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domingo, 30 de dezembro de 2018

Três Inteligências - Três Tipos Humanos

Quando uma pessoa se percebe infinitamente pequena diante do imponderável e aceita essa condição como fundamental para atingir uma expansão interior, nesse ponto iniciar-se-á o processo evolutivo. Trata-se de uma transformação de qualidades íntimas, de uma percepção diferenciada dos gestos dos outros, dos olhares, dos ritmos, das ações e dos ciclos históricos. Para ser mais e melhor é necessário - antes de tudo - ver mais. Condição sine qua non

Trabalho não é emprego - emprego não é trabalho.
Eles podem se associar intimamente - mas seus conceitos
são distintos. 
Como podemos melhorar nossa vida pessoal, em todos aspectos? Como podemos enfrentar momentos de alta tensão, encarar um sistema de incoerências (cada vez mais) gritantes e assimilar de forma construtiva experiências históricas pessoais e coletivas? Os métodos do mundo oferecem pseudo-soluções. Distrações das mais diversas. Produtos acabados, por um preço acessível, que deformam o real significado daquelas tensões; que desorganizam a intuição que vínhamos montando a respeito de como as coisas são, nos apresentando "o lado belo da vida"; e ocultando as experiências dolorosas, se apoiando no nosso desejo de se livrar do desagradável, do inconcebível, do altamente diferenciado.

Se formos procurar respostas aos nossos problemas mais íntimos no mundo exterior, nunca teremos algo definitivo. Falta-lhes um elemento subjetivo. Uma característica que nada pode nos dar - exceto nós mesmos. 

O mundo pode dar muitos conselhos. Desses, uma grande parte será superficial e/ou incompleto. Cabe a nós extrair o significado de cada ato a atitude exterior. Esses conselhos não apontam para a meta suprema - apenas, com sua forma de dizer e insistir, indicam sua natureza. Daí tem-se pistas para iniciar um mapeamento do mundo em que se vive. 

Muitos podem se perguntar de onde vêm tantas afirmações fortes presentes nesse espaço virtual. A banca que avaliou o autor classificou uma série de afirmativas vindas do mesmo como "demasiadamente fortes". Eis a resposta: o significado da vida foi sendo edificado em meu edifício conceptual através de numerosas constatações. Rejeições, tons de voz, comportamentos, alterações dos mesmos em contextos diversos, reações a eventos, formas de manifestar dor e prazer, formas de conceber dor e prazer,...Isso começou a formar um substrato valioso, que seria ocasionalmente relembrado e retrabalhado. Revive-se o momento de modos diversos. À medida que a linha do tempo se desdobra, é possível fazer avaliação mais precisa, com contextualizações variadas. A personalidade, ao evoluir, adquire noções, e assim habilidade de avaliar de forma mais imparcial e madura. 

Volume escrito nos últimos anos de vida
terrena do autor. Aqui um velho se dobra
sobre seu passado, confirmando as
intuições do início de sua jornada.
Livro fantástico - autor ímpar... 
É normal usar de apoio um grande evento pessoal, próximo no tempo - e intenso na sensação - para permear os escritos. O evento do dia 21/12 trouxe mais confirmações da Lei que tudo domina. Assim a segurança do autor aumenta em paralelo à sua liberdade de imaginação, ousando se lançar a terrenos inexplorados, fazendo uma varredura mais impetuosa e eficiente dos elementos de que dispõe. Logo, é normal retomar temas antigos, já tratados aqui - mas com uma visão mais sintética, capaz de alçar quem está correndo os olhos pelos cadáveres literários (as frases), em busca de algum conceito novo, a um patamar de aceitação. As pessoas estão em busca de um edifício coerente de ideias. Uma ousadia em ver alguém que se despe completamente, revelando suas misérias, e buscando se dobrar sobre si mesmo para realizar a mudança. Eis que termino de reler o volume Um Destino Seguindo Cristo.

Por quê refazer a leitura de uma obra tão longa? Reler algo. Sobretudo um autor que tanto escreve (Ubaldi), revoluteando incessantemente assuntos que poderiam ser abordados com maior rapidez. Pois eis que nove dias atrás obtive uma pista do que essa irresistível atração pela Obra pode significar.

O autor foi classificado como "prolixo" por um dos membros.

Vejamos a definição oficial do termo:

prolixo
/cs/
adjetivo
  1. 1.

    que usa palavras em demasia ao falar ou escrever; que não sabe sintetizar o pensamento.

    "escritor p."
  2. 2.

    cansativo por estender-se demais no tempo; que tende a arrastar-se.

    "discurso p."

De fato, em relação a outros, o volume de palavras, frases, orações, páginas é maior. Mas esse blog não trata de sintetizar um pensamento. Ao menos não no sentido em que se conhece. Trata-se de transmitir um sentimento usando os meios do mundo - que, sejamos sinceros, são muito limitados. Já tratei dessa limitação (gramatical), através do lançamento de um manifesto [1]. Esse sentimento (intuição) é um pensamento diverso daquele que se conhece. Ele está liberto das amarras da formalidade. Das limitações do espaço e do tempo. Das convenções sociais e acadêmicas. Ele é um pensamento que não segue cultos e não reverencia nada tangível. É um pensamento que não pode ser capturado pela superfície. É oculto aos instrumentos - por mais sofisticados que sejam. É algo que se revela àqueles que não desejam deflorá-lo. É um quid do ponderável que se traduz num respiro de um imponderável misterioso e potente. Um imponderável acima das limitações humanas: medo, esperanças, alegrias e dores. 

A vida orgânica iniciou-se há muito tempo.
Chegamos ao ápice em termos cérebro-cêntricos.
É hora de iniciar a escalada psico-cêntrica.
Quem opera no (e em prol do) Infinito, esquece-se das formalidades. Das restrições temporais. 

Eis que o presidente da banca, ao final das críticas, deixa passar uma chispa de sentimento em relação ao candidato, afirmando que "é difícil passar um conhecimento superior em poucas palavras quando se está fazendo isso pela primeira vez."

É o processo normal. Quando o infinito (na forma de intuição) pousa no terreno do mundo, finito, é normal que sua manifestação se dê de forma relativamente desordenada, com grande carga de palavras e discursos intensos, permeados de paixão. Trata-se de uma primeira aproximação. Haverão outros que irão desenvolver uma linguagem mais eficaz. Uma gramática mais evoluída. Não simbolicamente, mas evolutivamente. 

A maturação das almas fará com que a biologia se torne cada vez menos orgânica e mais psíquica. A vida, com as experiências, tende a se tornar cada vez mais abstrata, intangível, leve, integrada, unificada. Capaz de lidar com mais contradições. 

Eis que a parapsicologia tende a se tornar objeto de maior interesse para aqueles que exauriram todas as possibilidades do mundo de forma intuitiva, em lampejos rápidos que fornecem o desenvolvimento dos métodos e sistemas do mundo, revelando a falência dos mesmos. 

parapsicologia
substantivo feminino
  1. ramo da psicologia que estuda fenômenos que parecem transcender as leis da natureza, tais como a telepatia, a premonição, a psicocinese etc.

Através da intuição - um fenômeno parapsicológico para a ciência atual - Pietro Ubaldi obteve a síntese do processo evolutivo, delineando a grande linha mestra da evolução. Essa pode assumir múltiplas formas, a depender das escolhas pessoais, do contexto e da constituição genética do ser. Mas a Lei é sempre una.

