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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Unidade ou fragmentação

O despertar da razão nasce na espécie mais complexa do planeta (o homem). A configuração orgânica chega ao auge com o homo sapiens. Seu sistema digestivo, respiratório, muscular, seus ossos, seu cérebro e neurônios,...tudo aponta para um grau de sofisticação nunca atingido por outra espécie. O humano não é o mais forte, nem mais rápido, tampouco mais resistente às intempéries. Mas seu intelecto é capaz de associar fatos externos entre si, construindo a ideia de causalidade. Relações entre os fenômenos passa a ser recurso para criar a técnica - e assim começam a surgir as ferramentas. 

A esbeltez do espírito deve refletir na esbeltez da mente,
das emoções e do corpo. 
A economia é uma extensão da biologia. Melhor dizendo: trata-se de uma continuação da evolução externa (material) num nível radicalmente diverso. Nossa espécie passou a operar predominantemente no nível exossomático. Não apenas construímos máquinas, mas também máquinas que constroem outras máquinas - sempre baseado em princípios ditados por nós. Isso possibilitou o domínio relativo sobre a natureza. 

Da revolução neolítica (10.000 a.C.) até o Iluminismo (século XVIII) a humanidade manteve um padrão de vida considerado baixo. É claro que foram criadas formas de organização como os Estados antigos do Egito, da Índia, da Grécia e Roma. E a base religiosa do mundo (cujos troncos principais foram o Budismo e o Cristianismo) teve sua gênese devido à inúmeros avanços, cujo primordial foi a escrita. Além dos fundamentos das filosofias - e posteriormente o desenvolvimento das ciências. Percorrendo essa formidável trajetória multimilenar, regada de sofrimentos, conquistas, esquemas, repetições, superstições e superações, sentimos a preparação do terreno da civilização para uma etapa muito potente, de transição profunda, que será breve e terá como função capital alavancar a nossa espécie para um nível de conforto nunca visto - este é o meio. E com suas consequências fazer despertar em nós, de forma muito sutil porém intensa, um senso de evolução que vá além das exterioridades tecnológicas e físicas, apontando para o espírito - a finalidade.

Tudo que surge na humanidade é apoiado em uma ou mais conquistas anteriores. Conquistas estas que foram antes se consolidando através de assimilações, repetições, de forma a incorporar no corpo coletivo uma nova cultura. Aquela da moral talvez seja a que aponte para as maiores alturas. E a partir dela, os indivíduos mais adiantados na jornada evolutiva poderão usá-la para chegar a um patamar inimaginável para a imensa maioria: tornar prática cotidiana, natural, instintiva, aquilo que apenas é apontado como ideal - mas jamais aplicado na vida íntima. 

Vicente de Paulo. Após mais de 50 anos, desenterraram seu
corpo para a exumação. Encontraram-no intacto, incorruptível.
Assim é o organismo ocupado por grandes espíritos.
Muitos acreditam que o mundo não mudou em milhares de anos. Mas essa visão superficial denota uma sensibilidade de superfície, presa à forma, que apresenta incontáveis versões fragmentadas, apresentadas de modo contraditório. Observando à fundo nota-se. Recorrendo ao Cinema, com dois filmes excelentes: Spartacus e Padre Vicente de Paulo [2] (cujo título exato não me recordo, mas é sobre o dito cujo). Há cenas que demonstram o comportamento das mulheres da alta sociedade tanto na Roma antiga (70 a.C.) quanto na frança absolutista (Séc. XVII). Vejamos o primeiro filme - antes da vinda de Cristo - que se passa numa sociedade politeísta: nos duelos entre os gladiadores deseja-se (pede-se) a morte do outro para pura satisfação pessoal. O outro é uma mera distração. A vida de um escravo não tinha valor e a morte de centenas para divertir uma classe era fato normal, cuja repetição não suscitava nenhum tipo de indignação - nem por parte dos condenados. No segundo (Pde. Vicente) as damas da aristocracia, após verem o Padre (depois Santo) Vicente levar uma vida de dedicação, dando tudo ao seu alcance (suas reservas, energia, saúde, conhecimento e amor) para aliviar o sofrimento daqueles que se vêem jogados num mundo atrasado e desesperançoso, começam a se organizar para auxiliá-lo. É fato que existe outra coisa por trás: elas sentem na sua vida de abundância uma reprodução de um modo de ser e (consequentemente) fazer cada vez mais afastado do espírito cristão - que elas tanto seguem formalmente, nas missas e falatórios. Uma vida sem sentido na abundância da matéria e das gargalhadas. O Padre, rodeado pela pobreza, abraça-a e aponta para cima. Sente asco pelo que poderia ter pelos seus conhecimentos e posição. A consciência fala mais alto. Em suma: as damas, apesar de longe de um despertamento efetivo, se preocupam em ajudar o pobre - mesmo que sem grandes sacrifícios pessoais. Antes (Roma politeísta) o prazer puro. Depois (Ocidente cristão) uma beneficência deficiente. Dezesseis séculos após a vinda de Cristo percebe-se que no íntimo as coisas se alteram. Tudo dentro da medida do permitido pela ordem dominante claro. O mundo muda, mas lentamente. Muito lentamente...

