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sábado, 2 de maio de 2020

Quo vadis?

"O fenômeno econômico, apesar de ser expressão da lei do menor esforço, assume sempre a forma de coação. O equilíbrio entre oferta e procura de uma luta na qual a oferta de uma mercadoria é apenas a exigência de um preço, sendo tudo movido pela própria necessidade, e não pela consciência das necessidades recíprocas."

A Grande Síntese, Cap. 92 - O Problema Econômico 

É preciso compreender porque estamos atrasando para continuar nosso avanço como espécie. Para isso precisamos perceber a estrutura sistêmica que opera de modo automático. A partir daí, deve-se submergir às profundezas da mente humana, que contém o modelo mental - fortemente arraigado, exalando seus últimos suspiros - que alimenta essa estrutura sistêmica. Esse modelo é a visão que nós, em geral, como humanidade, temos do que é progresso. E não me refiro a ideias que propagamos da boca para fora nem do que propagandeamos ser importante ou estarmos fazendo - ou pretendemos fazer. Me refiro ao próprio modo de comportamento, que se dá a cada instante. Nossos gestos, nossas atitudes, nossas reações e o que estamos construindo (e destruindo) através de nossos atos cotidianos. 

É preciso ter olhos para ver.
Esse modo de comportamento aponta o que mais prezamos e desprezamos. Por cima, escolhemos as palavras com cuidado. Agimos de modo tão cauteloso de modo a evitar retrocessos grandes, garantindo assim quedas muito pequenas, apenas, em nossa imagem. Porém, isso vem a um preço: esse freio é de mão dupla. Ou seja, do mesmo modo que não retrocedemos muito, também não progredimos, efetivamente, muito na vida. 

Quando a humanidade passa por momentos de impasses, habilidades latendes são convidadas a vir à tona. Por força das circunstâncias, brotam inesperadamente pessoas, com um arsenal de conhecimentos, contatos, habilidades e projetos, alinhando todas esses finitos humanos em prol de um infinito desconhecido. Pessoas que outrora trabalhavam de modo quieto, crescendo mas apenas em prol de sua personalidade, egoisticamente, se veem impelidos a se lançar num novo caminho - pois perceberam o que realmente importa. 

O que importa?

1) Importa estar num emprego que seja minimamente alinhado com o trabalho;
2) Importa perceber que os necessários (relativos, pessoais) tendem a se aproximar para um necessário (absoluto, comum);
3) Importa deixar de lado, dentro do possível, a obrigação burocrática, para dar vazão à criatividade ousada e inteligente;
4) Importa refletir acerca de tudo, através de tudo, e se valorizar;
5) Importa não ter vergonha de se falar certas palavras e agir de acordo com sua consciência.

Emprego é uma ocupação (geralmente mal) remunerada, que toma (geralmente) muitas horas de seu dia numa atividade que (geralmente) pouco ou nada agrega à vida das pessoas.

Trabalho é qualquer atividade que faça uso dos recursos, da energia, da vontade, do afetos e do conhecimento humano em prol da transformação substancial do mundo. 

O capitalismo é muito mais do que um sistema econômico. Ele é uma ideologia que assume diversas faces, seja lazer, relações sociais, relação trabalhistas, modo de agir na política, na ciência, entre outras. Esse conjunto de facetas se morfam ao longo dos tempos com as crises - que podem ser de vários tipos, desde energéticas até sanitárias, de guerras até a quebra dos mercados, de cultura até advento de novas tecnologias. Isto é, o sistema assume formas, ou modos de operação. Uns são mais humanos, outros menos. Mas os fins são, em última instância, o mesmo: crescimento econômico, acúmulo de benefícios, conforto, conforto, conforto,...São objetivos presos à materialidade e à repetição. Mesmo que existam meios imateriais fantásticos à disposição de muitos e muitas, o objetivo da lógica capitalista é sempre manter o ser humano preso aos aspectos mais elementares da vida e às interpretações mais superficiais. Dessa forma não sobra energia para ir além do que lhe é imposto. 