Há anos foi escrito um ensaio a respeito das três inteligências [2] e seu papel no processo evolutivo. Agora a percepção se torna mais madura. A vivência e a releitura permitem esse aprofundamento. As mesmas palavras, percepções diversas. Cada vez mais intensamente, sente-se o canto da vida e a potência do pensamento de Deus, que guia o caos relativo deste mundo com maestria que desconhecemos. Assim admira-se cada vez mais a Sua obra.

Assagioli (1888-1974) confirma
cientificamente as experiências de Ubaldi.
Este confirma experimentalmente as
teorias do cientista da mente.
O humilde professor da Umbria classifica três planos a personalidade humana:

"Podemos, portanto, ter uma distinção não só estrutural mas também dinâmica, o que nos permite traçar os três planos nos quais a personalidade humana pode funcionar e os quais ela, segundo um esquema preestabelecido, deve atravessar na sua evolução. Nesta classificação, então, o involuído encontra-se situado no primeiro grau; o tipo médio normal, no segundo; e o evoluído, no terceiro. Eles mostram de fato as seguintes características: 1) O involuído, no nível subconsciente, manifesta-se no campo da matéria, como corpo e senti-dos; 2) O tipo mediano normal, no plano de consciência média, manifesta-se no terreno da energia, como vontade e ação; 3) O evoluído, no âmbito do superconsciente, manifesta-se no campo espiritual, como intelecto e pensamento."
(Um Destino Seguindo Cristo, p.293) (grifos meus)

Podemos de modo grosseiro associar o involuído a alguém dominado por tamoguna; o tipo médio, aquele cujo centro de gravidade esteja em rajoguna; e o evoluído, o ser que tenha predominância de sattvaguna

Uma análise minuciosa e sincera de nossa personalidade nos permite fazer uma auto-classificação. Perceber-se-á que o grosso das amostras se encontra no mediano normal. A vontade e ação movem as pessoas. Demonstração de força, autoridade, desejo de resposta, de estar certo, de garantir a vitória do grupo do qual faz parte,...tudo características do tipo médio. É muito difícil se desprender desse tipo de mentalidade. Deve-se ter uma técnica, aliada a estofo espiritual, que pode se traduzir como uma ousadia inteligentemente conduzida [3].

A descrição dos comportamentos dá uma ideia clara, que concatena as três inteligências: o instinto (subconsciente), a razão (consciente) e a intuição (superconsciente). A ciência está por descobrir que o inconsciente não apenas tem um domínio enorme sobre a vida consciente atual, mas se subdivide em dois: um superior (super) e outro inferior (sub). O primeiro é a natureza automática, o passado consolidado, os (inúmeros) vícios e (raras) virtudes consolidadas na alma. O segundo é um senso do porvir, um apêndice que se projeta para o futuro, o ideal, o alto sentimento.

Diagrama do ovo (de Assagioli).
O trabalho do ser consiste em trazer cada vez mais o superconsciente para a região do consciente, assimilando-o, e assim operar de forma desperta sobre temas que facilmente se perdem no mistério. Esse trabalho contínuo se sedimenta com as vidas, passando a fazer parte de nossa natureza. Assim nos melhoramos - e melhoramos o mundo. Construímos a personalidade através dessa fluxo entre essas três regiões. Capta-se do super (inspiração) para se trabalhar no mundo (intelecto). Esse árduo trabalho pode criar obras concretas. Mas elas se desfazem no desdobrar do tempo. O que importa é a experiência adquirida. Aquela que crava no subconsciente, enriquecendo-o. Por isso cada momento é importante em nossas vidas.

Deus não mede nossa grandeza com a mesma régua que usamos para dar valor às coisas exteriores. A Ele só interessa a intenção, o esforço e a orientação. Tudo mais é dado de acréscimo - se precisarmos.

"Com isso, temos as seguintes posições:

1) O involuído não é controlado pela razão, sendo instintivo, impulsivo, emotivo, sugestionável e receptivo, apenas registrando impressões e experiências.

2) O tipo médio normal não é mais dirigido apenas pelos apetites nem movido automaticamente por atrações e repulsões, em função de prazer ou dor, mas também raciocina, calcula, prevê, dirige, organiza e atua. Todavia, muitas vezes, ele se deixa usar como instrumento colocado a serviço do nível inferior, do qual realiza os impulsos. Ele é o meio realizador, adaptado à ação. Pode, excepcionalmente, seguir os impulsos do nível superior, fazendo-se dirigir pelo superconsciente em vez do subconsciente.

3) O evoluído, no ápice da escala, por visão interior dos princípios diretivos, possui o sentido da orientação e é levado a dominar os outros dois termos, para fazê-los avançar, procurando superar o subconsciente instintivo e dirigir o consciente racional. Assim, coloca tudo em marcha no caminho da evolução, reduzindo o corpo (animal), que passa a ser apenas a parte material, e transformando a vontade (ação) em meios para chegar a um plano de existência superior. Neste terceiro nível é o anjo que deseja substituir-se ao animal."
(Um Destino Seguindo Cristo, p.293-294) (grifos meus)

Isso explica o porquê de nossa atual civilização ser incapaz de superar seus problemas sistêmicos. Todas construções econômicas, políticas e culturais se apoiam na substância do tipo dominante, mediano, cuja meta suprema é o conforto material, o bem-estar, as alegrias de superfície, a sensação de prazer e domínio - mesmo que em plano mais sofisticado do que o do selvagem. 

É mister superar a natureza presente para edificar uma nova civilização. Para chegarmos ao outro lado de forma mais coesa. 

Quanto mais evoluído se é, mais envolvimento no processo e menos busca de resultados. Porque os horizontes de tempo se tornam vastos, fazendo com que as vivências cotidianas, com suas vitórias e derrotas, tenham um valor por demais relativo, diminutas face às grandes questões cósmicas. E assim nos tornamos capazes de dominar a construção da nossa personalidade. Os véus pré-vida e pós-vida inexistem. Seus tecidos se tornam mais tênues. As transições mais suaves. Sabe-se que a verdadeira vida é uma só e a descida neste mundo representa provas de tormentos variados, que o evoluído usa para engrandecer o espírito, edificando-o. A consciência dilata com o uso eficiente da dor.

É por esses motivos que quem atingiu um grau de maturação suficientemente alto mantém a calma interior em momentos de grandes pressões. Sua preocupação não está nos "ganhos" e "perdas" - aspectos transitórios que nada revelam da verdadeira natureza. Vive-se a todo momento e integralmente a essência das coisas. O envolvimento é total. A sinceridade, um dever. Tudo é justo. Se ocorre algo inesperado, de grande abalo, mantém-se a calma. Pois algo melhor pode estar sendo preparado a partir de um golpe momentâneo. Somente pode fazer afirmações de tal força quem viveu o fenômeno. Caso contrário, escrever é uma atividade vazia.

O mundo é repleto de bela literatura e pobre de vivência. A beleza de superfície nos engessa. Com o tempo, enjoa. A vivência buscada é de um bem-estar, de "se garantir", de obter o máximo de prazer sem que os outros percebam. Assim ela se empobrece, pois deve estar se vigiando a todo momento, maquiando-se, ocultando intenções, complicando coisas simples. É o pavor de ser desnudada! Assim ela se torna pobre. Pobre porque débil, incapaz de se lançar a buscas mais profundas. Sem ousadia inteligente. Sem vigor evolutivo...

Enquanto as palavras desse espaço não forem sentidas na medula, e aqueles que lerem não se iniciarem na prática, comprovando por si mesmos a potência da Lei de Deus, esse espaço não terá cumprido sua função, que é ajudar a humanidade a evoluir. 

