste com o apoio da maioria, permeada de receios. A segunda vislumbra o porvir, sente a falta de bom senso dos modos de organização. Ela se apoia na coragem, na iniciativa, nos impulsos, na inteligência não- sistematizável, indomada, mas com uma pitada de sentido - se percebido em seu mais amplo aspecto. É fraca mas persistente, buscando alavancas de apoio na sinceridade e perseverança. Ela intui, e por isso não desiste com as derrotas momentâneas. Sofre no presente para garantir o futuro - ao passo que a lei consolida e goza o poder no presente, mas não se adapta ao transformismo da vida e da consciência coletiva. Deve-se levar em conta essa dissociação especial, da qual a História está pontuada com exemplos formidáveis, tanto na esfera coletiva quanto individual, se quisermos investigar com sinceridade (busca pela verdade) a questão da moradia no país - e no mundo.

Movimentos sociais que clamam por moradia não surgem por esporte. Se alguém acredita que um  grupo humano está disposto a se organizar, ocupar, ser ameaçada (e por vezes agredida) pelo aparato policial, e persistir numa luta apenas por capricho, para ganhar destaque na mídia, dinheiro, garantir sua "boquinha grátis" ou simplesmente atrapalhar vida de terceiros, não conhece bem a natureza humana. Tudo isso daria muito trabalho para pouco retorno. As pessoas não ocupam - terrenos que não cumprem função social, dia-se de passagem - porque gostam. Culpam por falta de alternativa. Palavras de Guilherme Boulos [4]. Quem deseja conhecê-lo melhor, sugiro que assistam as referências [5] e [6].

Lutar por um direito humano fundamental (moradia) é um direito, caso os meios formais se provem ineficientes ou inúteis.

A legislação que prevê desapropriação de terras improdutivas, que não pagam imposto - como o ITR [7] - não é implementada pelo poder público. Diversas outras leis não são cumpridas, o que leva à aparição de enormes propriedades abandonadas, cujos donos não pagam imposto, mantendo-as assim apenas a título de especularem em cima do terreno. Dessa forma constroem-se bolsões improdutivos nas grandes (e médias) cidades, que não são alvos da desapropriação legal simplesmente porque as engrenagens da lei não são acionadas contra aqueles que possuem poder sobre elas. Há ainda um outro agravante: a lógica daqueles que descumprem a lei visando ganhos permeia o modus operandi das instituições publicas brasileiras, de forma que essas são pouco ou nada sensíveis à lei quando se trata de certas questões.

Diante da indiferença absurda do Estado face ao rentismo improdutivo, como esperar eficiência econômica? Mas a questão só fica crítica quando colocamos no tabuleiro a exploração e consequente exclusão que completa o ciclo de degradação de massas humanas. 

A redução de empregos, o achatamento dos salários, a (des-)orientação das atividades econômicas visando aumentar os retornos financeiros e a ânsia desesperada de gerar maior consumo - a título de extrair mais dos indivíduos - colima em famílias que chegam à beira do colapso familiar e social, comprometendo mais de metade da renda com o aluguel (de um imóvel em más condições, geralmente). Após buscar incessantemente algum bico e ser rejeitado e humilhado no processo, e com  um cansaço que beira o colapso físico e psíquico, o chefe de família chega ao seguinte ponto: ou paga o aluguel e nega a comida à prole - ou dá o mínimo de comida à família e vai para a rua, onde todos ficarão sujeitos a todo tipo de violência - conforme a polícia militar bem demonstra com sua atitude e atos. 

O poder público não age, pois é refém da lógica financeira hodierna. Uma visão de mundo em que mamon [8] é objeto de culto universal. A família deseja apenas (sobre)viver em paz. O pai, a mãe, a última coisa que desejam, é se lançar no barro e na luta social porque gera um esforço tremendo. Eles recorrem quando esgotam-se todas alternativas, e o terror de virar morador de rua, de passar fome, de ser despejado, se torna concreto.

Indo mais à fundo iremos perceber que a questão é muito mais complexa do que a grande mídia e nossos círculos sociais apresentam [9]. O que está em jogo é uma lógica sistêmica apodrecida, que retroalimenta a situação, agravando os conflitos  - com uma polícia adestrada a eliminar quem reclama direitos sociais, pacificamente; valorizando áreas (leia-se: custo de vida) sem fornecer aos moradores pobres condições de acompanhar esse aumento espetacular dos custos; e desinformando as pessoas através da mídia, apresentando o que convém. Notícias baseadas em eventos. Nada de investigação das tendências (comportamentos) e da lógica de funcionamento do Estado brasileiro (estrutura). A quem este serve de fato? 


Guilherme Boulos vive com o pé no barro desde que
iniciou sua atuação pela justiça social, aos 15 anos.
Desde então percebeu que não basta o saber -
precisamos viver com os pobres, sofrer com eles,
para ser uma liderança de fato. 
Sem-teto é um termo muito mais amplo. Não é apenas morar na rua. Esse é o caso mais extremo, produto de uma sociedade focada na ilusão das fofocas, do consumismo, da competição. Da insensibilidade aos mais necessitados. Aqueles que vivem de co-habitação, ou que não possuem condições de pagar os aluguéis, comprometendo alimentação, saúde, transporte, educação básica e itens essenciais (ex: higiene) para honrar suas contas, também são sem-teto. Aqueles que tem um teto mas não possuem água, luz, gás, saneamento; aqueles que não possuem rede de transporte próxima; aqueles que vivem em regiões inseguras - inclusive devido às violentas incursões policiais; aqueles que aumentam de 10 para 14 horas suas jornadas devido ao isolamento total (periferia da periferia). Todos esses casos se somam aos dos sem-teto. Pessoas que somam quase um terço do país [9]. Massa excluída de uma vida plena.

Não é possível se debruçar em questões de ordem mais elevada se a todo momento existe a sombra do despejo; a perda de tempo com atividades básicas; o medo de ser abordado pela polícia simplesmente por morar em lugar x, ter vestimenta y e ser de raça z. Isso é uma violação aguda dos direitos humanos. Mas isso só irá mudar com a conscientização. 

Enquanto nos vermos como pessoas distantes, desconectadas dessa realidade, a injustiça irá prevalecer. Pois ela se fixa no terreno do mundo devido às neutralidades da maioria. Somos indiferentes àquilo que não nos arranha. Em situações na qual somos colocados em evidência - sem o desejarmos- fingimos nos preocupar. Isso é triste, mas ao mesmo tempo é o que nos permitirá ascender de nível consciencial.

Porque o que atinge o outro pode um dia nos atingir.

A História nos mostra que o que era considerado impossível ocorreu. O improvável se plasma, tornando-se comum e atuante antes que possamos fugir ou nos proteger.

A extrema pobreza avança. Os bancos continuam faturando
com um rentismo único, que só é possível em regimes
feudais, como o brasileiro.
E os dados revelam que a pobreza extrema cresce no país [10] - assim como a violência contra os moradores de rua [11]. Isso deixa as pessoas que tem algo - dentre o povo - e a classe média apavorados. Especialmente estes, que vivem segundo a lógica da pressão-propriedade-patrimônio. A brutalidade estatal é tão violenta que inibe qualquer possibilidade de questionamento. Isso produz um esvaziamento da democracia e a cooptação de setores da sociedade para um extremo: o fascismo.

Safatle, no programa Voz Ativa, diz que a pior coisa a ser feita em momentos de polarização é não operar no outro extremo [12]. Pois é isso o que vemos no Brasil atualmente.

Sabrina Fernandes, no seu canal Tese Onze [13], Doutora em Economia e Sociologia Política pela Carleton University (Canada), desmistifica narrativas construídas e espalhadas pela mídia - e reproduzida inconscientemente por muitas pessoas de "bem". Não destrói o conceito de propriedade privada, mas a enquadra numa ordem maior, onde deve cumprir uma função superior. Aliás, o sistema que está acabando com a propriedade privada é o próprio capitalismo-neoliberal, cuja última crise foi responsável pela aumento exponencial do número de famílias sem teto (nos EUA e no mundo), privando-as do direito de possuir um lar. Paradoxo incrível: o sistema que afirma defender o direito à propriedade extingue-a de roldão, ou deixa as pessoas no limite de perdê-la. Essa regra de perda e risco iminente de perda / queda do padrão de vida é verdade para 99% do mundo (pobres e classe média). Quem ganha? A elite, que em larga medida quer manter os privilégios.


