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domingo, 3 de dezembro de 2017

O Cinema (assim como toda a Arte) serve para Despertar

Tudo é justo se compreendermos a essência da vida. Os fenômenos, à medida que são assimilados definitivamente pela mente (razão / consciente) e enraizados na natureza humana (instintos / subconsciente), passam a influir em nossos gestos, olhares, decisões e atitudes cotidianas. Essa consolidação íntima, que pode ser atingida por vários caminhos, se desdobra numa vida mais autônoma. Autônoma porque consciente. Consciente porque orientada. Conhece-se melhor a dinâmica do Universo. Sente-se mais intensamente as palavras proferidas pelos Místicos, Profetas, Heróis e Gênios de outrora - e de agora, ainda não reconhecidos. Busca-se de forma mais orientada aquilo que realmente interessa.

Frank Capra (1897-1991). Cineasta italiano
naturalizado norte-americano. Se imortalizou com obras como
"A Felicidade não se Compra" (1946);
"A Mulher faz o Homem" (1939) e
"Do Mundo nada Se Leva" (1935)". 
O objetivo da vida, muitos dizem, é ser feliz. Atingir um estado de satisfação interior, em miúdos. Mas essa felicidade, em nosso mundo, é buscada através dos métodos do mundo. Esses métodos são produtos da mentalidade predominante, calcada na razão e bom senso - que diga-se de passagem, são extremamente importantes e fatores-chave para o progresso humano nos últimos séculos. Os resultados vem. E vão - com a mesma rapidez com que vieram. E esse "ir embora" não é externo, apesar desse "obter / atingir" é produto de ações exteriores, concretas, baseada em ensinamentos e referências deste mundo. E então inicia-se a reflexão: obter por vias exteriores uma satisfação interior é realmente o caminho? Toda minha vida consistiu em compreender a fenomenologia universal que rege nossa ascensão oscilante e dolorida ao longo da exaustiva jornada tortuosa das existências sucessivas. Não apenas a minha: a de todo mundo. Quer as pessoas tenham consciência disso ou não. A afirmativa pode soar arrogante, mas eu, para manter o equilíbrio universal perante as forças da vida, igualmente aceito o risco e desdobro a afirmativa. Desdobro-a através de minha vida, numa constante batalha pela compreensão das dores e pela superação de minha animalidade, que está pronta a lançar todas suas garras tão logo eu me disponha a olhar para o alto e abandonar velhos hábitos. Esta sim é a maior batalha da vida. Batalha que supera os limites do Universo, ocorrendo no e além do espaço-tempo.

Existem vários caminhos para superar a natureza inferior. Cada um trilha o seu. Mas todos, se percorridos e assimilados, levam ao mesmo destino supremo. É aí, nesse ponto, vértice da sinceridade e da seriedade, que atinge-se a felicidade permanente, não-fragmentada, não-degradável. Blindada pela couraça mais forte. Desconhecida pelo intelecto humano. Dinâmica espiritualmente. Verdadeira. Mas sua busca inicia-se não por fora, mas por dentro, reino de sentimentos e pensamentos desconhecidos e indomados...

Woody Allen (1935). Consegue falar sobre questões
profundas da vida de forma cômica. É um caso
interessante. A liberdade dada à equipe, como tem
suas ideias para os roteiros, como filma...tudo revela
um estilo seu.
Tudo na vida acaba servindo para um propósito - mesmo que não tenhamos noção clara disso. Alguns tem vaga intuição do porquê continuam fazendo algo, seja um projeto, um estudo, uma pesquisa, uma relação, um modo de agir, de pensar, de sentir, etc. Da mesma forma, todas coisas do mundo tem uma função, que deve ser usada da melhor forma possível para despertar a consciência. O que está latente deve se tornar manifesto, e assim se materializar em atitudes potentes e orientadas, elevando a vida do explorador do universo interior. Como exemplo eu gostaria de falar sobre o Cinema (o verdadeiro!), que tanto marca minha trajetória, me inspirando nos momentos de busca de ideias; aquietando nos momentos de desespero e raiva; e intensificando minha capacidade de relacionar fenômenos e sentir o palpitar das forças da vida. Não me refiro nem ao cinema puramente intelectual, repleto de jargões e técnicas da alta cultura, nem ao cinema comercial, totalmente voltado para entretenimento e diversão. Aponto para um Cinema que eleva a alma. Seja através do drama da vida, manifestado em tragédia ou comédia; pelo suspense da expectativa; pela  ação orientada para fins globais maiores, mais duradouros; ou pela fusão entre realidade e ficção, que combinadas tornam a História mais viva e transformável. E o desejo da Utopia mais lancinante. Através de uma ordenação - por vezes caótica, mas com orientação suprema - de imagens, sons, gestos, música, atitudes e atos, a alma se fascina, chora, imagina, reflete, sente e sai da sala escura diferente de como entrou. Repensa-se a vida e observa-se o mundo diversamente. Pode-se rir e divertir, mas com significado que vai além do mero ato de satisfazer os instintos. 

