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sábado, 3 de janeiro de 2015

EL LIBERTADOR

Épicos cinematográficos sobre grandes impérios abundam na história da sétima arte. Leônidas, Júlio César, Spartacus, Marco Antônio, Alexandre Magno, Napoleão, Lawrence da Arábia, Patton, Hitler, Mc Arthur,...Inúmeros ícones que se tornaram objeto de admiração ou temor ou uma mescla de ambos. Acima de tudo: personalidades que estavam no lugar certo na hora certa, e com isso puderam usar suas habilidades para desempenhar um papel. Sustentados, elevados e varridos pelas forças da História. Guiados pela glória. Ferramentas que mesmo sem o saber cumpriram um papel no processo de transformação do mundo. Quase todas representantes de grandes impérios. Nenhuma latino-americana.

Se quiseres deixar registrado o seu lado da história, faça-o. Até hoje ninguém advindo de uma cultura, nação ou ideologia dominante se deu o trabalho de realizar uma produção revelando os grandes feitos dos povos oprimidos que estão encarnados no mesmo presente. Povos com sua marca, sua revolução, sua ânsia, seus costumes, seu grito de desespero.

Finalmente um épico contemporâneo sobre ele.
Belíssima produção, trilha sonora e elenco. Nada a
desejar comparada às produções de Hollywood
(dos bons tempos).
Enquanto Napoleão varria a Europa e implantava os ideais da Revolução Francesa – mesmo sem os praticar em sua plenitude – a América do Sul espanhola era varrida por um ideal tão grande quanto: liberdade e democracia. A diferença: enquanto no continente europeu exércitos de povos poderosos (as metrópoles) brigavam entre si, se aliando ou dissociando aos poderes dominantes (Inglaterra – França) conforme seus interesses, o povo sul-americano se uniu em torno de um ideal para lutar contra o imperialismo espanhol. Eram escravos, índios, pobres e militares conscientes encabeçados por uma personalidade: Símon Bolívar1

O filme El Libertador inicia. Os dados surgem na tela escura: Símon Bolívar lutou mais de 100 batalhas contra o Império Espanhol. Suas campanhas militares cobriram o dobro do território de Alexandre (o Grande)...Seu exército nunca conquistou...Ele libertou.

Um homem de família aristocrática, descendente de espanhóis mas habitante das Américas. Títulos, posses e poder. Para sempre. Uma vida sem dificuldades. Como todos em sua posição, apenas uma exigência: se manter fiel à coroa. Em suma, fazer o que queriam que ele fizésse. Viver como queriam que ele vivesse. À seu modo, desde que não ameaçasse os interesses de Madrid – que envolviam manter suas posses e dominação e assassinatos e exploração. Regras muito simples de serem seguidas para quem nasceu no conforto e não teve uma educação mais (digamos) abrangente. Mas Símon Bolívar teve essa educação diferente...aliada a uma consciência prestes a despertar.

Parece que as forças da história sempre agem sabiamente, a favor de uma causa maior, permitindo as pessoas agirem até onde é permitido.

Bolívar se casa com uma moça aristocrata da Espanha. Uma moça com mente aberta que se horroriza ao ver como funcionam as coisas longe de sua terra. Uma terra cujas benesses dependem do sofrimento de milhões de pessoas do outro lado do Atlântico. Ela não se conforma, assim como seu marido não se conformava. Mas permanecem em suas posses fazendo o que podem para reproduzir o mundo que desejam. De fato, os escravos de Bolívar não eram surrados e recebiam uma série de tratamentos humanos que escandalizariam qualquer senhor de terras ao redor. Mas eram seus escravos e suas posses, e enquanto tal nada o sistema podia fazer. Desde que essa “doença” não se estendesse além das fronteiras permitidas – pelo sistema.

Antes o amor com María Tereza del Toro. 
O clima instável e feroz levam a jovem a sucumbir cedo. A febre amarela toma conta de sua vida, e com isso das chances de Símon ser feliz. Dissolução dolorosa de um belo e tranquilo matrimônio. Bolívar se vê com uma vida sem sentido. Novamente. Rico, senhor de terras e escravos. Tudo garantido. Mas com ninguém para dividir os sonhos todas aquelas “vantagens” não tinham sentido algum.

Volta à Europa e se distrai nas altas rodas. Banquetes, mulheres e jogos. Ilusões à custa de escravidões subterrâneas. Ignoradas pelo egoísmo de quem usufruia das benesses da vida.

É 1802 e Napoleão está prestes a iniciar seus planos de expansão. Na França encontra seu antigo professor, que lhe faz relembrar de todos seus ensinamentos. Queria conscientizar alguém com potencialidade e posição para inicar uma verdadeira transformação. Mas aceitou a vida de seu aluno enquanto estava casado. No entanto via seu estado e percebia que não seria capaz de se relacionar com ninguém mais. Bolívar era um homem centrado. E não podendo encontrar realização numa vida pacata com um mínimo de significado e humanidade, deveria iniciar a tarefa para a qual a história havia lhe reservado um lugar especial.

