Considero
sério e da mais alta importância o problema educacional do mundo.
No Brasil particularmente. No mundo porque este, apesar de possuir
seus exemplos, em linhas gerais demonstra estar andando a passos
lentos para formar um sistema de ensino que busque criar o ambiente
onde os jovens possam se descobrir. No Brasil por razões
elementares.
Enquanto
o mundo desenvolvido enfrenta problemas de ordem (digamos) elevada –
como por exemplo integrar saberes e alunos, fugindo da dependência
das forças do mercado, sedento por reproduzir um modo de vida que
“não leve a economia ao colapso” – o nosso país ainda sofre
com a falta de oportunidades iguais. Aqui quem cursa uma escola
particular tende a ir para as melhores universidades (geralmente
públicas); e quem frequenta escolas básicas públicas dificilmente
tem a mesma oportunidade. Isso a meu ver ocorre por dois motivos:
- ou ela deve começar a trabalhar o mais cedo possível para contribuir com a família, necessitada de recursos, cedendo suas horas e energias e inteligência ao mundo do trabalho pouco qualificado ou;
- ela chega a fazer uma universidade, geralmente particular, na qual o aprendizado terá apenas a função de garantir um emprego melhor, com salário e condições menos indignas do que aquelas que teria caso não tomasse essa decisão. De qualquer forma, o aprendizado fica limitado, à mercê de uma economia segregada do mundo social, cultural, afetivo, artístico e espiritual.
O
problema é complexo porque inter relacionado. Quem estuda numa
faculdade particular, na maioria dos casos trabalha simultaneamente
por férrea necessidade da vida e árido passado familiar. Além
disso, a grande maioria do ensino superior privado [1] adota um modo
de operação condizente com a sua essência: vender um serviço.
Porque quando se abre algo, objetiva-se o lucro, obviamente. Logo,
uma educação privada tende à mercantilização. E com isso o
escopo passa a ser o ganho monetário, ficando a formação em
segundo plano – se tanto. Mas uma necessidade alimenta um instinto:
não se estuda por falta de oportunidade; com isso trabalha-se em
empregos de execução; esses empregos movimentam a economia presente
mas não garantem o futuro (sustentabilidade, inovação,
possibilidades,...); essa economia investe em si mesma, com medo dos
altos estudos, que vê como uma perda de tempo (astronomia, física,
matemática, arqueologia, música,...) e/ou empecilho aos negócios
(ciências sociais, história, jornalismo crítico, artes,...).
Aliás, seus investimentos em – por exemplo – engenharia só vão
até o ponto em que esta pode dar lucro e inovar dentro do escopo do
mercado.
Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997). Patrono da educação brasileira. Agente promotor do desenvolvimento mais substancial: a formação das mentes. |
Quando se
fala em problemas urbanos como congestionamento ou poluição ou
fontes renováveis ou tudo isso junto a indústria automobilística
se apressa em apresentar “soluções”: novos sistemas em seus
veículos. Veículos de menor consumo (para reduzir impactos
ambientais), com eletrônica mais inteligente e mais confortáveis
(para melhor enfrentarmos os congestionamentos). No entanto,
esquece-se (ou ignora-se) que os gastos no desenvolvimento dessas
“soluções” são restritos a uma população relativamente rica.
Além do mais, o cerne da questão envolve mudança de modelo, e
não reprodução de métodos do século passado.As
cidades mais desenvolvidas comprovam: transporte público de
qualidade e acessível; vias para ciclistas, patinadores, 'skatistas';
amplas calçadas; cidades projetadas de forma a facilitar
deslocamentos a pé ou de bicicleta; parques e praças.
É a economia que deve servir à sociedade e não o contrário.
Trata-se de dar o peso merecido a cada aspecto da vida.
Existe
uma questão muito em voga hoje em dia que é a tecnicização da
ciência. Isto é, uma cultura de utilitarismo total vem sendo
difundida pela (grande e influente) mídia, que procura convencer a
sociedade do seguinte: devemos colocar a ciência à serviço da
tecnologia, que é a finalidade da vida. Ou seja, estuda-se
disciplinas básicas para aplicação imediata, tornando cada vez
mais insignificante o ato de saber o porquê de tal teorema ou idéia
ou conceito ser importante; ou como este pode aplicar-se a outros
fenômenos de outros ramos; ou de como saber como se dá o processo
de desenvolvimento de uma idéia. Essa
é a educação que muitos seres influentes dizem ser “do futuro”.
Não posso me associar a tal tipo de pensamento por diversos motivos.
O
primeiro está na minha vivência. Durante meus anos de estudo pude
me dar conta da limitação existente na especialização. C'est
à dire [2]: cada docente tendia
a ver sua disciplina como a mais essencial, às vezes cobrando do
aluno conhecimentos especializados como se este estivesse realizando
um estudo integral na área.