A formação do Brasil de hoje já parte de uma divisão e loteamento de terras para a exploração desenfreada de recursos, visando extração - não desenvolvimento econômico local. A propagação dessa lógica por períodos longos é o que reforça a inércia dos utopistas e a naturalização de barbaridades pelas próprias massas que sangram, choram e se extinguem aos poucos. Mas é preciso perceber o que ocorreu e por que se mantém o estado das coisas. É dever de quem tem alguma condição usá-la para fins superiores, que não a reprodução de fofocas e mesmices cotidianas. É mister se transformar, nem que isso cause febres, dores e rejeições. Ou evoluímos ou entramos em débito com o banco de Deus.

A primeira atitude a fazer é mudar nossa percepção das coisas. De pouco em pouco. De experiência em experiência, iremos nos conscientizando de uma realidade mais profunda, em que atuam leis mais poderosas do que aquelas que conhecemos - e respeitamos. Leis não assimiladas pela sistematização analítica - mas sentidas pela vivência profunda, geralmente advinda com experiência da dor. São as verdadeiras maturações apocalípticas que alguns seres humanos vivem, saindo de um túnel de experiências dolorosas como místicos, heróis, santos ou gênios. É a reação adequada (inteligente) às dores que forjam as almas mais fantásticas.

Verdadeiras locomotivas da humanidade, se heróis.
Faróis telescópicos, se gênios.
Antenas potentíssimas, se santos.

Não precisamos ainda nos tornar isso. Basta que compreendamos cada vez melhor a função de cada evoluído. Que sejamos capazes de ver que é a intuição que forja uma razão sadia - pois uma razão jamais será capaz por si só de edificar uma grande alma, repleta de sentimento, coragem e visão. Sofre-se no cotidiano para elevar-se no decorrer das eras.

Olhar para a questão da moradia de forma mais ampla, rasgando a alma (conceitos), expandindo-a, é o que ajudará toda humanidade a superar esse princípio de exclusão.

Pois de nada adianta erradicar a exclusão por fora se o seu princípio se encontra operante em nossa alma. Precisamos de estofo espiritual para vitaminar nossos movimentos coletivos.

Essa é a questão. Esse é o princípio. Esse é o caminho. 

Referências:
[1] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2015/11/ar-agua-alimento-abrigo-afeto.html
[2] http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf
[3] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2018/06/novos-rumos.html
[4] https://pt.wikipedia.org/wiki/Guilherme_Boulos
[5] https://www.youtube.com/results?search_query=boulos+roda+viva
[6] https://www.youtube.com/watch?v=QdRm0MGriE0
[7] https://pt.wikipedia.org/wiki/Imposto_territorial_rural
[8] https://pt.wikipedia.org/wiki/Mamon
[9] https://outraspalavras.net/brasil/direito-a-cidade-luta-proibida/
[10] https://www.cartacapital.com.br/economia/o-que-explica-o-aumento-da-pobreza-extrema-no-brasil
[11] http://justificando.cartacapital.com.br/2016/08/15/denuncias-de-violencia-a-moradores-de-rua-crescem-60-no-rio-diz-defensoria/
[12] https://www.youtube.com/watch?v=6UJ-ziAYsYI
[13] https://www.youtube.com/watch?v=dDobL2NAv_E

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Vegetarianismo: questão de maturação evolutiva?

Há tempos desenvolvi o assunto dos 5 A's essenciais à vida [1]. Um ser humano, para viver em sua plenitude, necessita apenas desses cinco elementos. Em sua plenitude. O que significa em quantidade necessária e suficiente (nem mais nem menos) e com a qualidade máxima, dando plenitude. Podemos destrinchar cada um deles, revelando tópicos científicos, vistos à luz da ciência, para comunicar melhor ao homem moderno qual a importância de se ter acesso a cada um deles. 


Estilo de vida saudável reflete na
aparência, na disposição, no humor, no
dinamismo. 
O 1º deles (ar) aponta para o aquecimento global, a poluição atmosférica e se liga profundamente com o ciclo da respiração, de inspirar e expirar; O 2º (água) é um dos tijolos fundamentais da vida, constituindo de 60 a 70% de massa do corpo humano. Ela aponta para o saneamento, o ciclo hídrico, a energia hidráulica, a nutrição; O 3º elemento (alimento) é diverso e múltiplo. Ele é o último dos elementos essenciais do ponto de vista animal, formando a tríade elementar que permite ao indivíduo sobreviver. Ele aponta para questões de saúde, nutrição, bem-estar; A partir daí tem-se o 4º elemento (abrigo), que é por vezes sofisticado na vida infra-humana (ex: colônias de formigas) mas não se revela tão indispensável quanto para o ser humano, que se desenvolve numa região de segurança. É onde se dão as atividades intelectuais, de reflexão, de educação, de socialização. É o que se associa à propriedade fixa, de direito, inalienável. É a extensão do corpo. Posse e local de descanso. Essencial à criação da família (propagação da espécie) à nível mais elevado; Até aqui se cumprem a 1ª e 2ª lei da vida (alimento e reprodução), que são tanto melhor cumpridas quanto mais saboroso o alimento e mais bela a mulher. Mas há uma necessidade a mais, que alguns já vislumbram, que vai além do plano do abrigo e das necessidades básicas de ingestão corpórea. Trata-se do afeto: ápice das necessidades. Indispensável para o desenvolvimento das ideias, da formação de valores, da criação de conceitos novos e de atitudes revolucionárias de vida, apontadas para a unificação. Assim temos o ser humano, cujas possibilidades se traduzem na plenitude dos cinco A's.

Gostaria de desenvolver a questão da alimentação, que nos toca de forma muito profunda, já que é um processo que ocorre com frequência e une as pessoas. Além disso, a nutrição se relaciona de forma profunda com a questão ambiental, a saúde e da eficiência energética. Temas centrais à ecologia, à medicina e à economia. Adicionalmente - e principalmente - trata-se de um aspecto que revela, a meu ver, um vetor evolutivo do ser. Logo, podemos adicionar ao estudo a questão espiritual, que vai muito além da abordagem ética. 

O aspecto do alimento em si já é mais sáttvico-rajásico.
Ao contrário de certos alimentos que são tamásicos.
Mais sobre as três gunas, veja em:
https://blavatskytheosophy.com/the-three-gunas/
Os três aspectos humanos (ambiente, saúde, energia) se inter-relacionam. Assim irei abordar o tópico de forma integrada, desmistificando alguns conceitos que as pessoas geralmente tem à primeira vista. Isso tem por objetivo apenas esclarecer do que se trata, sem visões parciais, e sim universais, sem âncoras em correntes de pensamento e tendências humanas. Ver-se-á que é uma questão de alinhamento com uma lei cósmica.

A primeira questão que alguém pode levantar é a necessidade do organismo humano ingerir determinados tipos de proteínas. Me parece justo ter isso esclarecido - já que a saúde é essencial para viver-se com qualidade. Eu vivo sem comer carne há dez anos e não senti nenhuma falta nutricional, seja em vitaminas, sais minerais, funcionamento celular ou disposição. Os últimos exames de sangue revelam que tudo está dentro das faixas da normalidade. Meu peso é baixo mas dentro da faixa considerada saudável. Meu organismo suporta esforços grandes - especialmente em termos psíquico-nervosos. Talvez venha daí a explicação de meu metabolismo hiper-acelerado. Como bem - nem muito nem pouco - e no entanto não apresento tendência de ganho de peso. Minha atividade física é elementar (caminhadas e pedaladas frequentes, para fins utilitários e ginástica de 20 minutos), com frequência dia-sim-dia-não, em média. 

O vegetarianismo / veganismo leva a um uso mais eficiente
do solo. Respeita a diversidade das espécies e evita sofrimento
desnecessário. Não é o que o sistema atual diz construir?
O intestino trabalha bem, já que a carne é de digestão lenta e os vegetais, legumes e grãos são digeridos rapidamente. Além disso a disposição - sinto - é acima da média, com menos necessidade de sono pós-refeições. Logo, em termos de disposição e indicadores corporais, tudo está em perfeita ordem. Adicione-se a isso a minha capacidade de manter um dinamismo fora do comum para tarefas além das obrigatórias (trabalho formal, manutenção do lar e lazer), criando textos de várias vertentes, desenvolvendo cursos inéditos e conversas profundas (e intensas), ler, estudar e refletir livros/filmes profundos, realizar doutorado, ouvir música e me exercitar. Essa energia a mais pode ser consequência tanto da alimentação frugal e vegetariana, do círculo de contatos selecionado (por sintonia) e da seletividade das tarefas. Dez anos de vegetarianismo não me afetou nada em termos de saúde e aparentemente melhorou minha disposição.