Busque o conhecimento sem se tornar arrogante.
Já revelei alhures os efeitos da natureza humana acerca de suas ocupações [1]. Resta estabelecer relações cada vez mais visíveis e compreensíveis para que a ideia se difunda - com o intuito de ser amadurecida.

Duas faces da mesma moeda: trabalho alienado e consumo conspícuo. Porque trabalho alienado não é trabalho (que desenvolve o espírito), e consumo conspícuo não é consumo (que é essencial à vida). Essa moeda é o jogo de cara e coroa que a ideologia capitalista joga com você, comigo, com todos nós, a todo momento, quando se sente desafiado. E nesse jogo, a lógica predominante sempre ganha: ou consumimos coisas que não nos fazem bem, perdendo tempo, saúde, energia e amigos, além de engessarmos as capacidades mentais; ou trabalhamos insanamente, com eficiência baixíssima, sem que a incorporação de aprendizado interior seja proporcional à perda de ânimo e saúde ao longo dos anos e décadas. O que temos comumente é a ilusão de ganharmos - quando um lado da moeda (a)parece (ser) agradável. E com essa ilusão, nos distraímos, julgando-nos vencedores dentro dessa lógica - que nessa visão não nos parece tão ruim...

O Poder Judiciário, por exemplo, é uma instituição que não nos dará justiça, pois está subordinada à lógica da ideologia dominante no mundo (capitalismo). Ele estabelece as normas de compensação / exploração, as penalidades e derivados mantendo-se a impulso de destruição das formas de vida inabalado. Por que quem determina o modo de atuação desse poder é outro (poder), muito maior, que é o do capital financeiro, com todo seu arcabouço teórico / afetivo que o sustenta. Alysson Mascaro explica muito bem (ver vídeo abaixo):


Alguns dos relativos deste mundo (não todos, nem muitos, e sim alguns...), de nossa civilização, de nossa espécie, estão distantes, mas não devem estar. Por que? Porque sem um acordo de unificação em questões substanciais, que se relacionam direta e indiretamente a tudo e a todos, não iremos conseguir superar a crise civilizatória que está vindo em ondas - cada vez mais cruéis. Primeiro com a crise financeira do setor imobiliário de 2007-8. Agora com a pandemia do COVID-19. 

O necessário para se ter uma vida plena deve sim ser colocado em pauta. Isso não significa que deva ser imposto um modo de vida igual a todos(as), mas que toda a civilização seja orientada para um diálogo que diminua os atritos, para debates que construam edificações sólidas, para estudos que libertem os deficientes de suas muletas, para pesquisas que revelem o sagrado oculto em cada objeto e sujeito concreto. Significa aproximar os relativos para que os empregos possam se tornar trabalhos - e para que os trabalhos possam se tornar empregos. Enquanto visões conflitantes estiverem embalando individualidades não teremos construções. O avanço será penoso e lento. E, num dado momento, paramos...E começamos a sofrer. E impomos movimento a um corpo que insiste em se manter numa câmara cheia de espinhos - ao invés de pensarmos como sair dessa câmara de morte que nos comprime cada vez mais a cada ano, cada década...

Abandonar a burocracia pode ser perigoso. Para isso é preciso que sua natureza faça uma parte do trabalho. Seres orientados possuem atitude diferente da media. Eles exalam ondas psíquicas que acabam afastando os piores tipos de obrigações. Uma poderosa couraça que, mesmo não evitando os golpes por completo, amortecem alguns deles. Isso é a bênção daqueles que já evoluíram suficientemente para perceber que este mundo faleceu. Resta começar a trabalhar para aqueles que desejam viver no novo mundo. A digo: esse trabalho não será valorizado por este mundo. Mas A Lei vê tudo e sabe o que ocorre no íntimo das criaturas. É preciso seguir sua consciência.

