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quarta-feira, 29 de julho de 2020

A tartaruga vencerá

A fábula da tartaruga e da lebre é muito interessante. Com a mesma profundidade das parábolas de Jesus Cristo, ela traz em si elementos que nos permitem chegar a uma visão cada vez mais profunda da vida. E com isso, perceber aspectos muito interessantes em nosso mundo moderno. Para isso, é preciso saber usá-la como ponto de partida - uma origem, que contém em si os princípios que devem preencher as multiplicidades da vida, seja no campo da biologia, das ciências físicas, da tecnologia, da sociedade, da economia, das artes.

Quem persiste e se orienta, vence tudo e todos.
Todos conhecemos a história: uma lebre e uma tartaruga disputam uma corrida ao longo do campo; os animais estão reunidos por toda a longa pista; a lebre vê o oponente e se tranquiliza, pois sabe que ninguém a vence no terreno da agilidade - muito menos uma tartaruga. Esta, por sua vez, não expressa nenhuma emoção de desânimo ou de alegria: apenas se concentra na disputa. E no final das contas, contra todas as expectativas do bom senso, vence.

O que ocorreu? Por quê? Como? São perguntas que a lebre expressa ao ver a sua lenta colega cruzar a linha de chegada antes de suas ágeis e longas pernas. Ela estava incrédula. E não compreende. Não compreende porque só enxerga o quesito velocidade: é mil vezes mais veloz, mais ágil e elegante nos movimentos. Mas existem outros fatores que não apenas o mais visível - que podem levar à vitória definitiva...

A lebre tinha certeza de que venceria. De fato, não há páreo para suas pernas. Com pouco esforço ainda venceria com folga. Com pouquíssimo ainda, pensou. E talvez, nem precisasse se preocupar com a corrida.

O apito da largada soa e um vendaval faz uma nuvem de poeira se erguer diante da tartaruga. Em poucos segundos o ser de orelhas grandes completa  grande parte do circuito. A tartaruga cansada e desengonçada camela pela áspera superfície. Cada curva contornada é uma vitória - pois ela se cansa muito devido ao seu casco pesado. Ela não se desespera. Apenas corre (à seu jeito).

A lebre decide parar e brincar, tão convencida aparenta estar. Quer mais do que uma vitória. Deseja mostrar o quão mais veloz (superior) é à tartaruga.

Num mundo em que a velocidade, a agilidade de resposta e o movimento ditam a hierarquia do ser, quem está nos píncaros do movimento se sente senhor de tudo. Mas nem só de movimento se constrói a grandeza de um ser.

Existem ritmos sutis que se manifestam de surpresa, nos momentos menos esperados. Os senhores do mundo exterior pasmam.  Quem se exaltou se torna humilhado por forças que transcendem sua compreensão. E quem se humilhou é agraciado com a bênção da salvação.

Exaltar-se é crer na invulnerabilidade individual. É colocar as aparências acima da essência. É alimentar o que constantemente caduca - e ignorar o que incessantemente se revigora. É matar o espírito (sua possibilidade de ascensão) em prol de um momento a mais de gozo da matéria (características  atávicas acumuladas por milênios).

Humilhar-se é reverenciar o mistério e servir o que não se toca. É dar um salto de fé, munido de razão, no desconhecido. É alimentar o que jaz em potencial e um dia irá nascer - e domar o que está manifesto, usando as características mundanas como servo.

Quem se colocar acima da Lei será atingido por ela,
pois a Lei é Deus em Seu aspecto Justiça.

Quem se alinhar com a Lei será impulsionado por ela,
pois a Lei é Deus em Seu aspecto Justiça.

A Lei é simples, apesar de profunda. Simples porque não exige um cerebralismo intenso. Profunda porque só se revela para aqueles que sabem enxergar - e só funciona para quem, além disso, harmonicamente alinha suas qualidades humanas (horizontalidade ética) com sua substância divina (vertical mística).

A lebre acumula e celebra vitórias no relativo - por isso cairá.
A tartaruga absorve derrotas no relativo - por isso vencerá.

Porque acumular vitórias superficiais, que logo exigem novas vitórias para sustentar a imagem, é o caminho para o desgaste e a perdição. Ao passo que absorver derrotas devida a seus "defeitos" é sinal de maturação interior que demonstra aprendizado através da vida.

Trata-se de ser escravo ou livre. Para ser livre é preciso enxergar a realidade. Por isso Cristo certa vez disse "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará".
 