A Era Moderna nos trouxe a maior conquista da civilização [1]: O Estado Moderno. A passagem do Teocentrismo medieval para o Antropocentrismo moderno permitiu o nascimento formal e efetivo da Ciência, - em todos seus aspectos, natural e humano - uma outra conquista formidável. Esses dois elementos (Estado e Ciência) permitiram a forja de uma sociedade completamente diferente de todas aquelas que haviam surgido e desaparecido. O conforto material finalmente chegara. 

J.M. Keynes: visionário. Suas previsões podem se
realizar. Isso depende apenas de nosso bom-senso.
Em 1930, numa conferência em Madrid, J.M. Keynes [3], economista inglês, esboçou uma possibilidade a ser vivenciada pelas próximas gerações, dentro de um século. Essa possibilidade seria a abolição global das misérias materiais que sempre afligiram a humanidade - tanto em sua fase pré-histórica das cavernas quanto aquela das civilizações históricas. Isso, conforme o próprio afirma, se deu graças ao acúmulo sem precedentes de capital, que possibilitou a Revolução Industrial e assim a produção de bens e serviços nunca vistos, em quantidades enormes. A Revolução Francesa abriu portas para a introdução dos conceitos de democracia e igualdade (ao menos teoricamente), que apontam para a liberdade. Esses conceitos de sociedade e organização política alimentaram os movimentos operários (séc. XIX até meados do XX) e sociais (séc. XX em diante), que através de lutas e persistências conseguiram certas conquistas, reconhecidas por parte dos poderes como imprescindível para o funcionamento do organismo coletivo chamado humanidade. No momento atual, em todo mundo, essas (poucas) conquistas estão sofrendo um processos de erosão. Mas o pior não é esse esfarelamento - a questão é edificar, transformando o conceito substancial de Estado em realidade concreta, criando um organismo que pode fazer frente à barbárie que se anuncia.

O mundo não pode avançar sem o Estado e a Ciência. Eliminar um ou ambos significaria um retrocesso de proporções inimagináveis. A questão é compreender qual o significado desses dois agentes coletivos, supra-humanos, nascidos da razão mas operantes de forma relativamente autônoma a partir de uma fase. Essa consciência falta ao grosso da humanidade, razão pela qual poucas pessoas participam de questões ligadas à política, economia e legislação - que controlam os processos de investimento em ciência, tecnologia, mídia, etc. O perigo se amplia à medida que se faz o jogo de se manter distraído na esperança de que tudo (crise) passe. Nesse aspecto reproduzimos os atos atávicos medievais, depositando nossa fé num sistema econômico que se desconectou da realidade ecológica e social. 