O próximo passo é definir os graus de vegetarianismo. De modo geral existem cinco categorias diferentes. O que as une é a ausência do consumo de carne de qualquer tipo: bovina, suína, caprina, aves, peixes, moluscos, etc. A diferenciação parte desde aqueles que aceitam ovos, leite e derivados e mel em sua dieta (ovolactovegetarianos) até aqueles que não aceitam nada de origem animal - inclusive o mel que as abelhas produzem. Estes últimos são denominados veganos.

Um vídeo da acadêmica Sabrina Fernandes [2] explica de forma cristalina o vegetarianismo/veganismo. O diferencial é a relação do veganismo com o anti-capitalismo. À primeira vista poderá parecer uma tentativa de concatenação forçada entre o ideal socialista de justiça social (lógica redistributiva) com a vertente ambientalista (lógica de redução da produção), que se dá pelo fato da moça ser ecossocialista, mas trata-se de uma relação real, que possui uma lógica férrea, conforme irei mostrar mais à frente. Recomendo que vejam tanto o vídeo extenso quanto o complementar da mesma autora [3].


Porque quando se fala em gado se usa o termo "indústria agropecuária"? Primeiro: a agricultura (o "agro") é o que sustenta a pecuária: o gado consome mais grãos do que a humanidade. Muito mais. Logo, a nossa agricultura serve muito mais como alimento indireto do que direto. O que leva a concluir que o bife que se come possui centenas ou milhares de quilos de grãos "embutidos", pois o boi / a vaca comeu muitas toneladas de grãos ao longo de seus 3~4 anos de vida. Segundo: nossa espécie não se alimenta mais de carne em função da necessidade, mas sim devido à fatores culturais (hábito / imposição familiar / crença na "força" e "vigor" que a carne dá) e uma lógica de consumo para manter o sistema econômico vigente - braço direito do paradigma capitalista - operacional. Vive se para comer - não se come para viver. Se aplica a todos alimentos, mas a carne tem um protagonismo muito grande. Por esses motivos se usa o termo supracitado: a pecuária "puxa" violentamente (demanda) o setor agrícola e a lógica industrial-produtivista. Esse é o primeiro ponto.

Já começamos a perceber o papel que a economia tem na questão do consumo da carne. Adicionemos a questão ambiental.

Segundo dados da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations) a pecuária é responsável pela emissão de 14,5% dos gases de efeito estufa (metano, CH4) que causam o aquecimento global. Isso supera o setor de transporte. O metano, é bom lembrar, é o gás com maior impacto dentre todos, pois uma mesma quantidade (e aumento) de ppm's (partes por milhão) na atmosfera causa mais aumento de temperatura média global do que os demais gases (greenhouse gases), incluindo o dióxido de carbono (CO2) emitido pelo setor de transportes, que já por si não é muito eficiente.

"o metano é mais eficiente na captura de radiação do que o CO2. O impacto comparativo de CH4 sobre a mudança climática é mais de 20 vezes maior do que o CO2, isto é, 1 unidade de metano equivale a 20 unidades de CO2." [4]

A mesma fonte diz que o CO2 é o gás de maior emissão (78% do total), o que pode causar confusão para quem lê por cima. Lembrem-se: maior emissão é causa. maior impacto é consequência. São coisas diferentes. Logo, emitir 10 vezes menos ppm de CH4 do que CO2 no fundo significa que o primeiro está causando maior parcela de aquecimento do que o segundo. Ele é (digamos) muito mais 'letal' em termos de aumento de temperatura.

A Juliana do Boho Beautiful tem uma dieta vetorizada para
o vegetarianismo. E uma vida simples. 
Luiz Marques nos lembra que o aumento de temperatura global se dá de forma desigual: a água aquece muito mais lentamente do que a porção continental - devido à sua capacidade térmica, entre outros fatores [5]. Logo, concentra-se um maior aumento de temperatura nos continentes, - onde vive a humanidade - o que agrava a questão. Iremos sentir um aumento maior do que a média prevista, e isto irá afetar a produção agrícola, promover aumento do nível do mar, que por sua vez causará migrações em massa e deteriorar os sistemas produtivos mais ainda. É bom que saibamos disso. Pois quando certas coisas começarem a ocorrer, ao menos saberemos o porquê e poderemos apontar melhor os responsáveis: nós mesmos, em larga medida. Mas quem detém o poder talvez seja mais responsável, pois sabe e tem condições de reorientar os sistemas humanos, mas pouco ou nada faz para isso - pois é muito trabalhoso se pensar em mudanças profundas...especialmente de paradigma.

A questão hídrica é igualmente crítica.

"Quem se torna vegetariano ou vegano economiza água de maneira significativa: para se produzir um quilo de soja, são gastos 500 litros de água, enquanto para um quilo de carne bovina, são necessários 15 mil litros do líquido." [6] (grifos meus)

A lógica é simples. Podemos perceber a "produção" pecuária puxando o consumo de água (H2O), da agricultura, aumentando as queimadas (emissão de CO2) e trazendo malefícios para a saúde humana.

Até mesmo os onívoros admitem que o consumo excessivo é prejudicial à saúde. Muitos admitem que o excesso de carne é pior do que o não-consumo da mesma.

Ernst Gotsh tem 70 anos (parece?). Longe da atribulada vida
dos afazeres e obrigações forçadas, trabalha a terra com
alegria e criatividade. 
Outro argumento frouxo usado por alguns (para justificar os matadouros) é que 'se todos fossem vegetarianos haveria excesso de animais', e assim teríamos uma crise e seria necessário que alguém comesse os bovinos, os suínos, as aves e cia. No entanto me pus a pensar e imagino que, à época em que a nossa espécie "chegou" no planeta, não havia uma inundação de animais. A quantidade de bois, porcos, cabras, galinhas, etc estava estável e em equilíbrio - há milhões de anos creio eu. Logo, só se pode concluir o seguinte: nossa lógica de produção-consumo leva ao aumento da quantidade de animais. A quebra dessa lógica não faria aumentar o número. Talvez até diminua.

Mas se todos se tornassem vegetarianos e veganos do dia para a noite, haveria um forte impacto econômico inicial. Talvez o baque fosse muito forte, como atestam estudos [7]. É uma questão sistêmica que pode ser prevista com modelos*. O baque seria no impacto aos empregos (economia-social), que afetaria muito mais os pobres do mundo e os países pobres, levando à fome muita gente. Portanto o roteiro evolutivo que proponho deve levar em consideração uma transição gradual [8]. Mas ela deve se dar o mais rápido possível, e ser bem conduzida.

Quanto à questão ética, podemos simplesmente afirmar o seguinte: será que os animais precisam morrer em massa para que vivamos bem? Isso poderia ser verdade na pré-história, quando a dificuldade em certas regiões para se encontrar frutas era difícil - e então matava-se o animal para sobreviver. Hoje em dia isso não é mais necessário. Nossas técnicas de produção são modernas. Plantamos diversas culturas em grande quantidade. Temos conhecimentos para criar sistemas agroflorestais sintrópicos, com lógica de retroalimentação [9]. O filme abaixo dá uma visão da gravidade e poder de nossos tempos.


A questão biomássica bioenergética também diz algo - tentarei desenvolver isso em outro ensaio.

Quanto mais vemos em profundidade, maior
o nosso poder de alavancagem. Isso eu mostro,
ensino e propago. É o que posso fazer na
minha humilde posição. 
O capitalismo está profundamente relacionado à lógica do consumo de carne. Assim como à lógica do transporte individual. Assim como à lógica do consumo conspícuo de diversos bens e serviços.  Assim como à lógica de privatização de setores diretamente relacionado aos Direitos Humanos: como educação, saúde e segurança. Assim como à baixa intensidade de nossas democracias. Entre outros. É mister perceber isso e admiti-lo à raíz.

Não proponho nenhuma alternativa 100% esquematizada. Nenhum plano total. Proponho apenas a reflexão de cada um. E colocar esses temas em pauta, seja via cursos (extensão), via textos (blog), seja conversas, seja leituras profundas, seja postura firme e convicta de vida. Estamos realmente melhorando nossa qualidade de vida ao seguir o que a maioria segue? Ao nos deixarmos (inconscientemente) seremos sugeridos a ter um carro caríssimo (que traz gastos enormes), comer demasiadamente e mal, repor eletrodomésticos mais frequente do que o normal?