Referências:
[1] https://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2018/08/manifesto-por-uma-gramatica-sem.html
[2] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2014/06/instinto-razao-e-intuicao-as-tres.html
[3] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2013/12/aconquista-de-aqaba-importancia-da.html

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Um Salto de Fé

O ano finda com a conclusão de um ciclo. E com muitas constatações.

No último dia letivo da instituição onde o autor realiza seus estudos de doutorado, este apresentou o seu trabalho final. A trajetória foi permeada de momentos muito distintos, ora tormentosos, ora tranquilos. Progressos momentâneos - paradas longas. Uma jornada de três anos e meio regada de incertezas, dúvidas e vontades. Um caminho fora do comum, com resultados inexplicáveis. Principalmente considerando-se que a inteligência do viajante se encontra muito mais desenvolvida no campo intuitivo-sintético do que no racional-analítico. 

O resultado final pode ser encarado como um atestado de veracidade do que vem sendo constatado nos últimos (quase) vinte anos pelo autor. 

Essa é uma história longa em seus dramas - curta em seus ímpetos
Sincera em sua busca - astuta em seus pronunciamentos. 
Suave por dentro - feroz por fora. 

Desde o início o ser se apercebeu de que estava dando um salto em regiões ignotas, se propondo a iniciar um processo com duração delimitada, desafios crescentes e incertezas intermitentes. A cada passo que se buscava delimitar um tema, surgiam limitações. Não havia muita ajuda. 

O primeiro passo consistiu em cumprir o que não exigia originalidade. As disciplinas eram feitas. Estudo e dedicação. Nada ao que o nosso protagonista não estava habituado. Sua vida era solidão e trabalho. O que significava dedicação à família (solidão social) e maturação psíquica (trabalho interior). No fundo nada mais lhe interessava. Não se preocupava com os resultados - apenas se envolvia no processo. Com calma ia cumprindo requisitos. O tempo progredia no mesmo ritmo. E em pouco tempo cumpriu as obrigações presenciais. Restava-lhe o desafio de ter uma ideia.

No topo das alturas do mundo, a tranquilidade
deve reinar. É aí - e assim - que se pode fazer
o contato com o Alto.
Durante um ano inteiro essa ramificação da vida ficara estática. Nenhum avanço exterior. No entanto, a mente fervilhava. O que fazer? Como inciar? A quem recorrer? De onde buscar inspiração? Havia inciado algo que julgava estar muito além de suas capacidades. Não sentia a materialização de algo substancial. Mas ainda assim tinha iniciado esse caminho. Sabia que algo haveria de ocorrer, de alguma forma - mesmo que caoticamente. Agradava ao nosso protagonista concluir com proveito tudo que iniciava. 

Em agosto de 2017, num jato, ele escreve um documento de proposta de tese. Elabora a apresentação e anuncia ao seu orientador. Apresenta para uma banca de três (orientador mais dois membros) no mês seguinte. O documento estava pobre, sem detalhamentos, com poucos elementos tangíveis. "Estratosférico", na definição de um membro da banca. De fato estava. Mas não havia nada a fazer: era o máximo de "detalhe" que um indivíduo sem plano esquematizado poderia fornecer. Passou.

Passado quase um ano (junho, 2018), foram feitos alguns progressos. Fazendo tudo por conta própria, com pouquíssimo apoio de qualquer meio terreno, o autor conseguiu fazer um esboço de um trajeto que poderia ser algo relevante. Anunciou seu desejo de adiantar uma defesa preliminar ao orientador. Este, de tão distraído que era, aceitou. Apenas após a data ser acertada que se deu conta de que era uma pré-defesa (e portanto fato muito sério). Mas não havia mais volta. O autor sentia ter dado um salto de fé, se colocando em terreno arriscado. No entanto apresentou e passou. Era início do mês de julho, 2018.

As promessas feitas naquele dia travaram as possibilidades de manobra. As circunstâncias iriam se demonstrar cada vez mais limitantes. Havia uma atmosfera de urgência muito sutil, que o autor sentia com uma intensidade gritante. "Você ainda tem muito trabalho pela frente", alguém lhe disse. Ele tinha plena consciência disso. O processo entrava em sua fase final. 

Os cinco meses seguintes foram um turbilhão exterior combinados com uma perseverança interior férrea. No semestre têm inicio um novo curso de pedagogia - à distância, mas trabalhoso. Soma-se a isso um semestre repleto de aulas, com provas e listas a serem elaboradas e corrigidas; turmas ensinadas; trabalhos sugeridos e marcações de presenças. Turmas e disciplinas distintas, níveis diversos. Isso sem contar as reuniões e demais obrigações institucionais. Mesmo assim manteve-se um ritmo na geração de ideias, que se fincaram como textos no espaço virtual do nosso bandeirante do pensamento e da paixão.

Do início de julho até o final de outubro, não houve um momento de paz. Todas as forças estavam direcionadas para resolver esse problema. Sua meta era defender e ser aprovado até o final do ano. Não tinha nada para isso - exceto a determinação e o sonho. Era o que bastava. Pôs-se a trabalhar. Manhã, tarde e noite. Fins de semana. Feriados. Qualquer momento era usado para mergulhar na resolução de seus problemas. A ajuda do mundo pouco o amparou.

O viajor solitário sempre tem uma centelha de luz
interior que lhe dá segurança no meio das trevas do mundo.
Todos olham de longe e não veem o drama. Apenas quem mergulha nos detalhes da criação percebe a dor tremenda que é avançar em terreno novo. Ler artigos, pensar, reescrever,...Reler e imaginar outros caminhos. Um trabalho solitário - e por vezes ingrato. Mas à medida que avança vão saindo centelhas de luz. Elas vão permeando o documento. Ficam diluídas num mar de descrições. Estão ocultas. Mas está tudo lá, implícito. Porque a ordenação cabia a outro (àquele que deveria orientar).

O início de novembro trouxe um ímpeto sem precedentes. Os avanços começaram a ser além do normal. Houve pressa, mas com o cuidado de não afetar profundamente a produção. Forças externas estavam aumentando sua intensidade. A pressão psicológica causada pela degenerescência do sistema político, capturado por um grupo que encarna a pior das ideologias, se torna cada vez mais uma realidade próxima. Os requisitos estabelecem restrições cada vez mais estreitas. Deve-se fazer muito além da conta - apenas para manter a posição.

A falta de auxílios por parte dos grupos obrigou o nosso protagonista a desenvolver praticamente tudo por si só. Mas ele não era suficientemente preparado para desenvolver algo com tamanho rigor. Mas mesmo assim ele estabeleceu uma meta e se esforçou. Durante cinco meses não houve tempo para respirar. As aulas consumiam suas energias. Desafiavam seus nervos. O novo curso de pedagogia, em seu início, demandava tempo de leitura, reflexão e escrita. Era preciso organizar seu tempo, aproveitar as brechas e resolver o que estava lhe travando.

De forma caótica, foi sendo trilhado o caminho. O principal era organizar o que estava sendo feito, deixar claro o que era seu e o que era dos outros. A formalidade era essencial. Justamente para aquele que tinha um ímpeto de descarregar palavreados que transbordavam de intuição, sentimento e elevação. Um trabalho titânico se restringir às férreas fronteiras do mundo! Para o autor tratava-se de um processo muito laborioso.

No campo racional-científico, ele estava dentre os privilegiados. Uma elite de 1% que tinha as condições culturais, intelectuais e cognitivas. Seus alunos o consideravam inteligente. Mas no mundo em que ele estava pleitando um título (de doutor), ele se via diante da elite da elite. O centésimo do centésimo da intelectualidade, cujo rigor era indescritível. Aí ele era uma simples criatura, cheia de dificuldades. As amarras da formalidade lhe dificultavam o desenvolvimento. No entanto, no mundo intuitivo-sintético, a situação era bem diversa.