É preciso fracassar várias vezes para vencer de verdade. Pois é o acúmulo da experiência que forja o ser - e a assimilação delas esculpe o anjo. Num mundo tão insensato quanto este, a derrota é verdadeira bênção; o desprezo é sinal de grandeza; a fraqueza é força; e o negativo é oportunidade de revelar seres transformadores, que dinamizam a matéria corporal; direcionam o dinamismo vital; orientam o conhecimento intelectual; e mistificam o saber.

A tartaruga não é ninja. Ela é apenas o que é. Mas sabe o que é - e se alinha à sua natureza. A lebre caiu na armadilha de sua beleza, agilidade e grandeza. Vaidosa e convencida, terminou perdida.

Há criaturas que possuem defeitos (aos nossos olhos) para que as grandezas divinas se manifestem através delas.

Mas isso já foi dito de forma muito mais profunda e elegante por Cristo, há dois mil anos.

Para quem não conhece, aí vai o desenho.

domingo, 12 de julho de 2020

Estimulando, orientando e...semeando.

Depois disso Jesus ia passando pelas cidades e povoados proclamando as boas novas do Reino de Deus. Os Doze estavam com ele, e também algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e doenças: Maria, chamada Madalena, de quem haviam saído sete demônios; Joana, mulher de Cuza, administrador da casa de Herodes; Susana e muitas outras. Essas mulheres ajudavam a sustentá-los com os seus bens.

Reunindo-se uma grande multidão e vindo a Jesus gente de várias cidades, ele contou esta parábola: “O semeador saiu a semear. Enquanto lançava a semente, parte dela caiu à beira do caminho; foi pisada, e as aves do céu a comeram. Parte dela caiu sobre pedras e, quando germinou, as plantas secaram, porque não havia umidade. Outra parte caiu entre espinhos, que cresceram com ela e sufocaram as plantas. Outra ainda caiu em boa terra. Cresceu e deu boa colheita, a cem por um”.

Tendo dito isso, exclamou: “Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça!”
Seus discípulos perguntaram-lhe o que significava aquela parábola. 10 Ele disse: “A vocês foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino de Deus, mas aos outros falo por parábolas, para que
“‘vendo, não vejam; e ouvindo, não entendam’[a].

11 “Este é o significado da parábola: A semente é a palavra de Deus. 12 As que caíram à beira do caminho são os que ouvem, e então vem o Diabo e tira a palavra do seu coração, para que não creiam e não sejam salvos. 13 As que caíram sobre as pedras são os que recebem a palavra com alegria quando a ouvem, mas não têm raiz. Crêem durante algum tempo, mas desistem na hora da provação. 14 As que caíram entre espinhos são os que ouvem, mas, ao seguirem seu caminho, são sufocados pelas preocupações, pelas riquezas e pelos prazeres desta vida, e não amadurecem. 15 Mas as que caíram em boa terra são os que, com coração bom e generoso, ouvem a palavra, a retêm e dão fruto, com perseverança.

Lucas 8: 5-8 


As parábolas que Cristo propagava por toda palestina eram o início de um processo. Esse processo é a difusão da mais elevada compreensão de Deus e do significado da vida de todas criaturas na Terra (e em todo universo). Eram símbolos que apontavam para um simbolizado (nas palavras de Huberto Rohden). Como se sabe, o símbolo (concreto, mas ilusório e efêmero) apenas representa o simbolizado (abstrato, porém real e eterno). Ele dá uma ideia do que é seu objeto de representação. E por que, afinal de contas, falar em parábolas?

O ser humano tem uma capacidade de assimilação proporcional ao seu grau de consciência. O mesmo podemos dizer de sua capacidade (se é que tem) de filtragem, de relacionar, de refletir e vislumbrar.

Filtrar informações - separar o joio do trigo;
Relacionar fatos e conhecimentos - estabelecer rudimentos do pensamento sistêmico;
Refletir sobre questões e 'verdades' afirmadas - exercer o amor ao conhecimento;
Vislumbrar mundos possíveis, desejáveis e iminentes - intuir verdades mais vastas.