Quem já é capaz de perceber os fenômenos de forma mais profunda, vê as mesmas coisas de modo diferente. Daí nasce o encanto do santo, que é a êxtase do místico, a visão do gênio e a ousadia do herói. Isso dá combustível espiritual aos seres que nada mais desejam deste mundo. Para quem vê à fundo, pode-se aproximar de Deus através de tudo. As relações se tornam inumeráveis. Isso gera uma plasticidade mental sem igual. A coragem lhe dá capacidade de enveredar por trilhas pouco pisadas. O movimento horizontal, no plano (razão), procura se tornar um pouco de vertical, ascendendo, reconhecendo a existência do espaço (intuição). Bipartido é o modo de atuação. Oblíquo se torna o movimento. A reta vertical que se liga ao absoluto alimenta a teia horizontal que luta no lamacento terreno do relativo. 

Devemos buscar um novo modo de organização econômico e social. Com isso a política se transforma. O Estado passa a ter função nobre, refletindo os anseios de uma humanidade minimamente consciente. O mercado se enquadra num campo restrito, apenas para facilitar algumas trocas humanas, mas jamais para esmagar seres, formas de vida, ideias e diversidade. 

O capitalismo tem cinco séculos. Sua forma industrial, dois séculos. Sua forma financeirizada se iniciou há quatro décadas. Ele acompanha o ritmo evolutivo da humanidade, enquadrando as descobertas, invenções, palavras, discursos e afetos em prol de uma intersubjetividade egoísta. Não serve mais justamente porque os tempos apontam para sua incompatibilidade com o progresso humano.

Hoje se produz mais riqueza per capita do que nunca. Segundo Ladislau Dowbor, são mais de 11 mil reais mensais por família de quatro pessoas. As tecnologias digitais permitem uma comunicação ágil, completa e instantânea. A tecnosfera está sendo consolidada, abrindo caminho para brotar uma noosfera. A automação, a inteligência artificial, a internet das coisas permitem um número de empregos muito menor - sem prejudicar a geração de riqueza. Percebe-se que diversos empregos servem apenas para controlar o ser humano, punindo-o pelo crime de ser pobre. Pense na quantidade de recursos sendo gasta em ocupações que não agregam nenhum valor às pessoas. 

O brilhante Professor de direito da USP, Dr. Alysson Mascaro, desmistifica a visão que muitos tem a respeito do capitalismo. E abre uma brecha - que espero que rache e inunde as mentes e corações: coloca em cena a palavra socialismo. Mostra que vivemos num mundo emborcado, em que a palavra feia (capitalismo) é vista como o bem e a palavra bonita (socialismo) é vista como o mal. Me pergunto como, uma vez que o socialismo nunca de fato existiu em nenhum lugar deste planeta. Houveram experiências no século XX (e até XIX, de forma local e breve) que logo se distanciaram das premissa. O capitalismo, por outro lado, já mostrou quase tudo do que é. Um existe, outro inexiste (ainda). Como julgar um bom e outro ruim?


A verdade é que uma ideologia (e sua lógica econômica, que a acompanha) só nasce e floresce conforme sua sintonização com a natureza da sociedade que a recebe.

Nossa natureza está muito mais alinhada com os conceitos e premissas do capitalismo do que com os do socialismo - por isso este "nunca deu certo". Somos muito centrados em nós mesmos. Nossa preocupação com o outro se dá na medida em que vemos vantagens indiretas à nossa pessoa, à nossa nação, ao nosso grupo, à nossa linha de pesquisa, à nossa área, à nossa filosofia de vida, à nossa história, à nossa cultura, à nossa religião, etc. Mas jamais pensando em termos universais, que extrapolem os limites do conhecido e do cognoscível. Chegou o tempo de superarmos essa natureza - ao menos num grau mínimo.
 