Estamos nos antípodas. A vida, como deve ser para alcançarmos a felicidade que tanto dizemos ansiar, passa pela mudança radical dos conceitos. Trata-se de uma mudança de paradigma. Do modelo mental para a estrutura sistêmica. Desta gerar-se-ão novos comportamentos. Estes farão coisas (eventos) fantásticos ocorrerem. Demora mas se concretiza. É preciso ter paciência. O bom-senso é  o primeiro passo.

Tratarei adiante da questão ambiental, que se relaciona muito com políticas públicas (democracia), movimentos sociais, transporte, alimentação, turismo, consumo de bens, entre outros. Desde já deixo uma matéria muito interessante da BBC que revela um estudo para lá de interessante feito por uma mulher [10].

Enfim, vegetarianismo é um dos fatores que apontam para uma possível maturação evolutiva?

Não o saberia dizer. Mas as evidências apontam que sim. Rohden afirmava a inutilidade da dieta moderna, repleta de excessos e carnes. Ubaldi também. Tinha inclusive uma alimentação frugal, restrita ao mínimo e indispensável para se manter vivo - era um verdadeiro seguidor de Francisco de Assis. Inclusive se formos investigar todos os santos, místicos e muitos gênios, iremos notar que sua alimentação era muito voltada para alimentos leves, mais próximos de nós na pirâmide da biomassa e bioenergia. O mercado para esse nicho cresce [11] e a tendência reforça o nível de conscientização da humanidade.

Se trata sobretudo de viver uma vida (um pouco mais) plena.

Referências:
[1] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2015/11/ar-agua-alimento-abrigo-afeto.html
[2] https://www.youtube.com/watch?v=VS4dJL5syRA
[3]https://www.youtube.com/watch?v=buBa0mylJyc&index=2&list=PLPZ4y7b7MwOsms0-ly6MNIFo2BUqfWyNG
[4]https://www.google.com.br/search?ei=frYjW4-1LMqcwASvypHYDQ&q=FAO+gases+efeito+estufa+do+gado&oq=FAO+gases+efeito+estufa+do+gado&gs_l=psy-ab.3...110988.115246.0.115435.0.0.0.0.0.0.0.0..0.0....0...1c.1.64.psy-ab..0.0.0....0.zcpxmnJIH-c
[4] http://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28261-gases-do-efeito-estufa-dioxido-de-carbono-co2-e-metano-ch4/
[5] https://www.youtube.com/watch?v=6F4xbz5v0tE
[6] https://www.ecycle.com.br/component/content/article/63/3908-muito-alem-da-exploracao-animal-criacao-gado-promove-gastos-recursos-naturais-danos-ambientais-em-escala-estratosferica-emissoes-gases-uso-agua-terra-alimento-desmatamento-pastagem-residuos-contaminacao-exploracao-excessiva-fome-pesticidas-pegada.html
[7] https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-38129638
[8] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2018/01/roteiro-evolutivo.html
[9]https://www.google.com.br/search?source=hp&ei=J78jW9q-O8GawQS1xo3IAg&q=agricultura+sintr%C3%B3pica&oq=agricultura+sintr%C3%B3pica&gs_l=psy-ab.3...742.4409.0.4460.0.0.0.0.0.0.0.0..0.0....0...1c.1.64.psy-ab..0.0.0....0.G2Dle7ZjHM8
[10] https://www.bbc.com/portuguese/geral-42005695
[11] https://emais.estadao.com.br/blogs/comida-de-verdade/mercado-vegano-cresce-40-ao-ano-no-brasil/

Notas:
* Dou exemplos do tipo no meu curso de Iniciação à Ciência dos Sistemas (ICS), no IFSP-SJC.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Como mensurar o valor?

Riqueza é algo muito mais amplo do que se imagina. Ela não é apenas possuir muitos bens; Não se restringe tampouco a possuir uma renda alta; Vai além de ter uma empregabilidade de dar inveja; É mais do que possuir um currículo que atrai o mercado; Está além de possuir acesso a bens e serviços básicos (públicos), como saúde, educação e segurança; É algo que começa a ser compreendido com uma vida mais plena de significado. Assim percebe-se que independe do país em que se mora, do grau de escolaridade, do tipo físico, do meio, das influências culturais. Apesar disso, esses fatores influenciam muito no destino do indivíduo. 

A percepção mais apurada do cosmos dá uma sensação de paz que nenhum artifício humano seja capaz de dar. É a sabedoria a verdadeira riqueza. Dificilmente mensurável por ferramentas e métodos relativos, que apenas detectam coisas do mundo. A sabedoria escapa-lhes, pois ela opera a partir de outros pontos de apoio e situa a meta da vida em outras regiões. Como mensurar esse valor supremo? 

Não podemos. No entanto é possível ter uma ideia do que se trata. Basta observar o modo como algumas pessoas conduzem suas vidas. Se for de modo refletido, sem se abalar ou animar por opiniões, "conselhos" e tendências do meio, será uma ascensão em que o produto final de cada ciclo é sempre paz maior, pelo melhor caminho possível. Se for irrefletida, deixando-se guiar pelo ego corpo-mente-emoções, será um caminho sem grandes dores de cabeças subjetivas, gozos objetivos porém momentâneos, mas cujo fim é sempre ter se chegado a um desgaste desnecessário. Têm-se a sensação de tempo desperdiçado, vida desperdiçada, oportunidade desperdiçada...Essa percepção leva anos para vir à tona. Quando vem, é tarde, e só resta ao ser amargura e (no pior do caso) desespero. Mas sempre sente-se a perda.

"Afeto não se mendiga". Ele é suprema riqueza. Além do
mérito. Livre do medo. Inteligência suprema. Intuição. 
A grande astúcia da humanidade é esconder a questão, de modo a não enfrentá-la com cara e coragem. Por essa via navegam bilhões. Com sucessos relativos e fins amargos. A inversão desse modelo mental é suicídio num mundo desprovido de proteção social e compreensão afetiva. No entanto alguns o seguem.

Tendo exaurido as possibilidades do mundo (fama, riqueza, sexo, droga e prazeres diversos), pessoas se conscientizam e começam a trilhar rumos diferentes [1,2]. Mudam de orientação. O vetor passa a apontar para outro sentido, com pequena intensidade - o que já é algo impressionante para o mundo, que vê mais os efeitos superficiais e formas de se divertir com isso do que um alerta para o despertar. Isso é verdadeiramente mágico para quem o vivencia.

Experiências místicas são vividas em vários graus. É uma experiência comum da espécie humana. Acessível a todos que estejam dispostos a sacrificar seu eu humano para um eu superior, universal, que não se identifique com seu corpo e nome e títulos e endereços. No entanto é difícil iniciar essa jornada interior - o meio dificulta, apesar de intimamente ansiar, pois sente que nesse mistério abissal reside as chaves da paz e do progresso.

A tristeza é o que nos coloca em contato
com nosso Eu superior. Ela não é ruim.
Ela deve apenas ser bem encarada, bem
trabalhada. Assim renascemos das
"cinzas". Essa é a ressurreição tal qual
Cristo nos revelou.
Perceber o que lhe ocorreu é difícil, uma vez que a memória é curta (anti-retrospectiva histórica) e fragmentam-se os acontecimentos e conceitos. Tudo se esquece ou se confunde. Resta fumaça e dúvida. Atribuímos as grandes viradas da nossa vida à sorte ou ao azar. Sempre é uma questão do acaso. Tudo que extrapola os limites de nossas capacidades é relegado ao caos que operou a nosso favor. É o que alguns denominam mistério. Aqueles que começam a sentir algo a mais em eventos que se executam ordenadamente, contra todas as possibilidades e forças do mundo. Esse mistério dá vertigens mas encanta, pois é nele que se sente a presença de um imponderável que guia todos os ponderáveis. De uma unidade que harmoniza no plano geral, criando uma ordem sempre mais alta, enquanto nós, pobres criaturas presas à razão analítica-empírica, julgamos poder ter controle sobre as forças da vida.

