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quarta-feira, 13 de agosto de 2014

É CHEGADO O TEMPO DAS CIÊNCIAS HUMANAS?

O preconceito é uma chaga da humanidade. Parece automático e intrínseco da nossa espécie. Tendemos a tirar conclusões a respeito de qualquer fenômeno, objeto, pessoa, povo ou teoria baseado em poucas e duvidosas referências. E sem querer nada mais – é muito cansativo correr atrás da verdade.

Brincadeiras e diversões podem ser consideradas saudáveis até o ponto em que suas conseqüências comecem a entravar as possibilidades dos outros se manifestarem. Ou inibam a difusão de um pensamento. Ou desqualifiquem um ramo do conhecimento.

Leandro Karnal. Historiador.Professor da Unicamp.
Comentarista do Jornal da Cultura. Apresentou-se
inúmeras vezes no Café Filosófico da CPFL Cultura.
Durante meus anos de faculdade de engenharia tive o (des)prazer de vivenciar o que era a “superioridade” da área da qual eu acabara de me tornar um membro: Engenharia, ramo das Ciências Exatas. Parecia que era nosso dever ter a crença de que a área tecnológica fosse um fim em si mesmo, e nada mais importava. Aliás, segundo alguns docentes (e discentes), alguns departamentos eram um entrave ao progresso do mundo.

Devo confessar que à primeira vista essa sensação existente e transmitida (indiretamente) era algo integrativo e legal. Haviam muitas piadas dos “sub-cursos”: todos aqueles que não eram engenharia. Quanto menos relacionados ao nosso, menor o conceito e classificação no grupo, e mais criativas as piadas. O senso de distanciamento era bem desenvolvido. E tinha um traje sedutor...

No entanto, a partir de um momento, percebi que existiam pessoas – muitas delas “inteligentes”...pelo menos segundo os critérios de avaliação predominantes – que desconsideravam por completo a CONTRIBUIÇÃO (passado), a IMPORTÂNCIA (presente) e o POTENCIAL (futuro) das Ciências Humanas, classificando-as como uma área de “grevista”, “vagabundo” ou de seres “pouco dotados de inteligência” e etc. E a Filosofia igualmente – esta era reservada para aqueles que queriam puxar um fumo e não fazer nada de concreto da vida. As classificações eram várias. O conhecimento do outro lado do muro, quase nulo.

De qualquer forma, essa desconsideração – que não era de todos, vale ressaltar – começou a entrar em choque com minhas ideias e iam contra um processo de maturação interior iniciado na adolescência. Conflito interno. Dúvida. E depois: mais observações.

Arlene Clemesha. Historiadora.
Professora de História Àrabe na USP.
A mentalidade era predominante e continuava. Eu discordava – em silêncio, claro. “Será que eu era louco?”, pensei. “Será que todo processo de pensamento que estava em pleno desenvolvimento dentro de mim não era mais do que uma perda de tempo? Uma ilusão?” Afinal de contas, muitos engenheiros que possuíam argumentos (aparentemente) bem calculados e elegantes tinham o boletim recheado de notas altas (eu era um aluno mediano).

Os anos passaram, eu me formei. E finalmente fui convencido...do contrário. Passei a intuir que as Ciências Humanas e a Filosofia podem (podem) ser o elemento responsável pelo início de um processo evolutivo sem precedentes. O fundamento para a edificação de uma nova sociedade. Algo sem precedentes – o que se julga esgotado pode estar prestes a nascer...basta abrirmos os livros de História. Um processo de unificação.

Mas antes preciso explicar melhor uma cadeia que se esboça na minha mente .

A Tecnologia nasce da necessidade de aplicação das Ciências Naturais.
As Ciências Naturais nascem da Filosofia.

FILOSOFIA → CIÊNCIAS NATURAIS → TECNOLOGIA

Então me pergunto:

O que nasceu (ou nascerá) da necessidade (?) de aplicação das Ciências Humanas?

FILOSOFIA → CIÊNCIAS HUMANAS → ?

O ponto de interrogação pode ser uma mera quimera. Isto é, uma divagação minha, sem sentido algum - inclusive há boas chances disso. No entanto, o (relativo) tempo livre, a (relativa) energia e um (absoluto) impulso interno me levam a expor e desenvolver esse germe de pensamento.

Vladimir Safatle. Filósofo. Professor titular da USP.
Pianista nas horas livres. 
Todo efeito tem uma causa. 

Logo:

Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente.

A inteligência é um atributo do espírito. Daí se deduz que toda criatura com alma possui a dita cuja. Os humanos - em tese - tem o mérito de ser a espécie proprietária das faculdades intelectuais mais desenvolvidas. Chegamos à razão (e uns poucos já desenvolvem a intuição). E basta observar: todo fenômeno que envolve inteligência (humanos) é mais complexo do que aqueles que não envolvem (processos físicos e químicos, por exemplo). Eis o porquê do estudo das ciências naturais ser altamente permeado pela matemática, ao passo que nas ciências humanas, o casamento é mais laborioso. Para quem compreendeu o mecanismo biológico-evolutivo dos seres isso é fácil de compreender.

Pietro Ubaldi (sempre, quase sempre ele...) fez questão de imprimir em suas obras um processo chamado de “construção de grandes unidades coletivas”. Trata-se de uma (re)organização de toda forma de vida. Do micro ao macro. Em ciclos.

Reparem bem: para possuirmos um sistema justo necessitamos de comunidades justas. E para construirmos comunidades justas precisamos de grupos coesos e bem orientados. Justos. E para isso precisamos que cada ser vivo, especialmente os humanos, – por terem a inteligência mais desenvolvida – esteja organizado por DENTRO.

Darcy Ribeiro. Antropólogo.
Desmistificou conceitos em relação à educação
e aos índios no Brasil.
Tudo parte do problema biológico. Um organismo saudável espiritualmente, mentalmente e fisicamente evolui. Quando isso ocorre ele pode começar a atuar construtivamente externamente, auxiliando os demais, mostrando os métodos e revelando as verdades ocultas – mas sempre cuidando para que sua evolução interna continue em processo. Não chegamos ao ponto final (Deus). Logo, engessar jamais.

Por essa razão acredito que as Ciências Humanas, aliadas ao desejo de sociabilidade, serão um dos agentes responsáveis pela gestação de uma nova “tecnologia”. Um modo de atuação que é mais focado em COMPORTAMENTO do que em invenções. Uma invenção interna, pode-se dizer.

Não sou muito de jogos, mas faço esta aposta.

Se errada, tudo bem (é só um texto).


Se acertada, o vencedor não serei eu nem você nem a humanidade. Será o planeta.

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