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quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A FELICIDADE TRANQUILIZA - A INFELICIDADE INFERNIZA

Existe uma evidência muito clara que indica se uma pessoa está ou não contente com o que está fazendo, seja no trabalho, seja nos estudos, seja no convívio social. Basta olharmos se essa pessoa está preocupada com o que está acontecendo ao seu redor. E se, além disso, sente um ímpeto ardente de vigiar e controlar pessoas.

Preocupação indica carência interna, que pode ser traduzida como alguma vontade do ego humano não satisfeita. Pessoas assim abundam. Somos todos sujeitos a imaginar o que os outros estão fazendo, como estão fazendo e por que fazem. Especialmente nos empregos ou locais onde seja explícita a relação hierárquica de subordinação. Queremos exercer controle externo porque não somos suficientemente preenchidos internamente - por falta de contato com o Deus imanente que reside em nós. Essa realidade (presente) são causa de grande parte dos males da humanidade - se não todos.

Transformismo.
Desde minha adolescência comecei a me tornar quieto e retraído. Tinha dificuldades de expressar minhas ideias e sentimentos. No entanto, ao longo dos anos percebi que - aliado a essa característica - minha mente e espírito estavam em trabalho incessante, constatando cada detalhe (a princípio), e formando sínteses (a seguir) dessa miríade de fatos, eventos e opiniões. Isso me deu uma relativa tranquilidade, pois me convenci de que todos esses anos "parados" foram de fato uma espécie de preparação para uma série de ideias e atitudes que eu iria adotar. E me certifiquei também de que o mundo acadêmico, racional, científico, seriam incapazes de fazer essa elaboração de substância. Anos de maturação interior. Incubação que antecede uma eclosão.

A vida começou a ficar mais clara. De repente ia me dando conta de que ao fim de cada período "inútil" eu conquistava alguma qualidade capaz de libertar minha mente de algum fantasma que o imaginário coletivo inconsciente inculca na mente de todos nós quando descemos a este mundo. Isso a universidade não ensina, apesar de apontar caminhos - se a pessoa possuir uma sensibilidade capaz de ler nas entrelinhas.

Essa sensibilidade foi aflorando à medida que os golpes do mundo iam sendo aplicados. Eu, ao invés de seguir os caminhos normais, conhecidos, já trilhados - para acabar com a dor - optei por abraçar as decepções e indignações. Alta tensão a ser trabalhada para virar corrente bem orientada. E com isso as ideias e os conceitos começaram a brotar. Finalmente eu estava superando o mundo. Não pela razão, e sim pela intuição - muito mais poderosa. 

Evolução, evolução, evolução.
Só se foca no mais (desconhecido). Afirmar o mais desconhecido
para superarmos o menos conhecido - e cada vez mais triste.
Com essa capacidade de observação e filtragem, adotei uma atitude da seletividade. Pois queria desenvolver tudo que estava se formando na minha mente e espírito. E logo me dei conta de que o único modo de continuar o caminho era me tornando o caminho, porque estava adentrando em terreno novo para o mundo. Terreno ainda não sistematizado, quantificado, reconhecido. Essa loucura me deu uma força que jamais teria obtido seguindo os métodos do mundo, e desde então nunca deixei de seguir esse ímpeto interior.

Eis que (voltando ao tema) começo a perceber uma verdade fundamental, mas pouquíssimo compreendida pelas pessoas: quem realmente trabalha não deseja controlar o outro. E como consequência existe menor vontade de compensação - seja via consumo ou controle de alguém.


Reparem no seguinte: a pessoa "normal" (i.e, adaptada ao mundo) passa 8, 9, 10 horas no escritório ou oficina e adquire bens e serviços para si. A maioria desses bens e serviços não são realmente necessários para que ela viva bem, mas no entanto essa pessoa deseja ardentemente adquiri-los porque ela "merece". O que isso significa? Vocês já pararam para refletir sobre o significado disso?


Se alguém "merece" algo é porque ela sofreu algo. 


Ou melhor, ela tem direito a algo. E quem reclama direito é porque tem uma necessidade fundamental não satisfeita. No caso dessa necessidade ser inacessível (muito profunda, como tempo livre, convívio familiar, ter uma ocupação que lhe agrade, afetos, entre outras) ela preenche o vazio com o consumo de bens e serviços com frequência e intensidade muito além do necessário; e/ou com a imposição de sua posição social ou autoridade sobre outra pessoa - sem motivo.


Obs: Por "reclamar direito" entenda-se: "descontar frustração nos outros maquiadamente ou no consumo conspícuo". Não se trata de combater os direitos constitucionais conquistados com sangue e suor ao longo de séculos de lutas.

E quando compreendemos isso a vida fica muito interessante. Pessoas que desejam controlar ou impor algo a outra são de fato pessoas com problemas internos. E por mais que escondam e sejam astutas em maquiar sua realidade miserável, percebe-se essa pobreza simplesmente pelas atitudes da mesma.

