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quarta-feira, 7 de março de 2018

Pensamento Sistêmico - Ponte entre Técnica e Misticismo

No universo das ideias, permeadas de pensamento e sentimento, a transubstanciação das partes contraditórias em complementares caracteriza a fusão das almas. Esse fenômeno é esforço titânico de elaboração interior, no qual muda-se completamente a percepção dos eventos através da síntese conceptual que atinge diretamente os modelos mentais, numa visão arrebatadora. Atingir esse tipo de consciência é o primeiro passo para a evoluir. 

Figura 1.
O mundo será bom quando nossa natureza íntima for
minimamente próxima a deste homem.
A humanidade marcha rumo a um choque profundo que irá abalar seus conceitos mais queridos, tidos como sólidos e imutáveis, a fim de perceber uma realidade mais rica de significado, com eficiência nos processos e intensidade nas atividades. Esse caminhar progressivo rumo à barreira do som espiritual - um ponto no qual a prioridade da vida passa a ter uma prazo maior, com significado mais profundo, apontando para a extrapolação dos limites biofísicos da existência - vêm despertando, nos mais variados pontos, novas visões de ideias já apresentadas. É um esforço preliminar de unificação. Sínteses parciais nas ciências. Surgimento de novas doutrinas. Sínteses conceptuais supremas no campo do gênio do espírito, que sofre e luta incansavelmente para transmitir o sublime em palavras adequadas ao nosso tempo. 

Podemos dividir a História (humana) em três grandes fases - duas das quais já tiveram sua gênese e desenvolvimento:
  1. Fase místico-religiosa;
  2. Fase técnica-racional;
  3. Fase místico-unitária.
Vejamos pormenorizadamente cada uma delas para saber sobre a essência.

1. Fase místico-religiosa

Na Antiguidade e na Idade Média (4000 a.C. - 1500 d.C.) a civilização se desenvolveu prevalentemente seguindo um eixo religioso, no qual a revelação era a forma de se atingir o conhecimento de algo. Época dos Profetas bíblicos, dos Vedas com a Baghavad Gita, do Buda, do Tao Te Ching, do Evangelho, dos Santos, do Cristo. Na primeira parte desse vasto período humano o imaginário humano das massas era dominada pelo conceito politeísta da divindade. Ou seja, havia um grupo de deuses, antropomorficamente representáveis através de esculturas, e dotados de características humanas, com suas virtudes e vícios. A diferença consistia nos poderes de cada deus/deusa, sempre além de qualquer poder humano. Deus, para nossa espécie, estava fragmentado em seu conceito e humanizado em sua divindade. Esse rebaixamento era compatível com a forma mental humana média, incapaz de compreender algo além dos conceitos arraigados e praticados. 

Os hebreus introduziram o conceito de monoteísmo - apesar de já haver gigantes do espírito que tinham concepções muito superiores, como o faraó monista*. Um único Deus, ou seja, Deus de fato, unidade. Mas apresentado em seu aspecto de Lei férrea que castiga, capaz de endireitar pela força. Daí em diante inicia-se as revelações de Moisés, que escreve os primeiros cinco livro do Antigo Testamento. Até o século IV a.C. surgem uma série de profetas: Isaías, Daniel, Elias, Malaquias,...Discursos de força perfurante, mas vivências compatíveis com o ataque místico proferido, contra os poderes. Épocas fantásticas em termos de visões. 

Figura 2.
Caminhamos por montanhas, vales e rios,
enfrentando as intempéries interiores.
O pensamento racional dá seus primeiros sinais de vida. A filosofia desponta na Grécia Antiga, e com isso desdobra-se os primeiros rudimentos da Ciência. Começam a surgir e sistematizar-se campos como a geometria, a mecânica, a hidráulica, as ideias de política, de alma. Não são fundadores**, mas apenas percursores do que a Era Moderna resgatou após longo período de incubamento. 

No auge do Império Romano, que domina e coordena o mundo ocidental a seu modo, através da força do exército, das leis e dos valores politeístas, surge, numa remota província, um homem que transmite uma visão diversa da vida, capaz de emudecer os barulhentos, acalmar os raivosos, dobrar os fortes, confundir os pensadores e acalmar os sedentos por uma justiça maior. Tão luminosos eram esse conceitos que o próprio povo que, com seus profetas, previu sua chagada, não foi capaz de aceitá-lo, servindo como co-partícipe para sua eliminação. 