É nossa ignorância de uma lei superior que nos faz desobedecer constantemente princípios universais. E assim mergulhar em banhos de dor individuais e coletivos. Quem já percebeu se cala e se alinha ao esquema geral do universo. Os fenômenos já lhe falaram. O ser captou a harmonia da física nas ondas do oceano e nos vendavais do céu; já percebeu o maravilhoso dinamismo da diversidade na fauna e na flora, desde seu jardim até as grandes florestas, desertos, mares, montanhas e vales; já percebeu o porquê da gênese das organizações humanas, com seus paradigmas e sistemas; explicou o porquê das religiões e sua evolução; sentiu a divindade na arte; tocou nos mistérios da vida vivendo reta e sinceramente, independentemente dos resultados humanos. Sentiu Deus em todos momentos. Se fundiu à sua vontade. Não é possível recuar, por mais prazeroso que pareça. Sofre-se sim. Mas sofre-se cantando um cântico de rouxinol. Sofre-se diversamente, fazendo uso da dor para mergulhar mais à fundo na questão universal, da vida. Para valorizar cada vez mais o que o mundo atropela e ignora. Assim fica-se rico, pois vê se a riqueza onde as massas humanas - seja elite, classe média ou povo - nada veem. Pisam e passam sem dar a mínima atenção.

Esse bebê não transmite medo. É lindo.
Eleacaba de vir de uma região (de
consciência) em que a vida possui
menos atrito. Sua involução é o que
o faz retornar. E assim será até o dia
em que atingir a iluminação.
Como é possível mensurar aquilo que sequer admitimos como real? Aqui que não é vivido?

Até hoje o Evangelho foi apenas difundido em discurso. Pouquíssimo foi praticado. Pouquíssimo compreendido. 

Quanto mais vivo mais constato e mais compreendo os automatismos humanos. O interesse de alguns vai apenas até a fronteira de sua zona de conforto, seus rituais, seu sistema de valores e crenças. Fala-se, "eu vou", "eu quero", "quero saber mais", mas sempre a execução efetiva da palavra é adiada para uma data incerta e inexistente. Dá-se a atenção suficiente para não mostrar essa realidade. Mas nada além, pois não adianta depositar expectativas naqueles que ainda não estão prontos para atravessar o portal do auto-conhecimento. As pessoas têm necessidade de passar por suas experiências pessoais. Têm necessidade de sentir que os métodos do mundo tem um fim, e que este se apresenta como amargura e desilusão. Uma sensação de vazio. A duração é longa - portanto se você começa a perceber uma realidade mais profunda, não coloque suas expectativas na superfície, apenas viva a sua profundidade. 

Devemos cuidar dos outros primeiramente cuidando de nós mesmos. É a lei da fome e do amor que Ubaldi cita. Após termos o necessário de ambos, podemos começar a seguir a terceira lei (evolução). Essa é a mais necessária atualmente. Porque passamos por uma fase de transição que clama por uma ascensão dimensional, de consciência. É preciso difundir os novos conceitos, passar experiências de vida, não ter medo de ser quem você (realmente) é. Entrar em contato com nosso lado negativo para vencê-lo através da compreensão do porquê dele brotar. Pouquíssimos o fazem - infelizmente. E enquanto houverem métodos humanos, de sinuosidades, para serem exauridos, assim o será. Mas isso pode ser fatal e levar a problemas seríssimos para o ser.

Não se mensura valor, sentimo-lo.

Saímos do plano racional para viver de acordo com a intuição [3]. Só assim percebemos o valor. Podemos de certa forma trazer essa sensação para o plano da razão, mais baixo, limitado, segregado. Para isso devemos deformar ao máximo, no sentido positivo, nossas capacidades humanas. Ir contra a tendência que a genética nos impôs [4], contra as limitações dos meios [5], contra a história acumulada das experiências de fracasso. Por quê? Porque são essas experiências que afirmam que estamos cada vez mais próximos de cumprir o nosso destino. Que podemos estar prestes a atingir o cume da montanha, onde a partir daí o fluxo é natural, poderoso, e glorioso. A História revela a evolução humana através dos saltos de fé de pouquíssimos escolhidos, que não se infectam pela mentalidade comum. 

Todos caminhos iluminados pela sabedoria convergem para um ponto ômega.

Precisamos todos iniciar esse caminho. Caminhos diferentes, mas com um propósito comum. Ver as relações e ajudar a edificá-las é o meio.

Força e Fé.

Referências:
[1] https://www.youtube.com/watch?v=_bKQXmvdr8o
[2] https://www.youtube.com/watch?v=9l__WLzzR7E
[3]https://www.youtube.com/watch?v=OPR3GlpQQJA&list=PLMKa2lqm66pUrD3At1-kFN8LTAXKWZ4ru&index=1
[4] https://www.youtube.com/watch?v=ll5qiWa6YDk
[5] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2014/11/validar-teoria.html

domingo, 10 de junho de 2018

Liberdade dá Sergurança

Há muito tempo falei sobre o aparente dilema liberdade-segurança, tão bem colocado por Zygmunt Bauman em sua extensa obra sobre o mundo líquido. Concordei com a relação conflitante entre as duas grandezas tão ansiadas pelo ser humano, mas coloquei uma observação: esse conflito não é permanente, e tende a evoluir para uma relação cada vez mais expandida, na qual os dois anseios humanos tendem a ser cada vez maiores - apesar de manterem uma variação inversamente proporcional um ao outro. 

Safatle discorre sobre essa questão no programa Voz Ativa [vídeo abaixo], dizendo indiretamente que Bauman não está absolutamente correto, mas que ter mais liberdade te dará mais segurança.



Tendo visto essa realidade (liberdade-segurança) sob dois aspectos (Bauman-Safatle), posso começar a construir uma imagem um pouco mais próxima dessa relação dinâmica entre ambas. Rohden trata do tema também, dizendo que devemos ser livremente seguros e seguramente livres - isto é, não há qualquer contradição entre ter 100% de segurança e 100% de liberdade. Isso derrubaria a tese de Bauman (com suas relações do tipo 40-60, 70-30, 50-50, 100-0, 0-100,...) e iria mais longe do que o Safatle colocou. 

Por quê mais longe?

Quando foi afirmado que mais liberdade dá mais segurança, Vladimir observou a questão do ponto de vista social (externo), partindo do pressuposto que o indivíduo fará essencialmente o melhor uso possível do livre-arbítrio se lhe for dada condições de deliberar sobre assuntos que digam respeito à sua vida, direta ou indiretamente. Mas em muitos casos essa capacidade é limitada pelo campo de visão do indivíduo. O que ele considera 'bom' o é apenas até certo ponto. Não quero por isso chancelar o discurso daqueles que apoiam avidamente o elitismo dos 'especialistas', que devem decidir o que é melhor para a sociedade sem jamais consultá-la. Digo apenas que devemos perceber que a condição de libertação é a conscientização.

Bertrand Russell (1872-1970). Uma
mente que chegou na fronteira da razão,
apontando para uma realidade mais
interessante. 
Quando estamos ancorados a automatismos que sabemos, conscientemente, não serem bons, - apesar de inscritos na legalidade jurídica e cultural - tendemos a construir um autopoliciamento mental que sempre nos alerta da necessidade de frearmos. Assim passamos a ser tolerantes com as regras e leis do mundo que inibem a liberdade. Mas se essas restrições não houvessem para alguns indivíduos, eles fariam bom uso desse campo aberto. Vejamos um caso prático.

Se observarmos a jornada de trabalho no mundo e confrontarmos essa imposição legal com a eficiência da economia e o bem-estar das pessoas, iremos constatar a inutilidade de tantas horas perdidas ao longo do ano [1]. Antes do Domenico De Masi, Bertrand Russell já havia se aprofundado na questão com  obra Elogio ao Ócio [2]. Discorre em poucas páginas sobre a irracionalidade de se aplicar uma jornada longa, que nem sequer do ponto de vista produtivo é utilitária se mantida indefinidamente. No entanto muitos creem que 'mente vazia é oficina do diabo'.

De fato, o ser humano ocioso tende a se degradar com o tempo. A questão é definir o que é exatamente a 'mente vazia' do famoso ditado. Será deixar de ficar 10~12 horas num escritório? Ou num balcão de mercado? Ou na rua vendendo chips de operadoras? Ou em diversos cargos burocráticos, repetitivos ou que ameaçam formas de vida? Porque existem inúmeras ocupações remuneradas (algumas muito bem inclusive) que não criam nenhum valor útil, ao passo que pessoas que preenchem sua vida com significado acabam não sendo reconhecidas pelo sistema econômico, sendo relegadas ou ao desemprego ou à baixa remuneração - além de serem motivos de chacota de parte da sociedade. Pense nos cientistas humanos, sociais, pesquisadores de institutos, professores(as) da maioria das redes, artistas, filósofos, operários competentes, entre outros. Seu valor não se reflete nas políticas de carreira, vagas, reajustes, reconhecimentos (oficial ou não), salário, voz política, entre outras questões.

Dessa maneira devemos separar os vocábulos 'emprego' e 'trabalho'.