Muitos já lhe disseram - com insinuações, indiretamente...com os olhares sobretudo - que era extremamente inteligente. Mas não do modo convencional. Tratava-se de uma inteligência de tipo diverso. Que não deveria ser revelada abertamente às pessoas, sob risco de ofendê-las. Sob o perigo de acharem que se tratava de um ser que, inerme na elite do campo intelectual, queria criar uma justificativa para se eximir do trabalho de se esforçar no plano racional. Não era o caso: o autor se dedicou exaustivamente ao longo do segundo semestre de 2018. Para dar uma coesão ao que estava sendo feito. Era não apenas um esforço, mas uma ânsia de melhoria de qualidades terrenas. Isso lhe movia.

No início de novembro iniciou-se o processo de documentação final. Daí em diante o desenvolvimento seria vertiginoso. A urgência de apresentar seu trabalho até o fim do ano (se possível) era imensa. Desejava terminar um ciclo por sentir que outros estão prestes a surgir.

Um grande alívio numa frente só se dá quando existe uma vontade de continuar a senda do progresso. Àqueles esforçados, que jamais param no acostamento da grande via evolutiva, Deus reserva os acontecimentos mais fantásticos.

Anuncia ao seu orientador a intenção de defender sua tese. Deixa claro e mostra o que foi feito. E começa a preparar tudo para o grande evento. Ensaios, ajustes, esclarecimentos, marcações de data e horário. Tudo feito do modo mais rápido e prático. Conseguiu uma data: 21 de dezembro. O último dia letivo do ano na instituição. Era tudo ou nada.

Após uma longa viagem, chega-se à ilha.
Um lugar com novos desafios. Porque a busca
é infinita neste mundo finito.
Após ensaiar e enviar o documento para os membros da banca, parece que tudo deve correr bem.

Eis que na quarta-feira, antevéspera da apresentação, seu orientador lhe envia uma mensagem de urgência, dizendo para comparecer imediatamente à sua presença. Quando se vê diante do homem, observa um ser impaciente e desesperado. Um dos membros da banca (recomendado por ele próprio) estava questionando a originalidade do trabalho. "Não conseguiu encontrar nada", dizia. Pediu para o autor dizer rapidamente, em poucas palavras, qual era sua contribuição. O autor falou. Ele questionou: "mas eu posso fazer isso dessa forma (descrevia)". "o que há de novo então?". E o autor explicava, pacientemente. Mas o homem estava agitado e se irritava com a paciência de seu orientado. 

"Você me dá um trabalhão. E ainda assim, permanecendo calmo...me deixa ainda mais nervoso!"

O autor ficou um pouco confuso, mas logo se deu conta: o homem estava se deixando dominar pelas circunstâncias. Não tinha uma Fé integral, como seu aprendiz. Este, acontecesse o que devesse acontecer, estava de consciência tranquila. Ele não tinha o que temer externamente, porque sabia que sua fortaleza interna era inexpugnável a esta altura.

Por que tanta tranquilidade diante da ameaça de que dois anos de esforço contínuo pudessem ser jogados por água abaixo?

Primeiro: desde o início o autor deixou claro o que estava sendo feito, e buscou auxílio e conselhos de seu orientados (que não fazia questão de se preocupar).

Segundo: os problemas que surgiram foram enormes, sendo que ninguém - nem sequer o especialista no assunto, que trabalha há 18 anos com o tema numa grande empresa de desenvolvimento de aeronaves - foi capaz de solucioná-los. Daí surgiram várias ideias.

Terceiro: à medida que fazia o trabalho de implementação, iam surgindo ideias para diagramas. Novas sistematizações. Requisitos de processo. Diagramas dinâmicos inter-ferramentas. Lá e cá surgiam chispas de originalidade. Apesar de diluídas num texto ("monumental" e "belíssimo", segundo o próprio orientador, antes de receber a crítica do membro da banca...), estavam lá.

Dessa forma a confiança era total. Quem estava sendo ameaçado de não conseguir o título estava nas profundezas da tranquilidade. Aquele que sofreria um golpe bem menor, tendo uma pequena mancha no nome, estava na crista das agitações das ondas de opiniões alheias. Tamanha era a desproporção - o que demonstrava quem tinha a real percepção das forças do Alto - e como elas funcionavam de fato.

Ambos vão à presença do dito cujo que não via originalidade. Lhe explicam. Ele fica um pouco mais convencido. Ressalta que o autor é prolixo (escreve demais e diz pouco). Ubaldi também é definido assim por muitos. Mas às vezes é preciso despejar muito para transmitir alguma impressão diversa. Cabe ao receptor ter a sensibilidade psíquico-nervosa para captar a ideia fundamental. 

O autor entra e sai tranquilo. O seu mestre entra agitado e sai um pouco mais aliviado. "Viu como as pessoas são diferentes?", diz ao seu aluno, querendo mostrar como imprevisibilidades surgem. O autor observava tudo de forma muito serena.

Milagre não se espera - se cria!
(Miracolo non ci aspetta - si crea!)
A Lei permeia tudo. Sempre está aí. Resta a nós
criar a condição ideal para sua atuação.
Na sexta-feira ele comparece ao local acordado. Abre a sala e liga sua máquina. As pessoas vão chegando. Nos momentos que precedem o grande evento, o nosso protagonista responde algumas perguntas feitas pelo orientador direcionados a alguns membros. Era o teatro para tranquilizá-los. Ou melhor...para tranquilizar o próprio orientador...

A apresentação se deu sem nervosismos. O passo final era receber as críticas. Essa segunda etapa foi mais formidável.

O confronto entre o velho mundo, consolidado, sistematizador e formal; e o novo mundo, sincero, sério, intuitivo e impetuoso, ainda sem as forças terrenas plenamente maduras para se colocar como força séria, era evidente. Não se tratava de vencer alguém, mas de mostrar que desenvolvimentos diversos eram também válidos.

Num momento as críticas são rebatidas. O autor justifica o porquê de certas escolhas, deixando no ar a dúvida do real sentido de certas formalidades engessantes. Há uma linha muito tênue entre ideal e mundo, que se rompida poderia significar a queda de um único ser: o aluno. Mas este jamais desrespeita ou deixa de acatar sugestões. Apenas quer compreender.

Toda sua vida vem sendo uma tentativa titânica de agradar aos outros. Evitar conflitos. Mas sem jamais dobrar seus princípios, seu modo de ser. Como sua natureza era extremamente diferenciada, tratava-se de um equilíbrio fora do normal. As habilidades deveriam ser imensas, e operar em conjunto com uma paciência enorme e uma criatividade sem igual.

Foram quatro horas dentro de uma sala. 1 de apresentação - quase 3 de questionamentos e observações. Finalmente, sai da sala como mestre e volta, meia hora depois, como doutor.

O que se apreende daí é que a Lei de Deus é uma realidade positiva, que atua de forma invisível e sutil. Logo, a graça é do Criador - o esforço da criatura. É mister haver os dois. Uma co-participação intensa e duradoura garante que as forças do Alto conduzam o processo e providenciem o necessário ao filho que se esforçou, crescendo em várias direções - mas jamais se esquecendo de que tudo já está decidido no em outras regiões.