Cristo traz com sua vida os mais altos conceitos apresentados até então. Com vivência silenciosa, de preparo terreno de anos, ele se lança a sua missão. Em três anos de atividade pública, o Mestre e Médico, vestido na forma humana galileia, inunda o coração rumoroso do Império com conceitos que rasgam as concepções mais altas até então admitidas. Encanta os desesperados, dando-lhes um sentido; Choca os poderosos, preocupando seus instintos; Orienta os iniciados, que agora tem uma orientação suprema. Nasce o Evangelho, código de conduta da futura civilização. 

Nos últimos momentos de sua vida terrena Cristo passa pelas Dores e Glórias que só poderiam ser suas e daquele modo. O mundo não é capaz de suportar luz tão intensa por muito tempo. Era necessário eliminá-la em sua forma física para acalmar os ânimos. E eis que surgem seguidores sinceros, com ímpeto vulcânico, transmitindo Sua mensagem como um vendaval que varre as vestes dos ventríloquos, desnudando-os e irritando-os, o que leva uma horda de pessoas à crucificação e à morte no Coliseu. E assim foi por três séculos. E nenhuma violência impediu a expansão vertiginosa da onda nova. Onda monoteísta e amorosa.

No século IV o imperador Constantino resolve o problema: dá aos cristãos armas, poder e dinheiro. Funda-se a Igreja - e afunda-se a vivência. Pois a maneira mais eficaz de acabar com algo belo e unificador neste mundo não é coibir e reprimir, mas seduzir, tornando uma ideia suprema serva dos poderes do mundo. Cai o politeísmo e surge o monoteísmo pleno. Por um milênio o mundo seria dominado pela Igreja Católica. Pela força da mente. 

A Idade Média, apesar da inquisição e perseguições, revelou os reveladores. Santos e místicos explodiram nessa época. Agostinho, Francisco de Assis,Vicente de Paulo, Inácio de Loyola, Pascal ,...Gênios do sentimento que reavivaram o espírito original da mensagem de Cristo. O misticismo eclode e traz formas de vida sustentáveis, pacíficas e agregadoras - algo que nosso mundo desesperadamente necessita mas pobremente busca, preso num ritmo frenético de sensações e novidades vazias.  

Quando a revelação dá tudo que pode, nasce um novo vetor, que potenciará a mente num nível jamais visto. O racionalismo inicia sua trajetória ascensional. 

2. Fase técnica-racional 

Descartes, tido como o pai do racionalismo, é um marco que indica uma nova Era. Galilei, Newton,  Bacon, Locke e outros cientistas e pensadores dão continuidade à linha diretora, imprimindo teorias e conceitos novos, com base na razão. Penso, logo existo passa a ser o mote da civilização. Segue-se o Iluminismo, uma compilação de todo conhecimento científico; as revoluções políticas (francesa e norte-americana), que abrem as portas para uma democracia representativa e a liberdade a lógica mercantilista; e a revolução tecnológica (industrial), no fim do século XVIII, que dá ao ser humano uma potencialidade de produção sem precedentes. 

O século XIX e XX é pautado pela técnica, pela eficiência, pela produção em volume. O diagrama da Figura 3 mostra essa transição.

Figura 3. Evolução dos conceitos de produção.
O que se vê são três fases econômicas da humanidade. Na primeira (fase 1) o que era produzido por nossa espécie era dominado pela variável custo, proporcional ao volume (quantidade) produzido. Percebe-se a limitação, pois a produção era dependente da força muscular das partes. Era a época do artesanato, com suas limitações de quantidade mas vantagens da qualidade. Com a era industrial a mecanização e automação permite uma redução relativa dos custos vinculada à quantidade. Quanto mais se produz em volume, menor será o custo de produzir. Logo, o lucro tende a crescer, o que estimula uma produção maior, e ai por diante. Percebe-se a ilusão do conforto econômico que, sem considerar a ecologia, começa a assaltar a natureza (humana e não-humana) de forma cada vez mais intensa e discreta. Melhora-se o mundo de forma ineficiente, por vias de sofrimento desnecessário e extração irresponsável. O sistema-Terra e o sistema-Vida estão começando a cobrar a dívida contraída na forma de respostas fenomênicas. E assim a humanidade começa a despertar para um novo paradigma, que é o sistêmico.