O primeiro é uma ocupação remunerada e juridicamente reconhecida pelas instituições (e, em larga medida, sociedade), que cada vez mais é repudiado pelo íntimo humano, que não se realiza com um horizonte de expectativas tão limitado. O segundo é criação de valor, cansativo porém dinâmico e alegre, que dá sensação de tempo que voa, sem foco no externo, mas mergulho em concentração e intensidade de execução. Em muitos casos não é reconhecido - se é, há poucas vagas.

A intuição, como um relâmpago, vem
impetuosamente. Seu efeito posterior
é o som do trovão, que abala com sua
força. O som filho de uma visão possui
a força da criação.
Pode-se criar - e muito - fora do contexto 'emprego'. Quando-se está deitado num sofá, é possível a mente estar a mil, relacionando conceitos, eventos, pensando em soluções para questões práticas ou simplesmente tentando entrar num estado de meditação, esvaziando a mente para a recepção de algo. Quando se está em casa de pijama (ou num parque, num bistrô ou coisa do tipo) pode-se estar pesquisando, resolvendo problemas de uma tese, elaborando um curso, redigindo um texto, criando uma avaliação, cozinhando uma nova receita, ouvindo música, conversando intimamente, assistindo um filme, refletindo, lendo, consertando algo, tentando criar algo novo, nunca visto. Esses valores criativos devem vir à tona. Às vezes aí é que se encontra a verdadeira vida. A criação plena, intensa, incessante e livre. Uma criação que obedece leis férreas, leis interiores, mas necessita de liberdade externa das instituições. Necessita que a sociedade compreenda, deixando o criador ou criadora em paz, com certo conforto, para que possa impor a si mesmo uma condição de busca. Desordenadamente tenta-se criar uma ordem diversa, própria, que se enquadre no seu momento pessoal e saiba manifestar potencialidades latentes. Desse ponto de vista liberdade é segurança. Liberdade razoável - de tempo e financeira - dá a segurança de poder, com sua consciência, ensaiar novas formas de vida - ou ao menos refletir profundamente sobre elas. O mundo inconscientemente anseia por isso, e olha de modo singular para aqueles que vivem segundo outros princípios, sem medo de criar núcleos de criação - oásis de paz mergulhos em mares ruidosos.

Como se criam esses núcleos? De vários modos.

O primeiro passo é valorizar todo ato pequeno, por mais insignificante e impotente que pareça. Se a intenção for sincera e a perseverança profunda, o resultado é certo.

O segundo é fazer uso de toda experiência - especialmente as mais desagradáveis - para extrair significados mais profundos da existência, e reforçar o estofo moral. Não sentir medo de uma atitude que parte do íntimo é essencial.

As construções que ecoam pela história e cumprem uma função de valor substancial tem sua gênese em inquietações agudas, que geram comportamentos diferenciados e conduzem o ser por caminhos que por sua natureza se destacam da mentalidade comum. Esse voo assusta, pois gera distanciamento. Mas logo se percebe que não se deve abortar a decolagem.

Sem terreno sólido para se apoiar, perde-se a compreensão humana, e com isso busca-se um ponto de apoio - acima, no imponderável. Não se vê nada, mas sente-se algo. Assim se constrói um novo modo de caminhar na vida. O centro de gravidade se desloca para planos mais altos. Vê-se a longo prazo e considera-se as relações antes desconhecidas. Isso dá mais segurança nesse voo livre.

É preciso desenvolver uma sensibilidade psíquico-emocional controlada para sentir a liberdade da vida simples. A maior (e única) riqueza está além da potência, da velocidade, das posses e dos reconhecimentos terrenos. Ela é um 'nada' que cria tudo que valorizamos. Ela é imperecível, intransferível e inviolável. Dificilmente descritível - facilmente percebida. Os semblantes radiantes dão uma ideia do mundo novo.

Deseja-se menos, percebe-se mais.
Informa-se menos, investiga-se mais.
Distrai-se menos, concentra-se mais.

Sente-se seguro com a nova visão, os novos conceitos. Muitas muletas são abandonadas. Religiosas, financeiras, emocionais, políticas. Usa-se o necessário. Fins passam a ser meios. Surge novo objetivo. Meta mais alta e poderosa.

O conhecimento da verdade liberta. Essa é a verdadeira liberdade - aquela provinda do contato com a verdade. Esse tipo de liberdade dará toda segurança ao ser. Assim, ousará inteligentemente.

E assim cumprirá sua função.

Referências:
[1] https://outraspalavras.net/capa/a-sociedade-dos-empregos-de-merda/
[2] 1935, In Praise of Idleness, London: George Allen & Unwin.

sábado, 9 de junho de 2018

Cap 14 e 15 - Estudo da fase matéria (continuação, AGS)

Nenhuma das três formas consegue isolar-se por completo, sempre trazendo em si implicitamente o aspecto de seu involução (passado) e porvir (futuro). 

"Vedes que, em realidade, nenhuma das três formas – α, β, γ – consegue isolar-se completamente; todas sempre trazem em si traços de suas fases precedentes." Cap. 14, AGS.

Observamos isso claramente se pegarmos nosso sistema nervoso cerebral. O pensamento se manifesta graças a um aparato físico-nervoso em que a matéria exprime em si a ideia que a anima - volta-se sobre si mesma. Em nosso estágio (e mundo) involuído, o pensamento só sabe exprimir-se como energia que movimenta a matéria inerte. Por isso β reveste todas as formas (tente localizar um ponto do universo em que não haja fluxo de energia).

O véu do mistério do éter, esboçado pelos gregos antigos, é removido quando a Voz fala: 

"O éter, que é para vós mais uma hipótese do que um corpo bem estudado, escapa às vossas classificações porque quereis reconduzi-lo às formas de matéria conhecidas por vós, enquanto ele é uma forma de transição entre matéria e energia."  Cap. 14, AGS.

Adentrando nas individuações de γ apresenta-se a série estequiogenética e qual sua gênese e destino. Nós humanidade conhecíamos apenas 92 elementos na época (1932), mas foi dito que iríamos descobrir outros elementos, 'criando' muitos deles - o que de fato ocorreu. Explica que a condensação das ondas energéticas leva a uma trajetória fechada, culminando na matéria, e cujo retorno se dá por desagregação atômica dos elementos mais instáveis (pesados).

"Estabelecemos que a fase γ engloba as individuações que vão do hidrogênio ao urânio, dentre as quais vimos que conheceis 92. Elas representam o ciclo que parte de β por condensação e volta a β por desagregação."  Cap. 15, AGS.

Através da análise espectral pode-se conhecer a composição química dos corpos celestes. Aqueles classificados como mais jovens (nebulosas) emanam luz branca (luminosidade), sendo mais quentes, cujo espectro no ultravioleta é mais intenso do que nas outras faixas. Isso aponta para uma estrutura composta de elementos atômicos de baixo peso, revelando a presença quase exclusiva de hidrogênio (H). Logo, no mundo da matéria, podemos associar juventude a hidrogênio abundante. Esses corpos são geralmente desprovidos de condensações sólidas. Apenas com o envelhecimento avança-se em γ , resultando em elementos mais complexos, criando corpos sólidos. O nosso Sol é um exemplo disso: encontra-se em fase madura, emite luz amarelo-laranja. 

O aumento do peso específico é inversamente proporcional ao surgimento das manifestações dinâmicas. Logo, matéria e energia, em seus extremos, se transmudam entre si. Nosso sistema solar já é velho em termos de matéria, e portanto esta fase já se encontra estabilizada. A substância agora está com seu centro de gravidade (CG) em β, rumo a α (gênese da vida). Apesar dessa progressão do CG de atuação, existe um longo rastro que deixa a vida nascente (ainda) refém do substrato físico para se manifestar e evoluir em si mesma. Daí a impossibilidade de desacoplarmos pensamento puro da estrutura nervosa-cerebral. Isso é tarefa de maturação íntima, cujo controle escapa dos nossos esquemas racionais. 

A matéria também é dotada de inteligência - de outro tipo. Não à toa ela segue leis precisas de seu horizonte de assimilação - tal qual nós humanos seguimos leis, apenas que em outro plano evolutivo. Apesar de estarmos sujeitos às mesmas leis que a matéria inanimada, somos capazes de, temporariamente, 'anular' as leis que governam nosso corpo físico. Por exemplo, através dos aeroplanos conseguimos 'vencer' a lei da gravidade. Trata-se de fazer uso de propriedades geométricas e dinâmicas (escoamento), direcionando a energia de acordo com interesses particulares. Mas trata-se de uma superação relativa, que possui um seu preço (prazo e custo) que se faz evidente. Essa natureza de superação à custa de uma degradação, que acaba por vencer, atesta o caráter relativo de nossa existência, dizendo: 'há uma limitação'. Ela aponta para os movimentos fenomênicos, que será discorrido mais á frente. 