Foram dados vários saltos de fé. Em momentos cruciais, o autor teve a coragem de se expor. Teve a sinceridade de ser transparente. Teve a seriedade de compreender a trabalhar no regime do mundo. Teve a inteligência de mergulhar nas intuições e traduzi-las em algo sistematizado, formal, reconhecido pelo mundo.

Essa é uma história de vitória relativa. Uma vitória que se consome, diminuindo-se para preparar criações maiores, mais majestosas e integradoras, em campos não explorados. Uma história sem início nem fim no nosso universo físico, preso às dimensões do espaço-tempo. Uma trajetória sem igual, que cada vez mais se vê em sua pequenez - e por isso se torna mais obediente ao Alto. O devenir de um espírito que tem pressa em se transformar, com o desejo de se consumir na horizontalidade das quantidades para se potencializar na verticalidade das qualidades.

Para quem vê o infinito e já o sentiu através de sua vivência na dor e incertezas mundanas, todas derrotas e todas vitórias são relativas. Ambas, adequadamente encaradas e aceitas em sua real ordem de grandeza, ajudam o Ser a evoluir. 

Quando o mundo começar a perceber a realidade do espírito, tudo irá mudar - efetivamente.

sábado, 15 de dezembro de 2018

El Cid: O mais Nobre dos Súditos

O Cinema possui uma função biológica importante. Dentro do rol das Artes, é a última a nascer. É a Sétima. Sétima Arte. É mercantilizável, massificável, plastificável além da conta. Não é, como o Teatro, a arte do ator, mas antes a do diretor. O cineasta é o centro nervoso que desenvolve uma obra cinematográfica, se articulando intimamente com o roteirista, aquele que gera a alma do filme, o compositor, que pincela a trilha sonora, dizendo o indizível, e edita o filme, dando-lhe a forma que mais próxima se encontra de sua imaginação. É como um escultor, que desbasta o mármore para obter seus anjos. 

Cineastas e elenco de grande envergadura sempre houveram. E graças a tecnologia cinematográfica, pôde-se criar e repassar ao mundo obras fantásticas. Filmes que versam sobre personalidades fora da curva, acima da normalidade. Casos de super-normalidade, como diria o místico da Umbria. Assim aqueles que anseiam por uma fonte de inspiração podem ter algum combustível espiritual à altura de seus anseios mais íntimos e fervorosos. Podem encontrar algo que lhes dê significado, e revele os aspectos mais substanciais daquelas grandes personalidades que pontuam nossa história multimilenar. 

Charlton Heston como El Cid.
Em poucos anos, inúmeros papéis
grandiosos. Moisés, Judah Ben-Hur,
El Cid,...O ator tinha jeito para
incorporar personagens sérios e
sinceros.
Nos anos 50 e 60 Hollywood produziu um conjunto de filmes épicos à altura de sinfonias de Beethoven, noturnos de Chopin, pietàs de Michelangelo, miseráveis de Victor Hugo e muitas outras beldades estéticas que apontam para potências metafísicas. Isso se deu graças à conjunção de diversos elementos, cuja particularidade que lhes era característica lhes imprimia um senso de dever - uma certa obrigação - de cumprir um destino e apresentar ao mundo, de forma espetacular e intensa, as personalidades mais fantásticas citadas pelos livros e estudadas por uns poucos. O Cinema assim se torna ferramenta de forças superiores, que vão além da compreensão dos realizadores, que  possuem um ímpeto de criação fora do comum. Nenhuma circunstância mundana impede a manifestação elegante do que deve ser impresso.

Anthony Mann (1906-1967) nos apresentou o cavaleiro Don Rodrigo Díaz de Bivar, que passou a ser conhecido como El Cid (O Senhor). O título que permeou a mente e coração de todos espanhóis, cristãos e muitos mouros (entre outros), é infinitamente maior do que sua linhagem nobre. 

O filme cria a atmosfera desde o princípio, com a típica Overture, acompanhada da trilha sonora impecável de Miklos Rozsa. O homem é apresentado. Seu caráter. Sua atitude. Sua determinação e seriedade são postas à mesa. E as provas são lançadas. Inicialmente pequenas, e portanto contornáveis pelos métodos do mundo - especialmente para os poderosos. E posteriormente, crescendo, ficam cada vez maiores, sem chance de desvios. Mas o personagem não se desvia dos altos princípios que regem um cavaleiro - no verdadeiro sentido da palavra. É uma exceção que sabe lidar com as podridões do mundo.

Charlton Heston interpreta o lendário cavaleiro. Sophia Loren, sua esposa. Os planos do herói, já determinados de antemão, acabam sendo desviados devido à sua determinação em seguir princípios dos quais não podia abdicar. E eram (são) princípios que ninguém deve de fato largar. Mas o mundo não o compreende - mesmo aqueles mais próximos, queridos, amados - e causa dores àquele que é destemido e persiste. Assim deve-se ter um trabalho dobrado, triplicado às vezes. As frentes se somam. A vontade se multiplica. A criatividade se exponencializa. E assim a glória é garantida desde o princípio.

Pronto para tomar Valencia. Início do processo de
expulsão dos mouros da Espanha - e todo continente. 
O resultado de algo está contido em germe na personalidade do ser. Explicitar a potencialidade, a partir de certo ponto (ou fase) não é mais esforço doloroso que visa recompensa, mas é alegria em si mesma, permeando todo o processo. Processo este glorioso, de ascensões vertiginosas cujas causas escapam à compreensão do tipo médio. 

El Cid é um homem que não teme enfrentar o que se apresenta diante de si. Não esquematiza confrontos pela glória de títulos, gratuitamente, mas desemboca neles por princípios de fé e senso de retidão. É o mais nobre dos nobres. O único nobre dentre os nobres! É um personagem que transmite segurança e seriedade. É isso o que sentimos com a atuação de Charlton Heston ao longo de todo filme. 

É emblemática a cena em que Afonso (por motivos muito ocultos) acaba se tornando rei de Leão, Astúrias e Castela. Pede que todos súditos se ajoelhem em sinal de lealdade. Todos se ajoelham, exceto Rodrigo, que não teima em pedir ao novo rei um juramento confirmando que não tomou parte de um complô objetivando a morte de seu irmão mais velho. O rei hesita, mas se vê diante do julgamento inconsciente das massas e dos poderes próximos. Teme sua imagem e seu reinado. Rodrigo não hesita, porque quer a resposta à sua inquietação. Resposta que muitos - se não todos - querem, mas tem medo de se manifestar. Faz o trabalho que todos deveriam fazer. Faz portanto o trabalho dos outros. Peso enorme em suas costas. Apenas um espírito de grande envergadura pode tomar essa atitude. 

Ao contrário do que possa parecer, o foco não é denegrir a imagem dos islâmicos, mas revelar um homem que unificou um povo, aceitando qualquer pessoa, de qualquer etnia e religião, disposta a lutar para a libertação. É uma história de determinação e desafios. De picos e vales. 

Será a história de todos nós - de outra forma, em outro tempo, em outro lugar...


Hipatia: a mulher que afirmou o porvir

O progredir da humanidade é lento. Ele indica que existem coisas a serem melhoradas. Essa melhora implica em retificação. Esse processo de retificação é doloroso - deveras. Porque implica em plasmar o interior da própria substância. E esse processo é individual. Ninguém pode dar o passo substancial a não ser a própria pessoa que sofre esse mal (da ignorância). Mesmo que se recorra a estímulos externos: conhecimentos, experiências, informação, títulos, relacionamentos, bens, serviços, etc. Estes podem auxiliar - jamais resolver por definitivo.