Nos próximos 25 anos Símon Bolívar realizou o que ninguém – nem ingleses, nem espanhóis, nem latino-americanos – julgava possível até a concretização de seus feitos: a dissolução do domínio espanhol nas Américas. Venezuela, Colômbia, Peru, Chile, Equador, Bolívia,...Cada fronteira atravessada era uma fronteira extinta. Fronteiras mantidas por 300 anos. Fronteiras nas mentalidades. Fronteiras desnecessárias. Um grito pela união dos povos diversos em seus costumes mas iguais em suas condições e aspirações. A hora de mudança era chegada.

O professor chacoalha seu ex-aluno.
Um tapa na cara. "De que lado estás?" 
No início chegaram a prender Bolívar. Jogaram-o nas florestas, crendo que isso acabaria com seus sonhos – e quem sabe com ele mesmo. Um aristocrata numa selva repleta de explorados e “sem vontade, condições e capacidade de realizar um levante popular”. Mas é na floresta, no mato, no meio dos excluídos, que floresce a maior força da história do continente sul-americano. E assim, pouco a pouco, cada vez mais firme, intenso e definitivo, os dominadores vão sofrendo abalos.

Como é de se esperar, um ideal se mantém até o ponto em que serve a interesses de terceiros. Os comandantes fiéis ao ideal de Bolívar são assassinados, enquanto aqueles com interesses particulares acabam ficando com os novos domínios. Uma condição duramente conquistada pelo povo. Bolívar morre em 1830, aos 47 anos.

Nesse ponto podem me quistionar: “Mas então essa figura não se diferencia de outras e os resultados tampouco.” Sem dúvida – como Pietro Ubaldi esclarece em suas obras. Mas (mas...) isso não desmerece a personalidade de Bolívar ou a necessidade de realização de um filme sobre um acontecimento tão grande.

Outro ponto: A América Latina é um continente subvalorizado. Pouco sabemos dela e seu povo. Mas muitas críticas fazemos a ela e seu povo. Com se não fossemos parte integrante. Mas antes disso deveríamos nos lembrar de nossa História diversa, nossa heterogeneidade enorme e nosso ambiente diferenciado. É impossível estabelecer comparações entre eu e o outro devido às inúmeras diferenças. O que devemos comparar é nós mesmos ao longo do tempo. E ao que tudo indica este continente apresenta grande potencial de desenvolvimento para um mundo futuro. Um mundo futuro significa que se trata de um mundo diferente do presente e do passado. Quem sabe um mundo com mentalidade completamente diversa. Um mundo no qual o desenvolvimento englobe outras esferas (espiritual, social, cultural, artísitca, ambiental,...). Por mais difícil de crer, é imprescindível colocar fé nessa melhora.

Não devemos fugir dos problemas. Devemos enfrentá-los (na medida do possível, claro).
Devemos admitir: “Sim, eu acho aqui ruim! Mas faço parte daqui! E só erguer muros e cercas, e menosprezar minha história individual e coletiva, e louvar um mundo exterior – que pode estar iniciando uma decadência – só piora.”

A missão de sua vida.
Símon Bolívar foi um herói latino-americano com destino essencialmente similar a outros. Mas com aspecto latinoamericano e movido por causas mais altruístas do que seus predecessores.

Alexandre queria a glória. César o status. Napoleão a dominação. Esse era o desejo fundamental travestido de causas nobres. E claro, acabaram realizando coisas boas, sem as quais jamais teriam chegado ao poder (Alexandre difundiu a cultura grega e fundiu conhecimentos, Napoleão espalhou as idéias e conceitos da Revolução, César manteve a unidade de seu povo por tempo suficiente para surgirem os agentes capazes de restabelecerem a unidade). E Bolívar? Pela sua vida não se vê um desejo ardente de glória ou conquista de outros. O que se vê é um homem capaz de renunciar a tudo em prol da liberdade daqueles que conviviam ao seu redor. Sendo eficaz ou ineficaz, o importante foi a dissolução de uma dominação para dar lugar a outra. Diferente, substancialmente movida pelo egoísmo. Mas fragmentada e portanto mais sujeita às forças populares. Porque é assim que caminha a humanidade.



[P.S.: ah...e além disso, ele cruzou os Andes com suas tropas. Mais que Aníbal, terror de Roma que atravessou os Alpes, muito menores e mais amigáveis do que nossa cordilheira...]

Notas
1http://pt.wikipedia.org/wiki/Sim%C3%B3n_Bol%C3%ADvar

Trailer 
https://www.youtube.com/watch?v=Ws0xmkOYYVk

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