Basta observar atentamente. Se alguém está realmente entretido com o que faz, não importa se todos à volta estão fazendo outra coisa ou estão ausentes ou estão batendo papo (desde que não atrapalhando o sujeito). Essa pessoa está vivendo o fenômeno e nada mais lhe interessa. Se encontra imersa num mundo paralelo e já está recebendo o que deseja durante o próprio ato de criação ou execução. Essa pessoa não irá depois querer ver se o outro fez o tanto que ele fez, ou se os outros não estão dando duro o suficiente. Ela simplesmente se divertiu.

Eduardo Marinho: biótipo do futuro. Nasceu no céu social,
mas não encontrou sentido na vida. Desceu ao inferno
social e encontrou sentido para a vida. 
Infelizmente momentos assim são raros. Porque as condições são desfavoráveis. Temos ambientes e jornadas (de trabalho) que inviabilizam o bem-estar interior, as relações, o convívio, e mesmo o desenvolvimento das faculdades das pessoas. Temos rotinas que nos foram impostas sem que tivéssemos a oportunidade de questioná-las; não podemos conceber outras formas de vida. Nossas mentes foram condicionadas a abraçar uma mentalidade racional - uma forma mental que foi se intensificando até culminar no capitalismo em sua forma neoliberal. Uma mentalidade que se julga o ápice da evolução. Uma mentalidade que se separou do Universo completamente nas últimas décadas. A Natureza e o Além. Nos divorciamos mentalmente do infra-humano e do supra-humano, nos declarando deuses. Essa razão luciférica sozinha não irá nos levar adiante nessa longa jornada evolutiva.

Essa realidade é constatável em todo mundo. Nos ambientes de trabalho (alienado) e de consumo (conspícuo), que abundam e são duas faces da mesma moeda, isso é muito mais evidente. Porque esses meios são propícios para a manifestação dos instintos sob vestes de "contribuição social" e "gozo". Mas a grande verdade é que essa "contribuição social" se revela uma grande farsa, pois a vida de quem segue o modelo vigente se revela cada vez mais vazia de significado, e em grande medida prejudica indiretamente o bem-estar de outros. Prejudica de forma muito sutil (observem o mundo à fundo) comunidades, famílias, ecossistemas e cultura. Rejeita o mais afirmando o menos como o mais. Ignora-se o porvir por ignorância. Ignorância que gera medo. Por outro lado, esse "gozo" nada mais é do que degradação interior por falta de vontade de superação. É uma necessidade de compensação por todas misérias sofridas interiormente. Misérias que não se manifestam porque mal vistas pelo grosso da sociedade. Misérias não-tratadas porque nem ouvidas - muito menos compreendidas. Misérias que culminam nas compras sem sentido, nas atividades vazias e na agressão de minorias. Misérias que realimentam um trabalho que não merece tal nome. Um "trabalho" feito repetidamente, que é meio para fugir de problemas afetivos e também evitar cair no que a mentalidade hodierna crê ser o fim de tudo: exclusão.

A humanidade como corpo coletivo está cavando a própria cova. Está gerando a própria ruína ao colaborar com seu ego luciférico. Um ego que sustenta um sistema que não mais é capaz de atender as necessidades do Ser do Terceiro Milênio. No entanto alguns indivíduos se destacam das massas financeiras, intelectuais ou populares [1]. Indivíduos que podem vir de qualquer meio e pertencer a qualquer classe ou etnia. Indivíduos que podem ou não ter formação específica. É aí que residem as setas que apontam para cima. Precisamos sair do labirinto da horizontalidade racional para ascender a um plano de intuição. Para isso precisamos nos mover na verticalidade mística interior que temos, e assim começar a agir efetivamente para libertar nosso Ser e todos Seres desse plano em erosão.

Temos o Dever de nos libertarmos de uma forma mental.
Temos o Dever de nos conscientizar da Realidade.
Temos o Dever de sair do lugar-comum.

Somos profundos e belos, mas não manifestamos essas belezas profundas.
Queremos ter muitas coisas vazias, mas não percebemos essa auto-intoxicação.
E quando temos, queremos mais e mais e mais...
E nosso SER diminui e diminui e diminui...
Essa é nossa miséria.
Foi assim, é assim...
Mas não precisa ser sempre assim.

A miséria material só existe porque a maioria dos que tem poder e influência são espiritualmente pobres.


Pensem nisso, reflitam sobre isso, sintam tudo isso, vivam isso.

Na carne, na mente, no espírito...

Sem Dor não há Salvação.


Notas
[1] Noam Chomsky, Scott Santens, Ricardo Sempler, Amit Goswami, Domenico De Masi, Vincent de Gaulejac, Huberto Rohden, Leonardo Boff, Pietro Ubaldi, Vladimir Safatle, Leandro Karnal, Márcia Tiburi, Eduardo Marinho, Carlos Novaes. 

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