Não podemos esperar que alguém (ou algo) assimile determinada coisa - seja essa coisa informação, saber, alimento, energia, etc. - a não ser que hajam os mecanismos competentes para realizar essa assimilação. Uma planta possui células aptas a transformar matéria inorgânica em matéria orgânica, utilizando a radiação solar, sua conexão com a terra e condições especiais de solo, água a atmosfera (inserida em todos ciclos biogeoquímicos, do Nitrogênio, Carbono, Oxigênio e Água). Um animal carnívoro (um Leão) possui um organismo apto para a ingestão de outros animais. Seus instintos são fortíssimos e influenciam muito mais do que sua psique sensória, mas chegam até ao nível genético, influenciando nas especificidades de assimilação dos tecidos e órgãos. E nós, humanos, também somos limitados em nossas capacidade de assimilação - de alimentos, de quantidades, de informação, de compreensão, de sentimento, e além. 

Tomando o espectro humano como base de comparação, as diferenças são enormes entre os extremos. E o gênero humano, em especial a espécie Homo sapiens, é infinitamente mais complexa do que todas as outras deste planeta. Não em termos de desenvolvimento orgânico, mas no âmbito do psiquismo. É no reino do subjetivismo que nos destacamos de todas outras espécies. Fomos (e somos) capazes de desenvolver comunicação em forma de linguagem (escrita), e gerar especificidades. Os símbolos. Construímos um mundo metafísico para nos protegermos do mundo físico. Eis ai o primeiro exemplo do abstrato influenciando no concreto. 

O planejamento foi uma necessidade da Revolução Agrícola. Esta veio com a domesticação de espécies. Do planejamento nasce uma economia rudimentar (não a moderna, com suas teorias); as cidades, e com elas a necessidade de uma nova forma de organização. O comércio demanda comunicação. A vantagem (ganho pessoal, egoísmo mais restrito) clama por habilidades comunicativas (retórica), força (exército), controle (leis). Ao mesmo tempo, nasce uma forma mais elevada de arte. As religiões começam a se desprender do animismo e adentrar o politeísmo: inicialmente antropomórfico (egípcios, indianos) e após humano (gregos e romanos). Depois, no monoteísmo. E mais à frente, o monismo.

Mas não estou aqui para desenvolver essa longa trajetória. 

O ponto é mostrar que a única comunicação possível entre quem vê mais e quem vê menos é usar como referência o máximo daquele que menos pode (e vê). 

Quanto mais próximo do Real o conteúdo transmitido, mais abstrato para a mente. Quanto mais abstrato, menos atraente. Quanto menos atraente, menos assimilável. Eis a necessidade de se falar em parábolas. Jesus compreendia perfeitamente a limitação de seu semelhante. Não seria possível ao Cristo, naquela época (ou mesmo hoje, século XXI) explicar de fato como era o Reino de Deus. Imperioso era reduzir o conteúdo.

O oceano não cabe num copo. Se tentar colocar-se mais no volume do pequenino, ele transborda - e tudo que cai fora é desperdício!

Somos pequenos copos, com ligeiras variações de formas e capacidades, vagando pela vastidão de um oceano de substância formidável, que contem a base para todas transformações efetivas e feitos miraculosos

A parábola do semeador, portanto, deve ser interpretada de modo não-literal (assim como todas as outras). Caso contrário cairemos no erro fatal de construirmos toda uma forma de vida emborcada, praticando de modo errôneo os mais altos ensinamentos difundidos por Cristo.


Vamos à parábola do semeador.

“O semeador saiu a semear. Enquanto lançava a semente, parte dela caiu à beira do caminho; foi pisada, e as aves do céu a comeram.

O semeador é o sábio. Em seu ápice evolutivo, Cristo. À medida que passa seu ensinamento, pela palavra e pelos atos, muitas pessoas tem contato com ele. Aqueles que não reconhecem nada de especial nas palavras, passam por cima delas, pisando (ignorando) e os aproveitadores fazem uso dela para benefício próprio (aves do céu);

Parte dela caiu sobre pedras e, quando germinou, as plantas secaram, porque não havia umidade. 

Há lugares aptos a uma recepção do diferente. Mas mal a palavra é recebida, já principia-se a esquecê-la. O desenrolar dos dias, semanas e meses levam a um esquecimento gradativo do grande ensinamento propagado. O impulso inicial não gerou uma propulsão permanente, capaz de acelerar o ritmo evolutivo das subjetividades. Assim o receptor do tipo possui condições necessárias, mas não suficientes, para a realização do Reino de Deus.

Outra parte caiu entre espinhos, que cresceram com ela e sufocaram as plantas. 

