Do
meu ponto de vista, todo filme realmente digno de entrar para a
História deve ter em sua temática temas universais. Ou seja, para
ser lembrado – devido ao fato de se apoiar numa ideia, num
sentimento, numa concepção de mundo que sempre sondou, sonda e
sondará a mente de seres humanos – um filme (ou uma pessoa, ou um
grupo) deve trazer em si algo que vá além do lugar-comum. O mesmo
vale para grandes feitos.
Em
“Lawrence da Arábia” [*], dirigido por David Lean, um dos
episódios mais marcantes é a conquista de uma cidade chamada Aqaba
(al-ʿAqabah) pelas tribos árabes, lideradas por T.E.
Lawrence. Trata-se de uma cidade costeira no extremo sul da Jordânia
que na época fazia parte do Império Turco-Otomano[**]. Essa cidade
tinha uma particularidade militar que a tornava estratégica para
quem a detinha: ela era litorânea e seu golfo era estreito, e o
único meio de atingi-la (conquistá-la) por terra na época era
atravessando o Deserto do Nefud pelo leste[***], já que todo resto
era de domínio turco, e estes possuíam canhões de
14 polegadas, concedidos pelos seus aliados alemães, apontados para
o litoral (estreito). No entanto, o Nefud tinha uma extensão de mais
de 700 quilômetros, tornando uma viagem de travessia de alto risco.
Ou seja, se tratava de uma fortaleza inexpugnável. Pelo menos à
primeira vista.
Auda Ibu Thay (Anthony Quinn), T.E. Lawrence (Peter O'Toole), e Xerife Ali (Omar Sharif). |
Lawrence,
quando foi enviado para o Oriente Médio, tinha a simples e monótona
função de apenas “avaliar a situação”. Essa tarefa lhe
fora incumbida por seus superiores hierárquicos, apenas
para mantê-lo ocupado – ou seja, cumprir estatísticas. No
entanto, uma mente estudiosa e inquieta jamais iria se conformar com
o lugar-comum. E ninguém aparentemente tinha consciência disso.
Quando
o jovem oficial inglês tem uma ideia que possa resolver o problema
árabe – e sobretudo britânico... – ele é visto como louco e
insensato. “They have 14 inch guns in Aqaba!” (Eles tem canhões
de 14 polegadas em Aqaba!), diz seu colega Sherife Ali (Omar Sharif
no filme) ao ouvir a loucura idealizada pelo inglês. No entanto, a
vontade do inglês suplanta todos medos e incertezas e é levada à
frente. E dá certo.
Um
dos maiores motores de crescimento humano é a OUSADIA. Mas não
apenas ela. Ousadia sem raciocínio não vale muita coisa – é um
ato de loucura sem sentido que deve ser evitado. A ousadia que
estimula mentes e move o mundo e causa admiração é a ousadia
INTELIGENTE. Esta foi a ousadia de Lawrence ao pensar na conquista de
Aqaba.
Se
trata de uma questão bem simples: explorar brechas para atingir um
objetivo maior. Ninguém seria louco de tentar invadir uma pequena
cidade pelo mar quando haviam canhões alemães potentes prontos para
aniquilar qualquer frota que ousasse entrar no (estreito!) beco
litorâneo de Aqaba. Nem Sua Majestade, (os britânicos), com sua
formidável e numerosa e profissional e poderosa marinha, ousariam
isso. Restava um deserto extenso e árido e inóspito – que ninguém
igualmente queria encarar.
Reunião das tribos árabes antes da grande empreitada. |
Quando
se pensa numa travessia de 700 quilômetros numa região desse tipo
os riscos são dos mais intensos e variados – além de
imprevisíveis. O racionamento de água, o calor desumano, o cansaço
físico, o alimento, as tempestades, os problemas de orientação, os
conflitos...Tudo pode causar o colapso. Logo – e sabendo disso
muito bem – os turcos estavam tranquilos em saber que seus canhões
não eram capazes de serem apontados para sua retaguarda. Ninguém
viria por terra, pensava-se. Não só os turcos, como os árabes e os
ingleses acreditavam nisso, reforçando ainda mais a confiança dos
primeiros. E é dessa brecha que Lawrence tomou proveito.
O
“e se...” sempre foi importante na nossa História. É algo que
nos faz re-pensar e re-avaliar situações e pré-conceitos. É um
questionamento proveniente da filosofia, mas que não deve ser de
posse exclusiva dessa. É um ato de filosofar que tende a
permear todas pessoas – independente de sua área do
conhecimento – que tenham desejo de criar algo a mais em seu campo.
Essa foi a gênese do grande feito de Aqaba. E de todos grandes
feitos da humanidade.
É
importante destacar que ações ousadas e inovadoras podem ocorrer em
vários campos e por motivos diversos. Algumas são taxados de
benéficas (para a sociedade); outras, como maléficas (também para
a sociedade). Mas será que essa taxação está correta? (quem no
fundo propaga esse critério de classificação?). Será que essa
classificação de correto/incorreto que é “nossa” não é
impressa em nossa mente de forma inconsciente por meio de uma
conjuntura político-econômica-social? Ao longo de anos, décadas e
séculos...Ao longo de gerações, que só aprenderam a analisar os
fatos sob UM único prisma; ao longo de gerações, que são exímias
analisadoras SUPERFICIAIS de efeitos, propondo soluções
“eficientes” e “imediatas” para os maiores problemas que
sondam a sociedade contemporânea (mas que no entanto ignoram causas
profundas, desconhecidas para o grossa da humanidade atual). Esses
são pontos relevantes que devem ser POSTOS EM PAUTA nos dias atuais
(jamais escondidos, como é de costume).
Deve
haver confronto de ideias a título de se chegar a um modo de vida
mais elevado – para tudo e todos. Sim, CONFRONTO. Confronto
CONSTRUTIVO. Confronto, BEM-INTENCIONADO. Confronto que parte de
intenções e pensamentos HONESTOS. Mesmo que à primeira vista, e
para bilhões de pessoas – inclusive aquelas ditas eruditas,
cultas, estudadas e etc – esse confronto se assemelhe a uma
tentativa de desordem ou uma utopia. Deve-se tomar muito cuidado com
isso, porque seguindo o lugar-comum nossa espécie não parece estar
sendo capaz de resolver os problemas cada vez mais perturbadores e
crescentes. Problemas cada vez mais intensos em nossas mentes e
próximos aos nossos refúgios de sossego.
É
muito difícil nadar contra a corrente de pensamentos que impera
nesse planeta. Mas é algo que deve ser exercitado cada vez mais –
mas lembre-se: de nada vale ser do contra simplesmente por ser “do
contra”. isso deve ser consequência (e não causa) de uma ideia
formada ao longo dos anos, visando atingir progresso do conjunto.
Devemos
nos re-avaliar constantemente e pacientemente.
Eu
venho fazendo isso. E ainda estou longe de chegar ao fim absoluto –
será que ele existe?...espero que não... =)
Esse raciocinio é atualissimo ao discutirmos questões políticas atuais.
ResponderExcluirEsse raciocinio é atualissimo para as discussões políticas atuais.
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