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sexta-feira, 17 de novembro de 2017

O Faraó Monista

Pode-se viver uma vida inteira e jamais chegar a uma visão mais profunda da realidade. Pode-se mesmo viver várias vidas e ainda assim não se atingir uma visão da fenomenologia universal verdadeiramente digna - das necessidades de nossos tempos. A Verdade, para a imensa maioria da humanidade, atinge-se gradativamente, caminhando aos poucos, passo-a-passo, com experiências variadas e repetitivas. É a técnica dos automatismos*. Para alguns, mais à frente, há saltos quânticos que apenas parecem surgir repentinamente devido a não-observação da maturação interior, feita durante longo período de tempo, de forma orientada, a qualquer custo. O que ocorre então? Há o surto de gênios, governantes, místicos que, cada qual a seu modo, transbordam seu ser de uma vivência diversa. Vivência que se prolifera sem necessidade (ou preocupação) de propaganda. 

As maiores verdades, universais, inclusivas, já foram compiladas há muito tempo. Você pode chegar a formular ideias fantásticas, exprimir frases inesquecíveis, praticar atitudes revolucionárias. Mas perceberá que, há muito tempo, essas ideias já foram lançadas - quiçá até de forma mais criativa; que essas frases já foram ditas, reunidas, ordenadas e compiladas em obras Sagradas do mais alto valor metafísico (Bhagavad Gita, Evangelho, Tao Te Ching); e que essas atitudes foram praticadas até suas últimas consequências por seres iluminados, cada qual no seu nível, nos mais diversos campos. A única originalidade - se é que assim podemos denominar - consiste em atualizar esse oceano sagrado à sociedade atual, seja no campo da compilação e vivência individual conceptual (Ubaldi, T. de Chardin,...) ou na atitude política mística (Gandhi, Abbé Pierre,...). Trata-se de trabalho titânico face às impiedosas obrigações que o mundo nos impõe desde o berço. Obrigações em larga medida sem um fundamento. Atos repassados geração à geração, sem o menor questionamento. Internalizados ao sistema de crenças e valores sem muita resistência. E assim vive-se a morte contínua do corpo sem construir a vida eterna do espírito. Mas isso está prestes a mudar, e o momento histórico atual tem oferece todas as condições para uma mudança radical na forma de concebermos a vida.

Akenáton o Faraó monista.
Reinou de 1352 a 1336 a.C.
Cada vez me impressiono menos com as coisas do mundo. Mas não há motivos para preocupação. Trata-se de algo mui diverso de um sintoma depressivo. Ao contrário: o tempo que permaneço sozinho, ou a falta de atenção que me é dada em certas ocasiões, em nada abala o meu impeto interior em levar a cabo as minhas atividades, sejam elas referente à minha pesquisa, ao meu trabalho, aos meus textos, aos meus projetos e à minha vida pessoal. É uma desconexão apenas em superfície - pois na profundidade trata-se de uma conexão forte. 

Percebo que o tempo que tenho livre é utilíssimo. O tédio que assoma (e assombra) aqueles que tem tempo suficiente para se entediar mas não o suficiente para gozar inexiste em meu cotidiano. Antes ele é oportunidade de dar avanços frutíferos em minhas pesquisas pessoais (do espírito e do mundo) e me exercitar, contemplar, assistir filmes, ouvir música e dialogar com amigos e família - um círculo muito pequeno, mas aberto. Essa necessidade de sempre iniciar e manter assunto pelo simples imperativo da conveniência e sociabilidade** é o que reforça o lugar-comum e gera desperdício de tempo e conhecimento. A preocupação com a horizontalidade social é tamanha que nada (ou pouco) de trabalho, em substância, é realizado na verticalidade do sentimento, gerando nada mais do que uma "realidade" em constante ruptura e subsequentes conflitos (internos e externos, intensos e extensos). Dizer isso, mesmo que delicadamente e ponderadamente, deve trazer interpretações distorcidas, gerando rancores num mundo já pleno destes. Por esse motivo aqui é o único espaço para isso - aberto, dificilmente acessível, pois há uma dupla muralha: a da concentração na leitura carregada de terminologia difícil, e da compreensão da realidade espiritual.  Quando se percebe o poder da Realidade (a intangível), a autonomia passa a ser uma postura natural do ser. Isso não necessariamente indica em que ponto ele está, e sim a sua orientação à meta comum - o Absoluto, para se integrar ao Sistema***. 

Há algumas semanas, nesse tempo livre, assisti um filme clássico (1954) intitulado "O Egípcio" [1]. Ao contrário dos épicos Ben-Hur, Os Dez Mandamentos e Lawrence da Arábia, o filme não cativa pelo tipo de produção. A música não se compara; o elenco não é formidável; o roteiro não se desenvolve plenamente. E, até certo ponto, chega-se a criar um desdém pelo filme. Em especial por Sinuhe, protagonista da história, médico, em busca de algo que nem imagina o que é. Essa busca é permeada de desespero, ódio, riqueza, pobreza. Desilusão odiosa que acaba gerando exclusão à força. E depois, quando tem-se um panorama geral e uma visão mística, desprendimento glorioso e exclusão natural - para uma inclusão, em outro campo...no reino de uma consciência iluminada...

