Existem
duas visões de mundo que se confrontam acerca da palavra "lucro".
Visões antagônicas numa batalha - aparentemente - perpétua. Uma
delas controla os mecanismos econômicos do mundo e convence a todos
- se não nas palavras, nos atos finais - com argumentos
aparentemente irrefutáveis; a outra está em confronto com o estado
das coisas e, mesmo conseguindo à duras custas vencer no discurso,
perde-se nos atos finais, onde a natureza humana dá a última
palavra. As atitudes humanas da grande maioria desembocam numa
corrente de necessidades que satisfazem instintos atávicos
sofisticados do dia-a-dia. Consumismo. Mas ao fim da vida olhamos
para trás amargurados, sentimos que todos sonhos que julgávamos
benéficos apenas travaram nossa maturação interior. E não crendo
de fato na continuidade da existência, nos apavoramos.
Existem
inúmeros motivos para os apavorarmos diante do desconhecido. Um
deles é exatamente a nossa ignorância acerca das grandes questões
da vida. Deixamos as preocupações das grandes questões para os
últimos momentos. Os últimos problemas não nos interessam: Por que
estamos aqui? Como as pessoas e os fenômenos se relacionam? Para
onde iremos? Como os outros sentem? Qual o destino dos seres? Por que
eu sou assim e ele não? Tudo
isso soa distante para o biótipo atual
- tido como normal e saudável. "Pouco prático", dizem.
"Chatos", outros. Já ouvi mentes instruídas e
bem-sucedidas proferirem sentenças desse tipo. No entanto, observei
igualmente o vazio de seus olhos e gestos quando se confrontavam com
algo fora de sua área de atuação – sua zona de segurança. E de
repente compreendi de onde vinha a sua (suposta) grandeza: nunca
ousaram explorar campos distintos, permanecendo grandes e louvados em
sua zona de conforto.
Restringiram sua vida negando tudo que excedesse suas concepções.
Todas
certezas relativas afirmadas enfaticamente caem por água abaixo após
se confrontarem com outras certezas (relativas) igualmente
defendidas. No mesmo plano todos tem razão: o assassino e o santo; o
explorador e o explorado; o sábio e o ignorante. Cada um combate de
acordo com a sua realidade e a sua história. Não poderia ser
diferente. O explorador cria o explorado se prendendo à sua riqueza
e o culto que se eleva e exalta cria o ignorante. Quem ganhou
consciência tem maior responsabilidade. Aqueles que detêm o poder
econômico, político e cultural tem o dever de tomar a iniciativa
para mitigar os antagonismos. Caso contrário os de baixo tomarão a
iniciativa. Uma atitude que mesmo não sendo ideal, é o caminho
natural da evolução. Assim explica-se a Revolução Francesa e
Russa.
A dor poderia ser beneficamente usada por aqueles que a
sofreram mais intensamente.
A
humanidade caminha expandindo sua percepção. Vem uma nova idéia, e
seres fora de série vivem novas verdades (baseados nessas idéias)
e morrem – por elas. Outros chegam e fazem o mesmo. Cada vez com
menos esforço, porque cada ato de elevação facilita o trabalho de
quem vêm em seguida. Até o ponto em que a idéia é aceita e se
torna consenso entre a maioria. Tem-se um novo modo de vida.
Considero
que nosso modo de vida atual tem sua gênese no século XIX. É nessa
época que começa a estruturação da produção e - posteriormente
- do consumo. Revolução científica, industrial e criação de
novas formas de vida. O mercado passa a ter importância.
O
que é "lucro", exatamente? Este nada mais é do que a
diferença entre quanto se investe para fazer algo e quanto se ganha
com sua venda - caso seja positiva, caso contrário é prejuízo. Em
linhas gerais, sem equacionamentos e jargões, é essa a essência.
Até
aí nada de errado, pois é inerente à natureza humana o desejo de
ter seus ganhos aumentados. Caso contrário não se progride. Daí
nasce o que se denomina capitalismo. Essa nova forma de organização
surgiu porque o seu predecessor (feudalismo) não estava sendo capaz
de atender aos anseios humanos. O domínio aristocrático e a fé
cega impediam o desenvolvimento de novas idéias. Um ciclo estava por
findar.
O
acúmulo de capital, de conhecimento e o aumento demográfico dos
centros urbanos possibilitou o advento da indústria e dos serviços,
que trouxeram um progresso material nunca antes visto pela
humanidade. E nesse novo ciclo - nessa nova forma de organização -
o "lucro" passou a ser a nova religião. No
fundo derrubou-se um deus antropomórfico estático para se colocar
um deus utilitário, produtivo e materialmente dinâmico no lugar.