Foram mais de 70 disciplinas obrigatórias. Apenas uma
extracurricular...
Exigir do aluno os fundamentos de ciências e de engenharia é bom.
Mas saturar o mesmo com isso, por vezes repetindo assuntos ou se
aprofundando além do necessário numa área pode levar o estudante
ao cansaço, fazendo florescer nele um ardente desejo de terminar
tudo o quanto antes e entrar no mercado de trabalho. Além do mais,
dar a liberdade de cursar diferentes cursos pode ser a chave para
fazer nascer – ou ressuscitar – a vontade de estudar algo
específico de sua área. E muito mais.
Rubem Azevedo Alves (1933-2014).Psicanalista, educador, teólogo e escritor brasileiro. Um dos fundadores da Teologia da Libertação. |
Ao sair de um curso saturado de informação o estudante se vê
diante de um mundo que o saturará de obrigações. A essência não
muda. De certa forma, ele foi preparado para isso: fazer, não
pensar; executar, não questionar. Desenvolver restritamente ao invés
de amplamente. Viver restritamente...A mente pode ser ágil para dar
respostas aos problemas práticos. Mas se verá diante de um abismo
quando observa um mundo perdido que clama por soluções profundas.
Sua resposta às sérias questões será pré-formatada, presa à
forma mental de seu meio, sua história e seus instintos – difíceis
de serem superados.
Transformação
denota um passado de dores absorvidas. É a única mudança efetiva:
aquela por livre convicção. Se
no nível individual isso for realizado, caso após caso, dor após
dor, com a fé apoiando cada passo, manifestar-se-à uma onda de
conscientização que levará à transformação no plano coletivo.
Eis como tornar a educação livre dos instintos atávicos que sondam
a mente humana desde tempos imemoriais.
Educação é uma palavra de significado amplo. Ela exige um
professor cuja vida seja minimamente reconhecida, com salários bons
e horários condizentes, permitindo adequada preparação das aulas
(que também ém trabalho diga-se de passagem). Exige um docente –
uma vez cumpridos os critérios anteriores – preparado
intelectualmente e sobretudo ciente do processo de troca de
conhecimento. O mestre deve entrar no universo do aluno, decifrá-lo,
compreendê-lo em sua plenitude, e saber lidar com as
particularidades, elaborando formas de comunicação, exercícios,
avaliações e abordagens criativas e adaptadas aos estudantes. Deve
mostrar a fantástica relação entre os fenômenos e imprimir em
cada afirmação uma crença profunda, sem a qual terá garantia de
um mínimo de atenção. Deve ser controlado, amoroso e humilde,
admitindo que às vezes podem surgir dúvidas cujas respostas
desconhece, e reconhecer sua imperfeição, esquecendo de seus
títulos e idade, e se lembrando que (assim como seus alunos) está
numa escalada titânica e infinita rumo às supremas ascensões
humanas.
O docente deve lidar com os jovens acreditando nas possibilidades.
Deve ser um jardineiro que se vê diante de um mar de sementes com
potencialidades latentes. Sementes a serem semeadas, regadas,
cuidadas ao longo de meses, anos, décadas,...Sementes que se
desenvolverão diversamente, às vezes desagradando as crenças do
mestre. Mas desde que essa diferença esteja bem orientada para
cumprir finalidades benéficas, todo estímulo deve ser dado. Eis o
ponto!
O professor deve ver horizontes mais vastos e mostrar os desafios
titânicos do mundo, na medida do possível, aos alunos. Deve falar
da realidade e do ideal. Da necessidade de cumprir as ordens do
primeiro e almejar o segundo. Porque a transformação da sociedade
se traduz em uma palavra: evolução. E para isso, desconforto deve
estar sempre presente. Um desconforto saudável, desejoso, atraente
para a mente e o espírito. Um desconforto capaz de despertar as
melhores qualidades do ser, disposto a dar seu tempo e energia para
finalidades superiores. Finalidades que mesmo reconhecidas apenas na
aparência pelo mundo, devem ser buscadas.
Olhar para si.
Escutar a si mesmo.
Refletir e sentir.
O resto virá por força da natureza.
Essa é a educação que o mundo precisa.
Desesperadamente.
Notas
[1]
Exceções existem. No momento vem à minha cabeça a FGV, as PUCs, a
FAAP e Mackenzie. Nesses casos, apesar de existir (e ter peso) a
questão financeira, como é de se esperar, existe um histórico e
uma imagem que permite e
estimula a instituição primar pela qualidade de ensino.
[2] “Isto
quer dizer”, em francês.
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