É verdade que houveram grandes males cometidos através do Estado no século XX. A Ciência igualmente serviu a interesses escusos. No entanto, tratam-se de ferramentas (meios), não de causas. Ademais, é preciso perceber a sutileza sistêmica presente nas ondas da História. O fascismo nasce num contexto de crise, quando aqueles que ascenderam e se tornaram proprietários com um tipo de trabalho mais intelectual/sofisticado (mas não melhor!), isto é, as classes médias, veem risco de queda e não podem correr nenhum risco. Quando a ameaça de conforto está à espreita, são os que estão no meio (eu diria aqueles entre o 19% de baixo dos 20% do topo, ou seja, o topo exceto a elite do 1%) que mais estão dispostos a apoiar regimes totalitários [4]. O nazismo nasceu assim. Trump vence as eleições pelos mesmos motivos basicamente. E essa erosão sempre teve como causa uma crise do sistema (capitalista). Trata-se de um sistema apoiado por uma lógica produtora de crises constantes. É crônico. É igualmente cômico perceber que muitos economistas ainda não estão dispostos a subordinar sua "ciência" a uma diretriz mais vasta: a ecologia. 

Ciência. Junto com o Estado Moderno, a maior conquista
da civilização antropocêntrica.
Essas questões nos levam a um aspecto mais profundo que reside dentro dos indivíduos, no íntimo da alma. Trata-se da fragmentação de nossa personalidade através das tecnologias recentes e do excesso de informação. 

É preocupante perceber que estamos vivendo uma época paradoxal: um máximo de possibilidades abortadas por uma maré de desperdício. Como isso ocorre? O fenômeno é complexo, mas pode ser sintetizado por um simples conceito. Estamos na era da informação. Mas sem conhecimento não há o desenvolvimento necessário. Este fica restrito a alguns - não necessariamente ricos, mas com uma vida razoavelmente decente, que permita a aquisição de boa instrução e exercícios de atividades úteis. Sem o conhecimento busca-se mais informação, repassa-se qualquer coisa e habitua-se a mente a buscar preenchimento quantitativo no vazio qualitativo. No entanto, nem mesmo o saber irá resolver a questão da fragmentação / desorientação. É necessário chegar ao Lógos - a razão crística segundo Rohden, ou intuição, segundo Ubaldi.

Tendo uma vida fragmentada no tempo e no espaço, nossas atividades tornam-se menos eficientes, e portanto mais desgastantes. O sofrimento continua porque os meios de superá-lo são travados pelos processos mentais circulares (repetitivos). As condições sistêmicas alimentam isso, dando as condições para que essa reprodução vazia se perpetue indefinidamente. São as distrações midiáticas (TV, rádio, jornais, revistas, internet) e sociais (fofocas, panelas, reações argumentativas); o consumo conspícuo (shoppings, baladas, bares e derivados); o trabalho alienado e alienante (horas infindáveis sem executar algo que desperte a consciência). Tudo contribui. E comprova a veracidade da teoria de Ubaldi do S e do AS [5]

O diagrama de Ubaldi explica de forma
geométrica o fenômeno evolutivo.
A reencarnação nada mais é do que fenômeno natural do universo decaído (AS), no qual a vida - que é una e portanto eterna - se torna fragmentada devido à queda das dimensões, implicando num ciclo de inúmeros nascimentos e mortes, com todas suas dolorosas consequências. A matéria se desagrega com o passar dos anos. Ela está sujeita à lei da entropia [6], que aponta para a desorganização de qualquer sistema termodinâmico. Assim ela "profetiza" o fim da matéria, com o fim do universo físico. Mas a vida é algo diverso daquilo que aprendemos na escola. Vimo-la em seu aspecto orgânico, no espaço-tempo, dependente de um substrato material, que nada mais é do que uma manifestação sua. No estágio atual depende ela desse substrato - devido ao nosso grau evolutivo. Mas a vida é fenômeno vasto e profundo, relacionado ao espírito, e pode sossegadamente progredir em universos extra-físicos, espirituais e mesmo conceptuais [7]. Pedro Orlando [8] desenvolveu de forma magistral essa ideia em seus anos finais de vida (vida utilíssima diga-se de passagem!).