Nós queremos mudanças profundas (de verdade!)
É preciso acrescentar a visão de Ubaldi ao sentimento de Mascaro: A criatura sofre suas dores porque não tem capacidade de se libertar delas. Nesse aspecto a sociedade, como um corpo coletivo, merce queimar na panela de desespero que insiste em habitar. Ela, em sua maioria, ainda não percebeu qual é o cerne do problema: despertar a consciência para superar a ideologia capitalista e seu capataz sistema econômico. 

Ambos (Ubaldi e Mascaro) estão certos. Só que Ubaldi nos dá a visão sintética, universal, substancial - a causa primeira e os objetivos últimos. E Mascaro nos dá os pormenores, os detalhes, os meios, em palavras acessíveis, inteligentes, belas e completas. Precisamos desses dois biótipos.

"Riscai as palavras "injusto" e "inútil" do universo e dizei que tudo é proporcional aos valores dos seres. Se a luta, outrora, foi física, mas é hoje econômica e nervosa, ela será amanhã espiritual e ideal, tornando-se muito mais digna de ser combatida."

A Grande Síntese, Cap. 95 - A Evolução da Luta [2]

Evoluiremos, sim. Mesmo porque o espírito, o indivíduo, a consciência indivisa e íntegra, não perece com a destruição material do organismo. Mas seria melhor seguir o exemplo de Cristo, adotando o bom-senso, uma forma de amor primária (mas ainda assim amor), para nos alinharmos à Lei e assim criarmos uma ideia coletiva mais elevada das coisas. Caso contrário, a Justiça se fará através das próprias leis do mundo - físico, humano e moral. Aí atuará o 'Deus de Moisés', cujo golpe é preciso, inexorável e devassador.

Cristo veio nos mostrar o caminho a ser seguido para nos enquadrarmos à Lei, e assim evoluirmos com menos dor. Mas nós não aceitamos e imergimos esse ser elevadíssimo em dor...

Dois mil anos se passaram e a humanidade está se crucificando de forma infinitamente mais dolorosa do que aquela que crucificou Cristo. Não aprendemos muito em tanto tempo. As condições mundiais demandas mudanças interiores profundas em pouco tempo. Caso contrário iremos evoluir às custas de dores infindáveis.

A pandemia que assola nosso planeta é apenas a primeira de uma série de ondas, que virão de várias formas, cada vez mais fortes, devastadoras. Atuando de forma coordenada, com golpes certeiros que irão desestabilizar cada vez mais o indivíduo médio - e o sistema que ele tanto defende e preza.

A questão não é desesperar-se para voltarmos ao trabalho, à vida normal. O capitalismo (mentalidade coletiva média) grita, revelando desespero para voltarmos ao modo de exploração de outrora. Mesmo com bilhões perdendo emprego, outros milhões passando fome e necessidades das mais essenciais, e outros morrendo e perdendo saúde por estresse físico e psíquico. Mesmo assim, o sonho de muitos é o desejo do sistema. E esse desejo é o pesadelo de quem quer evoluir.

O mundo não precisa de pessoas afogadas em ocupações que remuneram as inutilidades e disfarçam as vildades. O mundo precisa de orientação. Para isso as pessoas precisam se conscientizar de que um modo de organização tão espúrio é o cerne do problema. 

Possuímos a tecnologia, possuímos a ciência, a cultura, as pessoas, as instituições e os recursos. Por que não se resolvem os problemas fundamentais definitivamente? A questão é outra...

É preciso adentrar no terreno da História, das Ciências Sociais, das humanidades enfim, para perceber o que ocorre. Mas ao mesmo tempo, é preciso resgatar os multimilenares valores teológicos para que possamos orientar tudo isso. Teologia + Humanidades + C&T (Ciência e Tecnologia).

Quo vadis? (para onda vais?)

Para onde caminhamos, se mantivermos esse tipo de lógica?


Referências:
[1] https://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2015/11/a-felicidade-tranquiliza-infelicidade.html
[2] UBALDI, Pietro. A Grande Síntese.

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