Será
esse ciclo o fim de todos os ciclos? Será que chegamos a um modelo
ideal? A uma era pós-ideológica? Ao fim da história?
O último volume da Obra. Um Cristo cósmico é apresentado. Foco em sua essência. Uma concepção de justiça social fantástica, capaz de mitigar os antagonismos e unificar os sistemas. |
O
Muro de Berlim caiu...
Um
ciclo chega à exaustão quando seus métodos se mostram - cada vez
mais - incapazes de solucionar os problemas do presente. Uma idéia
nasce e a humanidade a abraça. Mas enquanto aquela idéia se mantém
estática, os seres que a vivem evoluem. São dinâmicos. Urge a
necessidade de nascerem – ou melhor, serem redescobertas – novas
idéias. A consciência se dilata aos poucos. A concepção de mundo
(e de si mesmo) muda. O que se julgava definitivo não é.
Revoltas
e movimentos sociais; Infelicidade no serviço; Separações; Brigas;
Guerras; Palavras e teorias publicadas sem reflexão ou vivência
intensa; Doenças.
Tentativas
precoces são feitas para iniciar novos ciclos. Apoiadas por pessoas
que muito contribuíram e pouco usufruíram com a consolidação do
ciclo atual. E conduzidas por pessoas geralmente mais preocupadas em
si do que na progresso coletivo. Guerras e revoluções. Em seguida
líderes assumem o controle e instauram temporariamente experiências
diferentes. O mundo do
mercado em seu auge vê essas tentativas como anomalias e utiliza
todos os métodos para destruía-la.
Se não pela força dos canhões, pelas sanções econômicas e pela
propaganda. Enfatizam-se
os aspectos ruins, enquanto os benefícios caem no esquecimento.
O outro lado usa os
mesmos métodos, mais radicais e brutos, porque em minoria. Minoria
porque o ideal que sustenta está (ainda) em desacordo com a natureza
humana. Portanto,
para sustentá-lo, deve recorrer à força. Trata-se de um sistema
cujo ideal que o gerou começou a andar em descompasso com seu
funcionamento.
Cristianismo,
Capitalismo, Comunismo.
Qual
está errado, qual está certo?
Todos
e nenhum.
O
Cristianismo está no fim de seus dias? Ou melhor, a fé? A sociedade
cientifica e utilitária hodierna julgava-o com seus dias contados
após o advento da revolução tecno-científica do século XIX,
ampliada no XX. No entanto, já adentrando o século XXI, nunca
se viu tanto progresso material e ao mesmo tempo tantos
desentendimentos em todas esferas. Matrimônios
desintegrados, quedas provocadas por ilusões geradas por invenções
de última geração. Invenções que parecem libertar a princípio,
mas que com seu uso - e abuso - revelam ser freios evolutivos.
Quantidade em detrimento da qualidade.
A
ciência natural encabeçou a revolução tecnológica. As ciências
humanas, ainda em maturação, confrontam o sistema que impera.
Observam o ciclo histórico, as relações a nível social, os
sistemas econômicos e a psicologia humana. Contestam. Até alguns
anos de modo duvidoso e desordenado. No entanto, sente-se cada vez
mais que uma "tecnologia" humana está prestes a surgir. A
aplicação do conhecimento do humano - ser cada vez mais consciente
e portanto livre, muito acima do determinismo da matéria - nele
próprio e no mundo. Revolução conceptual. Dilatação de
consciência.
O
capitalismo proporcionou o conforto material. No entanto, a ganância
humana impera e os desequilíbrios se fazem. Estes existem e sempre
existirão, mas os instintos atávicos extrapolaram os limites e
ampliaram a ganância a níveis tão instáveis que instalou-se um
profundo descontentamento e frustração na alma de cada ser deste
planeta. Rico ou pobre. Homem ou mulher. Do norte ou do sul. Do leste
ou do oeste. E com isso os ciclos da natureza começaram a ser
afetados. Apenas para
satisfazer um modo de vida que não se sustentará com ampliação de
centrais energéticas, expansões de estradas ou aumento de produção.
Não! Deve-se mudar de paradigma. Transformação humana.
Mas
existem outros problemas igualmente graves.
Quem
produz (geralmente) recebe pouco e quem faz os outros produzirem
(geralmente) recebe muito. Melhor dizendo, enquanto um recebe muito
aquém, outro recebe muito além – do merecido. Sente-se
isso no íntimo, apesar do método científico (racional-analítico)
de hoje provar muito mas não concluir nada.