A ignorância se manifesta como um câncer maligno. A taxa de difusão é exponencial. Ele cresce em todos sentidos, justamente por ser desordenado (desorientado). E tem uma facilidade muito grande de se consolidar. Por que? Justamente por agir na superfície. As aparências, se manipuladas conforme a natureza do público que as percebe, podem adquirir uma força que torna os próprios sujeitos que recebem a narrativa ferozes crentes de estar com a verdade absoluta - e assim trabalham em prol de planos, maquiavélicos e astutos ao último grau.

Rachel Weisz interpreta a grande
cientista. Seu jeito é adequado.
Fisionomia, discurso e gestos de
acordo.
É difícil para seres que atingiram uma maturação evolutiva inicial compreenderem o porquê de muitas barbaridades ocorrerem de forma tão fluída, sem resistência tremenda das pessoas. Mas se avançarmos um pouco mais (evolutivamente), estaremos diante de um rol de criaturas muito singulares, que não apenas imprimiram no mundo exemplos de heroísmo, genialidade ou vivência, mas que - por causa disso - transformaram-se em seres fora de série. 

Hipatia foi possivelmente a primeira filósofa, historiadora, matemática e professora de que se tem reconhecimento seguro e detalhado. Ela estava muito à frente de seu tempo em vários aspectos. E justamente por isso foi assassinada de forma cruel [1]. Essa contribuição teve talvez como causa inicial o seu pai, Teón de Alexandria, astrônomo e prolífico autor, que permitiu a iniciação de sua filha na área. Mas sua filha foi muito além.

Há indícios de que Hipatia era muito admirada pelos seus estudantes. Era uma pessoa muito equilibrada e avançada para seu tempo. Não tinha preconceitos. Aparecia na assembléia dos magistrados - pois devia crer que é preciso todos participarem da vida pública. Tinha uma habilidade ímpar para falar em público, além de uma sabedoria excepcional, segundo o historiador Sócrates Escolástico [1].

O filme interpretado por Rachel Weisz [2] dá uma ideia da situação caótica de Alexandria no final do século IV. O cristianismo, que até então se espalhara com ímpeto amoroso em meio a dores infindáveis, começava a se espalhar furiosamente. O reconhecimento da nova religião pelo Império Romano colocou o ideal à serviço das engrenagens telúricas. O mundo do poder se apropriava dessa nova visão de mundo para dela fazer o melhor uso possível. Era o fim de um tipo de dominação e o início de um novo, mais adaptadas aos novos tempos.

Um dos feitos mais impressionantes relatados no filme é a sua descoberta no campo da astronomia, poucos dias antes de sua morte cruel. Havia um movimento errante nos astros: estes tinham órbitas que, constatadas pelos sentidos das pessoas na época, não condiziam com as trajetórias perfeitas, circulares, mentalizadas pelos pensadores da época. Havia alguma coisa que não se encaixava. E para descobrir isso foi preciso uma pessoa muito inquieta e disposta a superar o senso comum (de que tudo criado obedecia a formas perfeitas, rigidamente, como o círculo). E foi uma mulher que deu o passo inicial para a consolidação dessa descoberta. Percebeu que a proximidade (engradecimento) e afastamento (diminuição) do Sol com a Terra se dava pelo fato da órbita ser elíptica. O que justificava as constatações sensórias.

Uma mentalidade avançada já sofre nesse mundo. Imagine
se a "dona" de tal mentalidade for uma mulher...
16 séculos antes...
Outro ponto: a filósofa percebeu que a Terra poderia estar em movimento ao redor do Sol - e não parada com todos astros orbitando ao redor. Um experimento num barco conduzido por ela evidencia que essa possibilidade era real, apesar de não constituir prova.

Se estamos nos movendo num trem a uma velocidade constante e lançamos uma bola para o alto, ela irá subir e descer na vertical (para nós). Mas igualmente, em relação ao solo (fora do vagão), ela estará em seu movimento retilíneo. Mas como o passageiro (nós) tem esse movimento em comum com a bola, ele não o perceberá. Hipatia intuiu isso e começou a esboçar a possibilidade de estarmos em movimento.

Foram necessários 12 séculos para que surgisse alguém para comprovar de forma a questão da órbita. Este alguém era Kepler, famoso astrônomo que estabeleceu as 3 leis com seu nome [3].

A dinâmica histórica é impressionante. A História é viva. Ela está em transformação perpétua - mesmo para quem a viveu, seja indivíduo ou corpo coletivo. À medida que nos distanciamos de um evento que nos causou abalo, vamos ganhando uma nova perspectiva do mesmo. Ela se refaz a cada período específico. Assim o que ocorreu, que afeta nosso agir indiretamente, vai se plasmando. E com isso nossos planos, nossa filosofia de vida, nossas metas, mudam discretamente. É uma questão de perspectiva.

Hipatia com o pai, debruçados sobre um problema.
Para um homem chegar a tal posição, era admirável.
Para uma mulher, incrível.
O passado nos influencia porque ele constitui o substrato de quem somos. O subconsciente está para o passado como o consciente está para o presente. Eles não são, mas implicam. Hipatia já era espírito altamente adiantado, em todos termos. Sua habilidade comunicativa, sua ousadia inteligente, seu equilíbrio e suas múltiplas capacidades intelectuais (filosofia, história, matemática, astronomia), aliadas à sua fisionomia bela e serena, lhe garantem um lugar de destaque no rol das grandes personalidades do mundo antigo. 

Mil anos à frente, sofrimento presente iminente. Devido a disputas de poder (político e religioso), a grande mulher foi vítima de morte cruel. Seus algozes foram varridos pela história e estão milênios atrás, a nível de minério. Ela, que viveu o tormento do gênio e teve a morte do santo, se encontra em planos evolutivos inimagináveis, mesmo para você e eu. 

Referências:
[1] https://www.bbc.com/portuguese/geral-46501897
[2] https://www.youtube.com/watch?v=OD2VWJ97Fxg
[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Leis_de_Kepler

domingo, 9 de dezembro de 2018

A Improdutividade da Vivência na Era da Produtividade das Sensações

Estou terminando de ler um livro muito interessante de um economista de 75 anos chamado Ladislau Dowbor: A Era do Capital Improdutivo. Não se trata de um livro contra o sistema financeiro - e sim a favor de fazê-lo operar em prol da economia, cujos fins devem ser o desenvolvimento social, com inclusão dos mais vulneráveis, para que todos possam contribuir para si mesmos e a sociedade - e a sustentabilidade ambiental, para a sobrevivência da espécie. Trata-se de uma obra informativa, que visa apresentar conceitos centrais da economia - e em particular das finanças e dos bancos: sua função e modo de funcionamento.

O primeiro capítulo destaca a dimensão dos desafios. Esses desafios são, de forma geral, econômicos, sociais e ambientais. O primeiro se relaciona às tecnologias, ao conhecimento (especialmente na forma científica) e aos processos produtivos; o segundo se relaciona à distribuição de recursos (tributação, investimentos públicos, filantropia, etc.), políticas de "gastos" sociais (saúde, educação, segurança, etc.), infraestrutura (estradas, saneamento, aeroportos, fontes de energia, etc.) e cultura; o terceiro se associa à questões infra-espécie (humana) e ao sistema-Terra: ciclos biogeoquímicos, atmosfera (gases estufa), acidez dos oceanos, equilíbrios das espécies, biodiversidade, recursos, poluição, fertilidade dos solos, entre outros.

A Figura 1 (extraída do livro) mostra a tendências dos últimos 250 anos.