"Em seus vastos aspectos de γ, β e α, a substância ω segue sempre a mesma lei. Assim também, no mundo químico, temos algo como uma personalidade, constituída por uma incoercível vontade de existir em sua própria forma e de reagir a todos os agentes externos que pretendam alterá-la. A química delineia exatamente o modo como se comportam esses indivíduos químicos." Cap. 15, AGS.

"Quando vossa consciência tiver encontrado meios para agir mais profundamente na estrutura íntima da matéria, vereis multiplicar-se o número das espécies químicas compreendidas na mesma classe e o número das variedades da mesma espécie. Podereis, então, influir na formação das espécies químicas, como agora influís na formação de variedades biológicas vegetais e animais." Cap. 16, AGS.

Isso já ocorre. Novos elementos foram criados por nós, estendendo a tabela periódica.

Nos próximos capítulos (16 a 19) iremos aprofundar esses conceitos, observando como a química se relaciona com o monismo.

terça-feira, 5 de junho de 2018

Novos Rumos

"- Professor Vladimir Safatle, a democracia brasileira fracassou?
- Sim, com certeza. "


A democracia dita liberal e representativa que conhecemos é, como bem se sabe, limitada em vários aspectos. Ela se consolida no ocidente a partir do fim da 2ª Guerra Mundial (1945) nos países industrializados, e se instala tardiamente nas repúblicas latino-americanas a partir das décadas de 1980 / 1990. No caso brasileiro a Nova República completa 30 anos, e se inaugura de forma ambígua, pois assim como estabelece um marco progressista importante (Constituição Cidadã, 1988) se mantém ancorada nos porões do passado, não reconhecendo os crimes da ditadura - coisa que todos os países irmãos fizeram. Dessa forma inicia-se um ciclo deformado.

O Congresso nacional foi (digamos) estruturado desde o princípio desse ciclo para operar com base no financiamento. Existe uma cultura parlamentar que se concretizou ao longo dessas três décadas, operando de modo flexível. Flexível no pior sentido do termo. E assim obrigando qualquer governante que ocupasse o cargo executivo a lidar com essa barreira de interesses pulverizados, inflexíveis a qualquer mudança em seu modus operandi, exigindo uma farta compensação política em troca de votos. Aí se percebe que o dito mensalão é prática de todos aqueles que ocuparam a presidência, sem o qual jamais seriam capazes de governar (minimamente) o país. Dessa forma o que a sociedade brasileira descobriu recentemente é uma prática comum da Nova República.

Vladimir Safatle descreve em termos substanciais o fenômeno que ocorre em nosso país, na Rádio Blink, mostrando que os afetos possuem uma sua razão própria, e portanto não podem ser eliminados do campo das possibilidades (vídeo abaixo). Explicarei isso mais adiante.


A culpa não é daqueles que criaram essa manobra. "Culpa" inclusive não é uma palavra muito adequada. Usemos "problema". O problema é a estrutura do sistema político, que é podre e não permite de modo algum a implementação de projetos desenvolvimentistas, pois esse vai contra aqueles que financiam e sustentam os servos*. O máximo que se pôde fazer em termos econômicos e sociais foi feito nos últimos 15 anos, mas com grandes limitações. 

No curso que leciono** introduzo o conceito de realimentação, que nada mais é do que uma lógica (fluxo de informação) que altera o modo de um sistema responder ao meio em função de uma meta desejada (referência) e como ele age presentemente. A diferença entre ideal (referência) e real (saídas atuais) é o que irá determinar a intensidade da "política de realimentação". Ela pode ser tanto positiva quanto negativa. 

A primeira está para transformação, mudança rápida, crescimento / decaimento exponencial. 
A segunda está para estabilidade, acentuação das diferenças, atingir uma assíntota. 

Inicio com os conceitos, depois mostro como modelar em termos diagramáticos e matemáticos. Dou exemplos simples, palpáveis - ciências naturais e tecnologias. Mais adiante - parte final do curso - eu cito exemplos mais complexos, relacionando a terminologia com políticas públicas. 

Tomemos como exemplo as políticas que visam a redução de desigualdade

O que foi feito com programas assistenciais (Prouni, Bolsa Família, Fies, Minha Casa Minha Vida, etc) foi a introdução de realimentações negativas no sistema-Brasil. Mas são realimentações fracas e limitadas - mas no entanto muito importantes para eliminar a miséria! Isto é, visa puxar quem está mais em baixo para cima - mas não auxilia a puxar quem pouco produz e drena enormes recursos do planeta para baixo: a plutocrcia nacional. Isso ocorre porque não se mexeu nas realimentações positivas que reforçam e aumentam a desigualdade, seja de oportunidades, de renda e de vida:

  • Sistema Tributário.
  • Sistema Político.
  • Sistema de Saúde.
  • Sistema Educacional.
  • Sistema de Segurança.

Se o setor público não assume esses sistemas em sua integridade, as limitações se revelam em pouco tempo - conforme vimos em 2013, com a falência da política de conciliação. Os limites de lulismo são dados pela rigidez da estrutura de um sistema que se recusa a se alterar substancialmente. 

Incorporar 40 milhões de pessoas ao mercado de consumo é essencial e bom. Essencial do ponto de vista econômico - bom do ponto de vista humano, ou mesmo cristão. no sentido mais forte do termo***. Mas isso em si está muito longe de construir um país decente. É necessário mexer profundamente nos cinco sistemas acima citados, tornando-os públicos, universais e fortes.

Do primeiro e segundo (tributação e política) ter-se-ia os recursos para financiar - com folga - os três últimos. Apenas a desoneração fiscal praticada pelo último governo garantiria mais de R$ 450 bilhões [1], superior ao orçamento do SUS e do MEC. O vídeo abaixo mostra a dimensão do absurdo em termos tributários.


Não existe país desenvolvido no mundo que tenha atingido seu grau de desenvolvimento humano sem uma tributação progressiva. A taxação é justificada por inúmeras razões. Trata-se de demandar da elite arcaica e medieval do país que seja implementado (pasmem) o capitalismo desenvolvimentista que EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha, entre outros, aplicaram ao longo das décadas de 1940 a 1980. Nossa elite é feudal - nem sequer capitalista é. Com tamanho atraso é verdadeiramente impossível sequer discutir ideias socialistas, que apenas jovens evoluídos conseguem desenvolver [2].

Diversos dados revelam que a população norte-americana não tem ideia da distribuição de riqueza e renda em seu próprio país [3], e que ela é perversa. O vídeo de Outraspalavras mostra o caráter desigual de nosso sistema tributário. Nele, lucros e dividendos não pagam imposto. Mega-heranças (da ordem de centenas de milhões, dezenas de bilhões) pagam quantias pífias. Aplicações financeiras altas pagam muito menos do que trabalho assalariado. Uma faixa máxima de 27,5%, que atinge seu zênite já a partir de R$ 4~5 mil mensais, mostra a falta de bom senso, fazendo o trabalhador que ganha 5, 10, 15 mil pagar proporcionalmente o mesmo que aquele que ganha 200 mil 300 mil ou mais (por mês). Vários países possuem mais faixas, com tributação pesada para rendas absurdamente altas. Aquele que ganha seus R$ 18 mil mensais ou menos (cerca de 99% da país) não deveria se assustar com uma verdadeira reforma tributária, pois não seria prejudicado [4]. A isenção cresce exponencialmente quando chegamos nos 2,0%...1,0%....0,2% mais aquinhoados do país. Trata-se de uma verdadeira aberração que é invisível para muitos setore. s da classe média e dos pobres. Uma renda per capita de R$ 5 mil está muito longe de representar um privilégio, segundo a Oxfam [5].

Reduzir a pobreza é condição necessária mas não suficiente para reduzir desigualdade social. Fica cada vez mais claro que o problema é complexo e exige atuar em frentes diversas [6]. Se explicitar essas questões é considerado heresia no meio público (família, trabalho, sociedade,...), tem-se aí um atestado de que o grosso do país foi anestesiado e reproduz conceitos superficiais.

Conter a marcha do progresso tem seu preço. A vida clama por evolução.