Sempre
pode-se contestar algo com dados estatísticos ou científicos. A
inteligência humana com seus métodos possibilitou a transformação
de santos em demônios e vice-versa. Basta ter a astúcia.
E assim a justiça social do Evangelho parece distante utopia.
Não
se trata de uma lei aplicável a cada caso particular. No entanto, -
como no caso da física micro versus a macro - adicionando-se
caso a caso, chega-se a um panorama global que desnuda uma natureza
de injustiça social mascarada sob a veste de uma justiça econômica.
Mas quem desconhece as causas profundas ignora o verdadeiro trabalho.
E com isso carreiras e pessoas e profissões e abordagens são
relegadas à fome, à exclusão e ao extermínio. Extermínio
silencioso. Extermínio conduzido pelo medo. Medo de enfrentar o
diferente. Medo de se aprofundar. Medo de encontrar nas profundezas
de algo uma verdade tão forte que abale toda concepção que fizemos
de tudo e todos.
Não
estar preparado para enfrentar e viver a verdade mais profunda trava
a verdadeira evolução desejada.
O
Comunismo é uma idéia. Um conceito. Ele não prega igualdade
absoluta. Ele reconhece as diferenças e aptidões. Ele, em sua
essência, defende o direito das pessoas terem suas necessidades
orgânicas fundamentais supridas pelo coletivo. Mas
não se deve chegar a esse sistema por força.
Aí entramos no conceito de justiça social contido no Evangelho.
O
Cristianismo continha em seus ensinamentos os germes da justiça
social. O comunismo é
um pedaço das verdades vividas e demonstradas por Cristo. Mas não
um comunismo imposto pela força. E sim um comunismo, ou melhor, um
estado de justiça social, que deveria se chegar à humanidade se a
Igreja cumprisse seu papel no campo social.
A
Igreja, ao invés de consolidar princípios sociais do Evangelho,
preferiu fortalecer sua estrutura administrativa apoiando o poder.
Um alimentando o outro, obtendo o máximo de pessoas e dando-lhes
apenas o necessário para continuarem alimentando a ganância de uns
e outros. Trava-se o crescimento interno e as possibilidades. Quem se
eleva se isola. Todos perdem nessa luta infindável e
contraproducente.
Daí
veio o alerta ao mundo: incapaz de ouvir os explorados, o comunismo
se impôs pela força. Durante 70 anos (1920-1990) o mundo ocidental
se sentiu ameaçado. Mas ao contrário do que as pessoas pensam a
maior ameaça não eram as armas nem a política. Era o fato do outro
lado, por mais autoritário que fosse, sustentava um ideal de
justiça social que o mundo anseia – ainda hoje e cada vez
mais – que obrigou o ocidente a adotar princípios socialistas para
evitar perder apoiadores.
Eis
como surgiu o New Deal de FDR e a Europa de Bem-Estar Social.
Nesse
tempo o mundo capitalista viveu seu auge. Ele combinou política
social com cultura e produção. E começou a findar por causas
que não dizem respeito aos gastos com políticas sociais.*
Com
a queda do Muro de Berlim e da União Soviética, o mundo ocidental
iniciou o que vinha desenvolvendo intensamente desde o início do
século XX: mercantilização de tudo e todos.
Não
aprendemos a lição. A ameaça, assim que removida, fez a mente
humana excluir o ideal social. Como se esse fosse sinal de atraso. E
assim veio o neoliberalismo – com suas consequências cada vez mais
agudas, cujas causas se escondem cada vez mais. Mas a humanidade aprende lentamente. Precisaremos experimentar os efeitos de um modelo catastrófico em sua essência até às últimas consequências. Somente após uma catástrofe apocalíptica (tudo derivado de uma crise moral) iniciaremos um novo ciclo ascensional. Um ciclo que levará em conta os princípios de justiça social do Evangelho. E assim teremos muito menos atritos e trabalho verdadeiramente livre.
Chegar-se-á
a um sistema de justiça social por livre convicção. Serão os
princípios elevados do capital aliados aos princípios elevados do
social. E ambos se encontrarão por experiência e união. União
esta apenas promovida por uma visão mais vasta, num
mundo mais sedento pelo problema do conhecimento do que pelo
crescimento econômico.
Mas
a base é o Evangelho. Ainda incompreendido. Muito menos sentido.
Num
mundo repleto de pessoas bem intencionadas poder-se-á ter o sistema
que se queira, com o nome que se queira. Tudo dará certo. Para tudo
e todos.
*
Para compreender melhor isso recomendo a leitura do artigo “Será
que não precisamos de um New Deal permanente?”
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