Os paradigmas pré-industrial e industrial (em azul) já os conhecemos bem. O novo paradigma (rosa) é ainda pouco compreendido pelas autoridades e sociedade em geral. Pouco se pode agir em função dele nas corporações. Pouco se pode desenvolver seus conceitos nas rodas sociais. Muito se pode fazer constatando e pesquisando por conta própria. Eis o poder da verdadeira individualidade, isolamento criativo  em busca da compreensão mais profunda e vasta aliada à potenciação dos sentimentos. O isolamento sem egoísmo é aquele necessário ao indivíduo para despertar as potencialidades latentes dele e consequentemente transbordar seu meio com conceitos explosivos e vivência diversa, capazes de abalar o pensamento. A atitude encanta e atrai aqueles entediados dos experientes que vomitam conceitos já consolidados e em vias de caducidade. O ser humano está sedento pelo novo que não nega o velho mas superá-lo. Engloba conceitos e coordena-os de forma nova. 

No novo paradigma não se busca mais o volume (quantidade) na economia, e sim um balanço entre complexidade e custo. Ao remover o volume da equação central abrem-se as portas para a ecologia. Crescimento ilimitado num planeta finito não é compatível com o bom senso. Soma-se a isso a não-satisfação das ânsias humanas a partir de certo acúmulo de renda e bens e títulos. Francisco, o místico da Umbria, já sabia disso de forma intuitiva. Criar necessidades artificiais só amplia as possibilidades de sofrimento do ser humano, criando condições para conflitos e potencializando disputas. É um emborcamento da finalidade da vida. 

A fase 2 nos trouxe o ápice da técnica através do clímax da razão. O intelecto se desenvolveu ao ponto de forjar o homem moderno. Ele vê, desenvolve e aperfeiçoa os elementos de um sistema, seja este mecânico, elétrico, químico, térmico, biológico, econômico, político ou social. Mas vê com muita pobreza os relacionamento entre os mesmos - muito menos inter-sistemas. Essa questão de relação (interconexões) é majoritariamente do campo das ciências dos sistemas, cuja base é sistêmica (Tabela 1).

Tabela 1. Exemplos de sistemas e suas respectivas
características.
O que a Tabela 1 nos mostra são exemplos de três sistemas: um humano (escola), outro biológico (árvore) e um último tecnológico (satélite). Todos podem ser igualmente complexos, apesar do humano englobar o livre-arbítrio (superando a árvore e o satélite); e a árvore englobar o princípio vital, capaz de reverter temporariamente a lei da entropia, localmente (superando o satélite). 

Cada um dos sistemas possui elementos (facilmente visto pelo ser racional), interconexões (percebido por aqueles com mentalidade sistêmica) e propósito (sentido por aqueles com profundo senso místico). Logo, compreender sistemas implica em sentir e trabalhar nesses três domínios. A humanidade está entrando no segundo deles (2ª coluna) e aos poucos chegará à compreensão integral da filosofia da vida, com seu objetivo supremo: a evolução.  

 3. Fase místico-unitária

Não é possível descrever algo ainda latente. Pode-se apenas vislumbrar as potencialidades desejosas de serem realizadas. Esse é o árduo e sofrido trabalho dos super-humanos, seres biologicamente mais avançados em suas capacidades de sensibilidade que possuem vidas intercaladas por fases de contemplação interior e explosões conceptuais, gerando um ritmo harmônico que permite o deslocamento do centro de gravidade espiritual para cima. É o parto. A maiêutica socrática, que é dar luz às ideias. Não mais parir seres humanos, satisfazendo a lei do amor humano, mas gerar ideias revolucionárias, alçando a lei da evolução do super-humano. Nasce assim A Grande Síntese, as Epístolas de Paulo de Tarso, a Baghavad Gita e outras manifestações fantásticas. 
Figura 4. Atingir o cume da paixão e do pensamento.

A humanidade já assimilou as duas fases precedentes e se arrasta em sua última, apavorada pela primeira. É necessário resgatar as íntimas e belas intenções do passado e domar as ousadas sistematizações racionais do presente para forjar o raio da intuição do futuro. Isso só será conseguindo se colocarmos os pés no terceiro paradigma da mente (sistêmico), que é a ponte entre técnica e misticismo. Dessa forma poder-se-à resgatar o grandes ideais ecológicos e de justiça social do passado de forma a afirmá-los neste mundo, de forma convincente, sincera e amorosa.

Isso é o que o futuro nos reserva e nossas almas anseiam. Resta apenas os pioneiros dessa grande transição, que deverão sangrar e sofrer para dar luz a um movimento de renovação sem precedentes.

Isso é o que o íntimo me diz, martelando incessantemente minha alma, que deve responder à altura, vivendo e transmitindo os que ferve no espírito. 

Referências:
* http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2017/11/o-farao-monista.html
** os assírios, egípcios, chineses e indianos, com civilizações milenares, já tinham conhecimentos muito profundos de ciência, como a astronomia, a matemática, a medicina, a química, entre outras. 

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