Em existências terrenas estamos vivenciando o drama da fragmentação geral. E a sensação é de uma correria imensa com resultados cada vez mais efêmeros. Nunca fomos tão velozes. Jamais fizemos tão pouco em termos de substância. Caímos numa armadilha que só pode ser vencida se absorvida num esquema conceptual maior. Construí-lo exige estofo espiritual sem precedentes. Ousadia inteligente [9] pode ser um primeiro passo rumo a essa ruptura virtuosa com o paradigma passado.

Desde a década de 50 do século passado começamos a viver em "tempos sistêmicos". A interconexão entre fenômenos se torna mais clara. O que permitiu isso foi a Revolução Industrial. Desperta-se o cão feroz para nos proteger do mundo. Mas logo percebe-se que o cão cresce e se torna soberano. É necessário saber controlá-lo para que ele não nos devore e acabe consigo mesmo. O cão feroz é Lúcifer (intelecto). O controle se dá por Lógos (intuição). O primeiro é analítico. O segundo é sintético. Lógos guia Lúcifer - e não vice-versa. 

A intuição se dá quando o corpo e a mente "morrem".
Ela é a inteligência - que renasce num nível mais alto.
A ineficiência de nossos projetos de vida reflete a fragmentação interna a que nos submetemos em prol de uma suposta eficiência social-profissional. 

Se para despertar a humanidade for necessário uma catástrofe de proporções colossais, a Lei irá providenciá-la. A vida não quer gordos involuídos (conforto material pleno, nulidade espiritual). Ela visa forjar evoluídos, nem que para isso sejam magros (conscientes com pouco conforto material). Podemos ter ambos, se soubermos viver em equilíbrio, nos tornando esbeltos conscientes. Equilíbrio com nossas emoções; equilíbrio em nossas atividades; equilíbrio em nossa saúde; etc. Visando sempre um utilitarismo mais vasto. Alguns cineastas pressentem o nascimento dessa nova humanidade, e através de sua arte, verbalizam os valores vulcânicos da vontade velada [10].

Para atingir a unidade coletiva precisamos antes conquistar a unidade íntima. 

Nossas vidas devem ser vividas de acordo com nossos ideais mais puros. Devemos seguir o roteiro íntimo de forma firme, sem medo dos outros. Porque quem observa o íntimo (Deus) pode não dar a impressão de estar nos protegendo quando aqueles que só veem os atos (humanos) julgam. Mas os mais conscientes saberão que se trata de algo visando o bem de todos.

Devemos lutar para construir a cultura de concentração e reflexão profunda no íntimo, repetindo o que inicialmente pode desagradar, mas tendo fé nesse "método". Trata-se de processo contínuo, sem prazo, e visando uma transformação de atitude - não de ato. 

Sem um pouco dessa unidade interior jamais seria possível prosseguir com meu trabalho e doutorado, com este blog, com a elaboração de curso de extensão, com meu despertar - entre outras coisas. Todas construções sólidas da humanidade se dão num ambiente unitário. A história confirma. A vivência consolida.

Unidade corrigindo a fragmentação. Eis a solução geral.

Passemos para as especificidades. Cada qual com a sua - mas todos com a mesma orientação suprema.

Referências:
[1] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2018/01/a-maior-conquista-da-civilizacao.html
[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Vicente_de_Paulo
[3] http://www.geocities.ws/luso_america/KeynesPO.pdf
[4] https://eand.co/the-downwardly-mobile-society-b3d538b6dd27
[5] Sistema (S) e Anti-Sistema (AS). Para saber mais, ler Queda e Salvação, de P. Ubaldi. 
[6] https://pt.wikipedia.org/wiki/Entropia
[7] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2017/10/racionalismo-em-cheque.html
[8] http://monismo.net/indice1.html
[9] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2013/12/aconquista-de-aqaba-importancia-da.html
[10] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2015/10/v-em-busca-da-verdadeira-unidade.html

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