A palavra que pousa em terreno espinhoso não se torna ação concreta. São pessoas cujas vidas estão em completa antítese com a realização dos ensinamentos. À medida que a esfera das necessidades elementares (fome e reprodução) esbarra com a esfera das tendências superiores (evolução), esta é sufocada pela primeira - pois o reino do mundo é o da conservação do indivíduo e da espécie. O conflito surge com a expansão das naturezas: enquanto o instinto não estiver explícito e a palavra não incomodá-lo, não há sufocamento do ideal. Mas a partir do momento em que o céu toca a terra, e a terra toca o céu, há choques, terremotos, furacões e conflito. Se os lados persistem, a tendência é uma guerra de proporções épicas. Eis o que representou a descida de Cristo ao mundo!

Outra ainda caiu em boa terra. Cresceu e deu boa colheita, a cem por um”.

Boa terra é a pessoa receptiva aos ensinamentos elevados. É aquele que vê significado profundo nas palavras - por mais que todos de seu meio a desprezem. É aquele que anseia por uma outra realidade. Um outro modo de fazer as coisas. É aquele que persevera no mundo. Sofre, chora, sangra e se renova constantemente. Além de morrer e renascer (fenômeno automático), aniquila e ressurge (fenômeno de consciência).

Somos assimiladores! Devemos nos tornar o solo fértil receptivo às sementes que irão se transformar em majestosas plantações. Podemos semear um pouco que já temos assimilado, sim. Mas somo em larga medida assimiladores. Temos muito mais a aprender do que a ensinar.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

É chegado o tempo de uma esquerda monista

Monismo 
Monismo (do grego μόνος mónos, "sozinho, único") é aquilo que atribui unidade ou singularidade (em grego: μόνος) a um conceito, por exemplo, à existência. Em geral, é o nome dado às teorias filosóficas que defendem a unidade da realidade como um todo (em metafísica) ou a existência de um único tipo de substância ontológica, como a identidade entre mente e corpo (em filosofia da mente) por oposição ao dualismo ou ao pluralismo, à afirmação de realidades separadas.

Esquerda
No espectro político, a esquerda se caracteriza pela defesa de uma maior igualdade social. Normalmente, envolve uma preocupação com os cidadãos que são considerados em desvantagem em relação aos outros e uma suposição de que há desigualdades injustificadas que devem ser reduzidas ou abolidas.

Os termos "direita" e "esquerda" foram criados durante a Revolução Francesa (1789–1799), e referiam-se ao lugar onde políticos se sentavam no parlamento francês, os que estavam sentados à direita da cadeira do presidente parlamentar foram amplamente favoráveis ao Ancien Régime.
Fonte(s): 
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Monismo
[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Esquerda_(pol%C3%ADtica) 

(grifos meus)

A visão linear da realidade é muito cômoda para a consciência racional-analítica. De um extremo a outro há uma gradação contínua e suave que vai incrementando (ou decrementando) determinadas características. O problema é que, no geral, essas características - que são muitas e frequentemente conflitantes - são vistas de forma diferente pelas pessoas. Mas cada indivíduo ordena o conjunto de características de modo que a gradação geral, à medida que se percorre a linha de um extremo a outro, exiba um comportamento geral que permita perceber a gradação de forma muito clara. Esses arranjos devem ser feitos para que a pessoa consiga se colocar num determinado ponto dessa régua (mundo 1D) de modo coerente.

Dou um exemplo.

Suponhamos que haja um indivíduo que se autointitule de direita, e outro, de esquerda. Há diversas temáticas do campo político, social e econômico que irão ativar as respectivas sensibilidades desses seres quando se trata de formação de opinião. Tributação, representatividade, legislação, regulação, funções (do Estado, do mercado), desenvolvimento, ciência, tecnologia, diplomacia, educação, priorização de políticas públicas, cultura, etc. Todos esses temas são abordados a partir do posicionamento do indivíduo nessa escala. Interpretados conforme sua posição. Trata-se do sistema de crenças e valores, que influencia na forma mental, que por sua vez irá interpretar (o que inclui filtrar e contextualizar) tendências e eventos. Estes dizem respeito a acontecimentos pontuais no tempo, que saltam aos olhos de todos; aqueles apontam para o comportamento de algo (uma variável) ao longo de um período, revelando certos padrões para a mente humana (diga-se, para a mente racional). A questão central é: toda nossa estrutura psíquica é moldada pelo nosso íntimo, situado no inconsciente, que se abraça a uma determinada visão de mundo. Essa visão será tanto mais virtuosa quanto maior sua capacidade de assimilar elementos altamente diferenciados e, por conseguinte, lidar com conflitos intensos - o que caracteriza um fenômeno complexo.