Crime contra a humanidade não é anistiável. O Brasil não fez o julgamento nem a prisão de seus algozes dos tempos da ditadura. Nossos vizinhos fizeram. Isso demonstra o grau de atraso institucional e a miséria cultural da sociedade. Existem bolhas de exceção, claro, mas não constituem massa crítica. Isso é, o número da qualidade não é suficiente para fazer frente à ignorância da quantidade. Essa mudança (conscientização) é lenta. Por isso não se pode esperar muito da média humana - mas apontar os caminhos vagarosamente, via atitude, cursos, escritos, forma de vida, relacionamentos, entre outras coisas, é imperativo categórico.

É preciso se libertar das visões fixas. Adentrar na era do
dinamismo em busca de formas de vida mais adequadas
à espécie. É preciso viver de forma orientada e coerente.
Acima da razão, a intuição. Pascal, santo e gênio,
percebeu isso.
O medo é outra questão central. Ele paralisa as pessoas, deixando-as completamente impotentes face aos desafios que surgem. Permitir que a inércia das convenções multimilenares domine nossa vida é morrer espiritualmente. Uma população deve buscar o progresso porque dificilmente os poderes estabelecidos farão o que se deve de boa vontade. Todos países que possuem um grau mínimo de civilização (apenas em suas fronteiras, claro) passaram por um longo processo, pautado por uma série de violências. Essas foram (infelizmente), o fato-chave que permitiu a consolidação do desenvolvimento humano efetivo. Da Roma Antiga ao Estados de Bem-Estar do século XX, foi assim [7]. Não se trata de invocar a brutalidade, mas constatar que a morbidez espiritual humana leva a situações catastróficas. Eventos que a própria civilização diz se horrorizar, mas que se empenha em construir, de forma lenta e gradual. Por que isso ocorre? Porque não temos visão de longo prazo. Visão sistêmica. Já discorri sobre o pensamento sistêmico aqui [8]. É importante saber do que se trata antes de avaliar (traduzindo: leia, estude, reflita e sinta...antes de pensar coisas).

Poderia ficar aqui discorrendo sobre a questão da saúde, mas um artigo ilustra muito bem as questões que devemos colocar em pauta [9]. O setor público é essencial tanto para garantir eficiência econômica quanto direitos humanos. Como se vê pelo gráfico do artigo [9], não se trata de um ou outro, mas sim ambos. EUA, com seus convênios médicos mafiosos e sua riqueza enorme mal aproveitada, é ponto fora da curva - em sentido negativo, vale lembrar. 

Se discutir um sistema público de saúde, educação, segurança é comunista, então recomendo o estudo dos estados liberais da Europa Ocidental e EUA das décadas de 40, 50 e 60. Foram altamente comunistas segundo esse conceito. Precisamos nos situar na fenomenologia universal antes de emitir opiniões. 

Safatle explicita questões muito profundas que sempre senti ao longo de minha vida - por isso meu encanto com suas palavras. Trata-se de sintonia intuitiva em contanto com uma verdade mais próxima ao absoluto - e não de uma seita de seguidores interesseira,presa no relativo, com uma visão restrita e limitada.

A democracia admite uma dissociação entre lei e justiça. Porque a justiça é do Ser humano, e portanto está em constante mudança (evolução) em seus pontos mais iluminados da civilização. Por outro passo, a lei é a institucionalização de justiças passadas, sendo engessada (letra) que demanda constantes reconstruções para se adequar ao grau evolutivo da espécie que faz uso dela. Possuir um sistema eficiente demanda demolições e reconstruções periódicas de suas instituições. Isso passa pela reformulação dos conceitos. Por exemplo, convido o leitor a se aprofundar no conceito de "trabalho" (o que é exatamente?). Domenico De Masi pode ajudar nessa questão [10].

Falar em nome da justiça mesmo contra o direito é uma ideia ainda muito avançada para nossos tempos. Mas é imperioso que as pessoas corram atrás dessa (digamos) 'atualização interior'.

A violência política não trata da destruição do outro, mas da resistência a autoridade. John Locke, um filósofo liberal, justificava o uso de métodos violentos contra um poder que não mais atende as necessidades do povo - e da vida. Mesmo o protestantismo admite a insurreição popular contra governos que não representam interesses coletivos. Hoje em dia podemos estender isso para o campo ecológico. Porque trata-se de uma violência institucionalizada, como a que vem se desenvolvendo no Brasil, onde se naturaliza a grotesca desigualdade social. Isso é inadmissível em qualquer sociedade democrática, porque fere o próprio conceito de democracia. 

A polarização é um processo natural quando se dá a exaustão de um modelo. Mantê-lo artificialmente só dá força a esse desequilíbrio. O problema do Brasil é que apenas um dos lados (extrema direita) se organizou - de certo modo - e assim consegue colocar pautas que vão capturando uma vasta gama de grupos. O outro extremo (esquerda radical) não está sendo capaz de forjar pautas e balancear esse dinamismo de grande envergadura que se abre desde 2013. É aí que entra a questão dos seres mais evoluídos, que desde a mais tenra idade já começam a atuar de modo intenso, orientado e profissional [11]. Esse desequilíbrio gera um impasse à medida que persiste, pois fica-se cada vez mais difícil fazer o contraponto num meio em que apenas um extremo está se ampliando e intensificando.

Esse dualismo é natural em momentos em que modelos de conciliação se esgotaram. Não é mais possível ter acordos formais que colocam panos quentes em formas de vida alternativas e questionadoras. Não é mais possível fingir que diferenças entre pessoas e grupos não existam.  Elas devem ser explicitadas (a) e trabalhadas (b). A imaturidade humana em lidar com essas questões está atrasando a nossa evolução. Dores enormes virão para queles que não se preparam. 

"Existe uma racionalidade nas paixões."
"Elas expressam adesões a formas de vida que são distintas."
"Não existe uma gramática comum dentro da sociedade." 
[Safatle, Vladimir]

Isso nos remete a (Blaise) Pascal. O caminho da argumentação é limitado e já há estudos que comprovam isso [12]. Nós não temos uma base racional-sistematizadora-analítica capaz de forjar uma gramática universal. A própria razão não é calcada em universalidade conceitual, mas em segregação para atender interesses específicos de áreas do saber, teorias, profissões, grupos, nações, religiões e etnias. Quem prova que Deus existe é ateu. Deus não se prova. Deus se Sente e se Vive.

"Uma sociedade que tem medo da divisão é uma sociedade doente."  
[Safatle, Vladimir]

É preciso criar espaço que permita as pessoas falarem de suas divergências. Eu percebo essa limitação em todos ambientes - com vários graus de intensidade. Crio alternativas onde é possível: no Lar, com parte pequena da família, com cursos de extensão, neste blog e - acima de tudo - na atitude de resistência a uma vida limitadíssima que se apresenta e se impõe ao mundo.

É preciso tomar novos rumos. Mas isso parte do íntimo do ser. 

Observações:
* Os parlamentares, com honrosas exceções
** Iniciação à Ciência de Sistemas (ICS)
*** Por cristão me refiro ao espírito fraterno que todo humano possui, e não à ordem religiosa formada, com suas hierarquias, formalismos e dogmas.

Referências:
[1]https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/09/1678317-dilma-deu-r-458-bilhoes-em-desoneracoes.shtml
[2] https://www.youtube.com/watch?v=p9hbj8Z1Ttk
[3] https://extranewsfeed.com/taxation-is-justified-bbd0108254d2
[4] http://justificando.cartacapital.com.br/2018/01/02/quando-cobramos-dos-mais-ricos-nao-estamos-falando-de-voce/
[5]https://www.oxfam.org.br/?gclid=EAIaIQobChMIrNGzv8682wIVkgqRCh1zBwnEEAAYASAAEgLHmvD_BwE
[6]http://justificando.cartacapital.com.br/2017/10/14/basta-reduzir-pobreza-para-combater-desigualdade-social/
[7] http://www.bbc.com/portuguese/geral-42723741
[8] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2018/03/pensamento-sistemico-ponte-entre.html
[9]https://www.google.com.br/search?q=Universal+healthcare+means+freedom%2C+not+slavery&oq=Universal+healthcare+means+freedom%2C+not+slavery&aqs=chrome..69i57.347j0j8&sourceid=chrome&ie=UTF-8
[10] https://www.youtube.com/watch?v=MSEUPqHnv14
[11] https://www.youtube.com/channel/UC0fGGprihDIlQ3ykWvcb9hg
[12] https://www.cartacapital.com.br/revista/948/cientistas-franceses-contradizem-descartes-o-pai-do-racionalismo