Figura 1: Tendências demo-econômicas-ecológicas desde o
advento da Revolução Industrial (1750).
Fonte: DOWBOR (2017)
O que se percebe é o seguinte: tudo cresceu - e continua crescendo - vertiginosamente. Extinção de espécies, perda de de florestas, degradação da camada de ozônio, PIB,...O problema: vivemos num planeta finito. Logo, os recursos são finitos. Da mesma forma, a capacidade da atmosfera absorver certos gases e não responder (variações de temperatura) é limitada. Assim como a coexistência (cruel ou não) de espécies garante um equilíbrio natural, sudável que, se quisermos alterar, devemos ver um modo de contrabalanceá-lo com outras ações. É preciso perceber o funcionamento da Terra e da Vida para adequarmos nossos processos de uso a esse substrato vivo, que possui uma inteligência instintiva (plantas, animais) ou física (matéria e energia).

O PIB (Produto Interno Bruto) é a soma dos fluxos de riqueza produzida por um determinado país (ou região ou cidade). Ele quantifica o valor monetário das atividades econômicas. Tudo inserido no circuito econômico é considerado: fabricação de automóveis, construção de casas, aulas, experimentos, venda de comida, eletrodomésticos, pacotes de viagens, tratamentos e consultas médicas, prostituição, venda de armas, engarrafamentos, acidentes,...Como podemos perceber, não é possível dizer que quanto maior o PIB, mais desenvolvido um país é. Mesmo porque muitas atividades "boas" não o são necessariamente: um setor automotivo pujante pode ser responsável por um alto PIB - e seu crescimento. Mas isso pode estar ocorrendo às custas da sociedade, que perde qualidade de vida em engarrafamentos, poluição, acidentes e ineficiências inerentes ao modo de transporte individual motorizado. E só estamos começando.

Outra observação mais atenta revela que um PIB alto pode não significar que a sociedade seja rica (ou tenha condições de sê-lo). Um país como a Índia possui um PIB muito alto (9ª posição, [1]), mas há muitos pobres e miseráveis por lá - apesar de certos avanços. Isso porque, dentre outros fatores, a população é muito alta: dividindo toda essa riqueza pela população teremos o PIB per capita. Nesse a Índia está na 150ª posição [2]. Então podemos ter um país de PIB muito inferior ao indiano (ex: Portugal, 45ª) mas com mutio mais riqueza por cidadão (36ª). Essa é a segunda observação.

Outro aspecto relevante é a distribuição dessa riqueza. O PIB per capita só diz a média. Podemos ter um país de médio ou até alto PIB per capita, mas com muita desigualdade (isto é, muitos miseráveis e poucos riquíssimos). Essa distribuição de riqueza é um dos parâmetros (mas não o único) capturado pelo Coeficiente de Gini [3]. Um exemplo clássico é o Brasil, país com alta concentração de renda que vinha apresentando redução de desigualdade, e que passa a ter um aumento da mesma (2015 em diante) [4]. A Figura 2 retrata a ruptura da tendência de queda de desigualdade. Queda essa que vinha sendo feita de forma muito lenta, - muito aquém do necessário - mas no entanto de forma gradual e consistente.

Figura 2: Nível de desigualdade no Brasil de 2002 a 2017.
Fonte: Oxfam (2018).
Um pouco mais à frente, Dowbor esclarece que não há motivos para a miséria, inclusive no Brasil, país que cujo PIB per capita coincide com a média global:  "Não há nenhuma razão objetiva para os dramas sociais que vive o mundo. Se arredondarmos o PIB mundial para 80 trilhões de dólares, chegamos a um produto per capita médio de 11 mil dólares. Isto representa 3.600 dólares por mês por família de quatro pessoas, cerca de 11 mil reais por mês. É o caso também no Brasil, que está exatamente na média mundial em termos de renda. Não há razão objetiva para a gigantesca miséria em que vivem bilhões de pessoas, a não ser justamente o fato de que “nenhum quadro de referência emergiu para guiar as políticas e as práticas”: o sistema está desgovernado, ou melhor, mal governado e não há perspectivas no horizonte." [5] (grifos meus)

Através de dados objetivos o autor demonstra que a miséria não se deve à carência de ciência ou tecnologia, nem de processos. Ela é pura e simplesmente produto de uma (péssima) política pública, da falta de regulação do sistema financeiro e da - eu diria - falta de informação e consciência de ampla faixa de pessoas. Este último caso se torna grave para aqueles que possuem os recursos, o tempo, a formação - e nada fazem para alterar o estado das coisas. Portanto, o peso sobre minha cabeça é enorme. Mas não posso obrigar outros em situação semelhante ou mais alta de fazer o que devem: eles devem despertar por conta própria.

A porta da consciência se abre por dentro, não por fora - como já afirmou o sábio professor, escritor, filósofo e teólogo Huberto Rohden.


Figura 3: Pirâmide que mostra concentração de
riqueza na forma de patrimônio.
A pirâmide da Figura 3 foi extraído de fontes muito confiáveis, não vinculadas a partidos, religiões ou grupos. Ela dá uma ideia da situação. Se atentarmos para o topo, percebemos que 0,7% da população mundial possui aproximadamente 45% da riqueza do mundo. Aumentando esse 0,7% para 1%, englobando um pouco mais, chega-se a valores próximos a 50%. Traduzindo: o 1% mais rico do mundo possui mais dinheiro que os 99% restante. E essa concentração vem se tornando cada vez mais pronunciada. O que vemos por todos lugares - queiramos ou não admitir - é uma profunda falta de perspectiva contida em cada olhar. As pessoas deixaram de acreditar em grandes ideais, de incorporar grandes projetos, de crer no semelhante. Isso tem implicações profundas. Na verdade trata-se de algo muito grave.

Estamos num processo de realimentação positiva, na qual quanto mais restrito ficam as condições de plasmar o mundo, mais deixamo-nos conduzir pela lógica mórbida, velha, que nos (des)orienta. Compramos, fofocamos, fazemos piadas, direcionamos as responsabilidades para os outros, "nos garantimos" hoje, esquecendo do amanhã, que sempre se torna uma repetição do presente momento - só que cada vez mais restrito, absurdo e sufocante.

Os capítulos 2 e 3 explicam de forma cristalina o que é de fato o poder corporativo. Com esse livro, finalmente podemos dar uma forte sustentação empírica para o que Noam Chomsky vem falando há décadas: o poder corporativo global é a grande ameaça à espécie.

O mundo do poder, delirando com o fracasso de um modelo político-econômico, começa a intensificar a lógica neoliberal, que já estava desenvolvida em germe - e que não fora aplicada com toda intensidade devido a uma força que, apesar de inúmeras incoerências, levantava a bandeira da igualdade social. Assim começa a grande ilusão do capitalismo.

"Em 1989, a queda do muro de Berlim foi vista como o triunfo do capitalismo sobre a economia estatizada. Parecia, assim, que a doutrina liberal era a mais adequada para impulsionar a economia e até mesmo para produzir bem estar social para a população, uma vez que os resultados do chamado “socialismo real” nos países da Europa Oriental foram desastrosos. Em 1999, o então Presidente dos EUA, Bill Clinton, membro do Partido Democrata, sancionou a revogação do Glass-Steagall Act, aprovada pelo Congresso, no qual o Partido Republicano detinha maioria apenas no Senado. Os EUA e o Reino Unido começaram uma “disputa” de quem regulamenta menos (HUTTON, 2008, p. 8). Tratava-se de aplicar, no campo jurídico, a ideologia neoliberal: o Estado deveria intervir o mínimo possível na economia, seja como regulador, seja como fiscalizador." [6] (grifos meus)

Esses movimentos provavelmente foram uma das principais causas da crise financeira de 2008. O fato do mundo financeiro operar com base num PIB virtual que excede em quase dez vezes o PIB real leva a distorções imensas na economia. Não é sustentável sob nenhum ponto de vista operar como intermediador financeiro - isto é, não se trata sequer de intermediar operações comerciais de bens e serviços, e sim operações de transmissão de títulos, na forma de dados eletromagnéticos.