Sinue e Akhenaton - transbordar do infinito pelo
canal finito.
Sinuhe, o médico, é personagem fictício - pelo que se sabe. O faraó Aquenáton [2], por outro lado, existiu - apesar de todo esforço da alta cúpula dos sacerdotes em eliminar por completo sua história, legado e essência. Trata-se de um dos personagens mais enigmáticos da História. Duplo vértice de seus tempos: da consciência universal e do poder global. O primeiro ser, pelo que se tem notícia, altamente consciente e com poder no mundo. O faraó monista [3]. Ou, do ponto de vista do mundo: o faraó rebelde [4].

A história de Sinue é apenas contexto para a circulação de uma corrente de pensamento das mais altas esferas. A consciência monista, como a de Cristo, 13 séculos antes da aparição deste. Não se trata de redefinir o "fundador" do cristianismo - mesmo porque Cristo nunca se considerou fundador de nada (gênese de instituições humanas, atrasadas para os verdadeiros místicos), mas "apenas" despertador de consciências. Trata-se de revelar que surgiu neste globo um ser humano advindo das mais altas esferas, como a mais alta autoridade, que foi ganhando consciência à medida que sua vida se desenrolou. Isso influenciou profundamente, por um curto período - no qual foi Faraó - o mundo. Mundo este que, da parte de seus mandantes, se sentiram abalados até a medula - e por isso acabaram por eliminar aquele que jamais poderia sê-lo. Estamos diante de um abismo capaz de destroçar as mentalidades de superfície. Apenas quem deseja atingir uma verdade mais vasta pode embarcar nessa viagem - que é a jornada multimilenar da humanidade rumo à consciência suprema [5].

É pouco explorada o desenvolvimento da personalidade do faraó ao longo de sua vida. Seu personagem aparece pouco. Dessas cenas, pode-se perceber difusamente como evoluiu sua visão da Divindade e do Universo. Mas na cena de sua morte, antes de ceder, profere as palavras mais poderosas jamais ditas num palácio. Palavras breves, mas que dizem muito. Infinitamente mais do que todos outros dizem (e compreendem...). Aí vemos que, no leito de morte, havia atingido a consciência de um Deus não apenas único, mas que é e não é a própria criação, estando além de todo Universo físico (espaço-tempo), englobando-o com o seu simples ato de pensar (espírito).

Ele (Akhenaton) inicia sua vida como monoteísta, adorando um único Deus, que considerava como sendo o Sol (Áton). Visão antropomórfica, mas muito à frente do politeísmo praticado na época, com mais de dois mil deuses, cada qual fonte de domínio de poucos sobre muitas almas, mentes e corpos. Parece que 17 anos de reinado e incompreensão trouxe um despertar imenso a esse homem. Em tal ponto que, ao findar sua breve vida, sua concepção de Deus atinge um vértice que até hoje quem a possui continua sendo considerado progressista. Isso é, para quem compreende do que se trata, algo assombroso.

Toda nossa vida é guiada por um princípio fundamental próprio, subjetivo, que nada mais é do que a nossa capacidade de compreender a Verdade (Absoluta), situada fora de nosso plano - mas que o domina e guia por completo, majestosamente. Esse princípio evolui no tempo universal, "espaço" no qual se dão as experiência bio-psíquicas. Experiências cada vez mais sutis, adequadas à nossa sensibilidade espiritual.



Assistir o filme. Revê-lo. Pesquisar sobre seus personagens. Sentir os ciclos históricos, com seus personagens revolucionários. Elaborar ensaio sobre. Tudo isso é parte de uma jornada longa e sofrida, bela e intensa, que deve se ordenar harmonicamente consigo mesma - para depois se irmanar com outros caminhos, igualmente sedentos daquilo que saciará a sede eternamente. E assim, uns poucos seres, formando uma massa crítica [6] altamente consciente, terá a oportunidade de forjar o destino de toda a espécie, toda a vida, todo o planeta, todas as religiões, filosofias e ciências, orientando-as, formando um ambiente verdadeiramente colaborativo - que atualmente só existe no discurso.

Amém.

Referências

[1] https://www.youtube.com/watch?v=6QGrqYm4GVs
[2] http://www.bbc.com/portuguese/geral-40602931
[3] https://en.wikipedia.org/wiki/Akhenaten
[4] https://www.youtube.com/watch?v=hPlHwTXi7tk
[5] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2014/11/um-ciclo-duas-fases-piramide-expansiva.html
[6] Referência a futuro ensaio.

Observações
* Modo de se construir os instintos (subconsciente), desde o nível biológico até o puro psiquismo.
** Já diferenciei "sociabilidade" e "sensibilidade social" em outro ensaio, revelando que ambos são, geralmente (não totalmente), inversamente proporcionais. Link: http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2014/02/sensibilidade-social-versus.html
*** Para mais detalhes deve-se estudar as obras fundamentais de Ubaldi, em particular, A Grande Sìntese, O Sistema, Queda e Salvação, Deus e Universo. 

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