"A Vida dos Outros" (2007). Impressionante.
Cada cena, cada plano possui um significado.
Desperdício zero - emoção máxima. 
A Arte possui uma importância ímpar. Seu papel é essencial para a ascensão da humanidade e suas instituições. Sem ela ficaríamos nus perante o abismo dos miúdos desafios, que se apresentam dia-a-dia, e dos supremos, que tanto nos desesperam. Mas não basta ter acesso a ela. Não basta compreendê-la analiticamente. Não basta estar cheio de informações e relacioná-las coerentemente. Não basta difundi-la sem impulso. Sem ímpeto interior. Sem explosões metafísicas. Precisamos de tudo isso sim. Mas há um quid  que faz toda diferença. Trata-se de sentir o transformismo que rege todo nível de existência, desde o físico até o metafísico. E de deixá-lo invadir sua alma, inundando seus mais íntimos segredos, desnudando-os; abalando furiosamente seu sistema de crenças e valores; fascinando de dentro para fora. Usar-se do mundo para elevá-lo. O seu e o outro.

Quanto maior o grau de seletividade atingido, melhor. Mas antes de se chegar nesse estado, é preciso ter visto muito - por vezes coisas ruins, que pouco dizem mas muito perturbam (os sentidos) e desviam (a mente) do que realmente interessa. Elevar-se através da experiência cinematográfica não é simplesmente ser um cinéfilo. É capturar a essência mística. Já falei disso de forma explosiva alhures [1]. Não se repassa. Transmite-se de forma própria, intensa, a mensagem subliminar da obra. Seu misticismo, que por vezes nem sequer o realizador percebeu enquanto materializava a película - mas os Grandes cineastas sempre sabem o que estão fazendo, e porque o fazem.

Minha vida deve muito à Sétima Arte. Ouso afirmar que poucos fizeram um uso tão potente de algo tão abstrato para forjar um destino tão diverso. Quando a pessoa aprende a "ler" naturalmente as nuances dos fenômenos, é tocada pelo significado mais profundo de cada acontecimento. O simbolizado se revela mais em sua luminosidade intensa. O símbolo se torna mais transparente, desnecessário. O resultado prático é que perde-se menos tempo com o que antes nos prendia. Vamos direto à essência das coisas, não nos atendo à multiplicidade dos fatos e suas embromações, mas captando, num relance, a substância daquilo, universalizando significados.

Matrix (1999). Filme que revela a Grande Batalha metafísica
que se passa entre os conscientes e os poderosos. Evangelho
e Gita evidente e presente em cada cena -
se vista com olhar espiritual.
Esse aspecto do meu caminhar (cinema) se enquadra num plano geral, inicialmente desconhecido, que vai se revelando à medida que a vida avança, com os acontecimentos se desdobrando de forma cada vez mais lógica, com um sentido que antes era inexistente. Aos 13~14 anos comecei a assistir filmes com outro enfoque. Algo havia despertado em mim. Aquilo simplesmente me agradava. Muito (é claro) se deveu à influência familiar. Especialmente a paterna. E assim fui progredindo. Inicialmente eu era um espectador cult, normal, que percebia aspectos identificáveis a qualquer cinéfilo. Mas isso estava destinado a se tornar algo a mais.

Á medida que a minha personalidade progredia, não apenas em maturação física-intelectual (exterior), mas sobretudo espiritual (interior), o que antes era um refugio agradável passou a ser um meio de sutilização do espírito, através de experiências sensoriais que traziam em si um significado muito mais forte do que sensações. Tratava-se de uma manifestação do infinito por meio de um finito. O não-dito, oculto através do dito, passou a ser percebido. Cada vez mais rapidamente. Facilmente. Naturalmente. Assim entrei numa nova fase, na qual a seletividade passou a predominar sobre minhas escolhas. E não apenas uma seleção qualquer, mas uma com orientação. Isso apenas é percebido após o período de transformação ter se consumado, deixando um rastro em seu passado, revelando a diferença enorme entre o antes e o depois. A substância se sutilizou....

Sendo assim, a Arte vale apenas na medida em que ela pode transformar o ser humano, tornando-o melhor para si - e para os outros, incluindo todo ecossistema. Ela possui uma função suprema, poética e sublime, que todo grande artista, seja cineasta, pintor, escritor, músico, arquiteto, dramaturgo ou escultor, deve ter em seu coração e exprimir através de suas mãos e voz. 


Referências e observações

[1] Para compreender (e talvez sentir) o que quero transmitir, recomendo a leitura e reflexão profunda dos seguintes ensaios:

- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/06/matrix-uma-visao-mistico-cosmica.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/10/v-em-busca-da-verdadeira-unidade.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2014/10/quando-vida-dos-outros-muda-sua-vida-e.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2014/09/a-felicidade-nao-se-compra.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2017/07/os-miseraveis-queda-e-salvacao.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2017/04/o-melhor-da-juventude-la-meglio-gioventu.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2016/08/ben-hur-e-natureza-cristica-subjacente.html
- http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2016/01/enigma-o-jogo-da-imitacao.html 

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