Um filme que entra em nuances sobre a cultura corporativa - em particular, a financeira - e revela como se comporta o poder quando se apercebe da gênese dos monstros (criados por eles mesmos) que demandam um acerto de contas com a economia real, é Margin Call [7].



É particularmente esclarecedor uma das cenas, quando o chefe dos chefes (Jeremy Irons) está conversando com um dos grandes gerentes (Kevin Spacey) de uma dessas corporações. São listadas todas as grandes crises pelas quais o capitalismo passou. Desde meados do século XVII até a última do século XX. De modo que ele está dizendo: "Não se preocupe, o sistema sempre vai existir e nós continuaremos por cima, sem ninguém nos incomodar. Só precisaremos fazer um papel de preocupados, repassar os custos (demissões), a responsabilidade (governos, povo) e garantir que a ideologia dominante permaneça intacta no imaginário das pessoas (neoliberalismo)." E de fato, o que se viu desde 2008 foi a continuidade desse modelo econômico, com essa lógica financeira ainda no domínio.

Começa a se preparar uma nova crise financeira? Pelo que percebo, sim. É natural desse sistema entrar em crises constantes. E sair delas. Mas cada vez pior - ao menos nos últimas décadas. Com uma sociedade cada vez mais pobre, limitada, raivosa; e um planeta cada vez mais reativo, gerando desequilíbrios muito sentido pelas pessoas - especialmente as mais vulneráveis.


O livro de Dowbor explica e explicita os paraísos fiscais, os inúmeros juros extorsivos praticados no Brasil: do comércio, do crédito consignado, do cheque especial, do cartão de crédito, etc. Todos muito além dos limites da civilidade. E demonstra, por meio de dados, que é possível banco ter lucro com taxas de juros extremamente baixas, como em países europeus.

Não é que a o mundo desenvolvido - e em especial a Europa Ocidental - seja um reino de paz e justiça social. Mas ao menos existem diversos mecanismos jurídicos, uma regulação estatal que funciona em certo grau, uma tributação eficiente, progressiva, que taxa o capital improdutivo, e uma proteção social que impede a geração exponencial da pobreza miséria.

No Brasil, toda tentativa de se construir um Estado de Bem-Estar mínimo, inclusivo; e Políticas Públicas de infraestrutura aliadas a uma visão desenvolvimentista, foram rechaçadas rapidamente: Getúlio Vargas suicidado, João Goulart golpeado, Ernesto Geisel retirado (sim, até ele, mas de forma muito suave...imperceptível*), Lula preso e Dilma afastada. Não se trata de pregar santidade de todos, mas de revelar o elo comum entre cada qual desses governos, que era estabelecer um país minimamente soberano, com potencial de inclusão sem romper com a lógica econômica dominante.

Diversas armadilhas são arquitetadas pelos bancos. Quando se trata de empréstimo, destaca-se os juros mensais. Juros que são compostos! Imagine um juro mensal de 2% ao mês e outro de 6% ao mês, rodando ao longo de (digamos) 24 meses. A diferença não é 1:3. Está mais para 1:5 (60,8% versus 304%). Mas o pobre (a maioria do povo, que foi sabotada educacionalmente, dentre outras coisas...) não faz a menor ideia desse mecanismo de juros compostos. E o banco, sabendo disso, ganha vantagem.
Tabela 1: Taxa de juros para pessoa física em 2016.
Fonte: DOWBOR (2017).

Não apenas temos um sistema educacional capturado pela lógica de escravização humana, como muitas instituições omitem informações e não explicam como as coisas se dão. Isso não é apenas antiético. É anti-cristão. Não se trata aqui novamente de roubar para garantir sua sobrevivência. Se trata de espoliar uma massa de indivíduos para garantir margens de lucros crescentes. Dinheiro que não volta para o governo (porque é sonegado), que não gera empregos (devido a automação), que não é investido produtivamente (porque isso demanda tempo e esforço). É dinheiro por dinheiro. Na sua pior versão. A Tabela 1 mostra a desproporção entre ver juros em seu formato mensal e seu formato anual.

Muito mais há de se falar em termos de especificidades. Basta lembrar que o montante desviado em sonegação ultrapassa dezenas de vezes a receita anual da ONU para implementar seus programas de erradicação de pobreza em suas várias vertentes:

"As 28 corporações financeiras classificadas no SIFI (Systemically Important Financial Institutions) trabalham cada uma com um capital consolidado médio (consolidated assets) da ordem de 1.82 trilhões de dólares para os bancos e 0,61 trilhão de dólares para as seguradoras analisadas (p.11). Para efeitos de comparação, lembremos que o PIB norte-americano é da ordem de 15 trilhões de dólares; o PIB do Brasil, 7ª potência mundial, da ordem de $1,6 trilhões. Mais explícito ainda é lembrar que, de acordo com os dados de Jens Martens, o sistema das Nações Unidas dispõe de 40 bilhões dólares anuais para o conjunto das suas atividades. (GPF, 2015)". Fonte: [8]  (grifos meus)

Não à toa a miséria persiste em nosso planeta.

Enquanto as pessoas não enxergarem que o cerne da questão está mais próximo dessas questões - e não de prender fulano, remover beltrano ou destruir ideologias praticamente inexistentes no mundo concreto - a mudança não virá. É mister gerar uma massa crítica.

Quem sabe de tudo isso tem o dever de iniciar algo, independente dos resultados. É preciso trabalhar em prol da salvação da espécie, da forma que se puder.

Vivemos num mundo de pseudo-ciência e pseudo-lógica. Isto é, a partir do momento em que a ciência e a racionalidade entram em confronto com instintos fortíssimos, passamos a moldar os fatos ao invés de aceitá-los. Praticamos de forma primária e precária o que a grande mídia faz de forma pervasiva e inteligente: manipular as massas em prol da lógica financeira. Não à toa a sociedade (os 99%) é impotente para transubstanciar efetivamente o mundo. É mister antes fazê-lo em sua mente.

Muito mais há a se dizer - mas prefiro deixar isso para o Ladislau Dowbor. Assim fica registrada aqui a dica de uma obra que visa explicar como o mundo está funcionando e quais as alternativas (sim, ele dá uma série de caminhos para sairmos do buraco).

Para quem desejar se aventurar, boa leitura, bons estudos e...boa mudança!

Referências:
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pa%C3%ADses_por_PIB_nominal
[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pa%C3%ADses_por_PIB_nominal_per_capita
[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Coeficiente_de_Gini
[4] OXFAM: País Estagnado. Vários autores. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/relatorio_desigualdade_2018_pais_estagnado_digital.pdf. 
[5] DOWBOR, L.; A Era do Capital Improdutivo, p.22.
[6] SILVA, B.M. A Desregulamentação dos Mercados Financeiros e a Crise Global: Lições e Perspectivas. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/191800/desregulamentacaodosmercados.pdf
[7] MARGIN CALL: O Dia Antes do Fim, 2011. Trailer disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8gYR2-ktvxg. Acesso em: 09.12.2018.
[8] DOWBOR, L.; A Era do Capital Improdutivo, p.59.

Observações:
*Para mais detalhes sobre essa questão recomendo assistir a seguinte entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=e-api3qALbY