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sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

FENOMENOLOGIA DOS RELACIONAMENTOS – PARTE 2

Cada ser humano vê o seu semelhante de forma particular. Do consenso de opiniões sobre o mais banal e evidente às particularidades divergentes, o aprofundamento em si e no outro começa a trazer à tona diferenças imperceptíveis a princípio. Saber compreendê-las é a arte da vida. Algo além da ciência, além do intelecto. Apenas ao alcance daqueles capazes de intuir o porquê e o porvir. Ou seja, poucos.

Para os não-iniciados no campo do amor cósmico, as diferenças ofuscam os sentidos, blindam a mente e impedem a manifestação do coração. Consequentemente dificultam (ou impedem) interação mais profunda – isto é, uma vivência mais próxima da realidade: a única coisa que se sustenta na tempestade dos tempos.

Albert Finney e Audrey Hepburn em
cena do filme "Two for the Road".
Para aqueles iniciados na verticalidade mística do amor infinito, essas diferenças ou empecilhos começam a ser vistos como objeto de reflexão sobre si. É através de inúmeros insucessos e incompreensões (do outro sobre ti e de ti sobre o outro) que a perplexidade de ontem se transforma no desafio de hoje. E se compreendermos porque o infinito dos místicos conduzem esses homens à paciência incondicional e à perseverança inesgotável, é simples questão de tempo convertermos o desafio em plenitude interior. Trabalho homérico.

Infinitas são as formas de demonstrar afeto. Infinitas e por isso peculiares. Se nos atermos à forma a às convenções – ensinadas pela família, sociedade e livros – estaremos na senda da humanidade tateante, desejosa por uma felicidade que não sabe como alcançar. Mas se alguém teve uma epifania, uma síntese sobre as últimas questões colocadas até nossos dias, essa pessoa iniciou um processo de sensibilização nervosa-psíquica irreversível. Como produto o peso da forma e das convenções começa a decrescer ao passo que nasce uma visão mais substancial dos acontecimentos. É o desabrochar de um novo mundo interior que fará perceber a realidade profunda do mundo exterior. E com isso a modificá-lo, sem barulho, teorias ou competições.

O ser prestes a despertar já intui uma nova realidade. Inicialmente não se dá com o mundo e o odeia participando de seus ritos; depois continua assim, mas se isola. Nesse isolamento muitos sucumbem, passando anos, decênios (ou vidas!) estacionados, criando falsas idéias, teorias e explicações acerca do seu estado de ânimo e/ou sucesso. Fazer uso sábio dessa fase de retração é a única garantia de transição para uma etapa consciencial mais suave, livre e potente.

Em que consiste esse “uso sábio”?

Olhar para si profundamente. Apontar os canhões de análise e crítica para si. Paralelamente, ganhar percepção da imortalidade de sua essência (individualidade imaterial), apesar da finitude de sua presente existência (pseudo-individualidade orgânica). Inversão de valores com expansão de consciência.

Valérie Lemercier e Jeremie Elkaim em
cena do filme "Main dans la main".

Ao entrar na zona de turbulência muitas são as dúvidas, os medos e as dores. Não poderia se diferente: se quisermos atingir um estado mais próximo ao sublime – via sublimação espiritual – devemos pagar o preço por isso. E o trabalho a ser feito é exatamente sobre os pontos que escondemos e evitamos tocar, julgando-os perfeitos e estáticos. Perfeitos porque não passíveis de mudança; estáticos por serem o zênite que resume o melhor de nosso ser. Duplo conforto, dupla ilusão. E assim sendo, as dores persistem. E não querendo operar a cirurgia moral interior, apontamos causas fictícias no mundo externo e adotamos posturas desgastantes que nos levarão sempre ao mesmo ponto, sem mudança mental. Apenas o cansaço é o ganho. Pseudo-ganho.

Começando a auto-investigação começam a surgir as centelhas de auto-conhecimento. Este será o ponto de apoio para a alavanca de atuação no novo mundo.

Como dito, infinitas são as formas de demonstrar afeto.

Um simples desvio de olhar pode ter uma miríade de significados. O intérprete das convenções e formalismos dará sua resposta. O iniciado aceitará-as, mas adicionará possibilidades (expansão) e irá inserir dúvidas (flexibilidade) em alguns pontos.

Entre um moço e uma moça que se consideram amigos, numa despedida igual às anteriores, sem manifestações verbais ou gestos visíveis, um abraço ligeiramente mais longo pode revelar os mais íntimos sonhos. Abraço imperceptivelmente mais longo (3 segundos). Coincidência? Após dezenas iguais. Será? Após uma conversa mais íntima, mais sincera, no dia anterior. Uma conversa inédita, julgada irrealizável (por uma ou ambas as partes), que dá esperanças e reforça possibilidades. Possibilidades estas que estavam prestes a serem apagadas pelas areias do tempo.Uma conversa agradável ao ponto de preencher a vida de cada um sem a necessidade de contatos físicos ou promessas.

E não apenas a duração, mas um toque fora do padrão (um toque!). Nada de mais. Apenas um tocar numa região das costas diversa. Somada a um movimento que – sem que saibamos explicar – tem alta possibilidades de ser traduzido como “carinho” + “compreensão” + “paciência”. Dificuldade no saber, certeza no sentir. É a utopia mostrando sua existência. Uma mini-utopia, que poderá levar à gestação de outras (mini-utopias).

Persistir sem se distorcer.

Evoluir sem humilhar.

Se humilhar para estender a mão.

Assim caminha uma espécie de admiração que inicialmente poderia ser rotulada de doentia. Mas que se revela pura poesia.

Seres assim nada planejam. Mas não são inconscientes. Apenas seguem sua natureza sincera e paciente. E com isso, olhando para trás, se dão conta de estarem edificando algo inidentificável a princípio, mas que se revela mais harmônico a cada mês, ano, década.

Seres conscientes de sua limitação perante as grandes obras de Deus. Conscientes até os limites de suas possibilidades. Inconscientes após. Pois a partir dessa fronteira deve-se ter a humildade de entregar o controle e ciência nas mãos do Arquiteto-Mor da vida.

Gostar de alguém implica se libertar da vontade de possuí-lá.
Implica compreender cada gesto dessa pessoa.
Implica enxergar sua forma de te respeitar.
Implica escutar e sentir no infinito e agir no finito.
Implica desejar do fundo da alma a felicidade daquela pessoa.

Existem mundos que não podem ser estudados, apenas sentidos e vividos.

Mas são estes mundos que dão o combustível para todos os estudos.

A força que conduz o mundo para a evolução está oculta para o homem barulhento.

Mas se revelará cada vez mais à medida que estes se tornem iniciados na mística.

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