Queremos vencer mas não sabemos jogar.
Os problemas, observados sob uma ótica mais vasta, se tornam mais compreensíveis. Por conseguinte, maiores são as possibilidades de encontrar soluções. Enxergar mais é saber mais. Saber mais leva a maior inspiração para agir de forma cirúrgica. É preciso ver para fazer. Caso contrário, todas ações serão mera reprodução da forma mental atual - limitada, que caminha em trajetórias circulares. Para escapar dessa armadilha é preciso imprimir uma força que afaste o ser do ponto que o atrai para a ignorância, isto é, mister criar um impulso centrífugo. Se encararmos a circunferência, percorrida perpetuamente (repetição de atos) como um mundo unidimensional - tal qual a linha infinita que no entanto é limitada pela sua pobreza dimensional (universo 1D) - podemos ver esse impulso como uma ascensão para o reino bidimensional. Por que? Porque é preciso um plano (universo 2D) para que se perceba a expansão da trajetória, agora capaz de englobar uma região maior numa única revolução.

Estendamos esse conceito ainda mais para nos maravilharmos com a potência desse pensamento tão simples e sintético.

A questão agora é posicionar o nosso julgamento na questão de expansão da consciência: o que ocorre com o sistema mental de classificação 1D (em linha reta) ao expandir-se a consciência dos fenômenos humanos?

A personalidade se torna mais vasta. O peso que dá às facticidades se torna menor. Isso leva a uma interpretação mais branda dos acontecimentos mundanos. O que colima em menos pensamentos e avaliações mais refletidas. A partir de um ponto, vai-se além: as reflexões transmudam para visão, e sente-se a marcha da história, e o sentimento dos seres, no íntimo, se torna evidente, tornando-se claras as intenções - mesmo que encobertas por uma série de malabarismos verbais, intelectuais e jurídicos. Isso abre o campo das possibilidades. As experiências do mundo concreto - relativamente duras, aparentemente longas e profundamente dolorosas - servem de base para penetrar-se com a mente e o sentimento no reino do incognoscível. O abstrato se torna mais próximo, sensível - levando o ideal a um patamar ainda mais elevado. Assimila-se esse novo concreto (outrora abstrato, intangível, inassimilável) com o consciente, até que, após longas experiências de compreensão (via repetições, pensamentos, discussões, choques, hábitos...trabalho enfim), essa nova realidade fica sedimentada no imo do ser. A partir daí ela faz parte de nosso ser. Está no subconsciente. Os instintos se coadunam com esse novo aspecto da realidade e as nossas atitudes e ações são agora automáticas. Isso implica em instantaneidade e precisão. Eis o mecanismo que explica o gênio, que naturalmente age no campo em que o talento deve suar e lamentar. Neo, no filme Matrix, quando desperta para a realidade profunda, age sem se esforçar e vence sem o desejar o agente Smith. 

Liberdade responsável = poder.
No reino do esforço e dedicação há exemplares trabalhos e magistrais sacadas. Mas é apenas no universo da naturalidade e da espontaneidade que nos encantamos com os milagres da superação.

Foi preciso desenvolver todo esse pensamento - obtido por inspiração - para adentrar no tema tratado por esse ensaio. Era necessário consolidar os fundamentos para avançar efetivamente com aqueles(as) interessados(as).

Vamos lá.

Voltando ao início, defino monismo e esquerda (no sentido político). O primeiro é, dito de forma simples, observar a essência de todas as multiplicidades fenomênicas como originárias de um mesmo ponto comum, ou substância. Em contraposição, o dualismo crê e advoga em origens distintas dos fenômenos do mundo tangível e cognoscível.

A segunda é uma postura no campo do reino humano (ideias) que defende uma transformação do mundo - quanto mais radical, mais profunda essa transformação. Em contraposição, a direita seria (também) uma postura no âmbito humano que defende uma consolidação daquilo que se reconhece coletivamente, pelo tipo humano médio, como melhor. 

Para quem acompanha esse blog e percebe a essência dele, existe uma forte evidência de que o monismo é um estado de consciência (você pode chamar de modelo) que pode ir além do dualismo. Por que? Porque ele não o nega, mas engloba-o e oferece algo a mais. De forma rápida e precisa, podemos dizer que,

O dualismo teme a unificação, mas o monismo não. 
O dualismo afirma a segregação, mas o monismo o compreende.

O dualismo analisa freneticamente, e o monismo também - mas refletidamente.
O dualismo precisa de um adversário exterior - o monismo possui um interior.

Percebe? Um está contido no outro no campo conceptual, de modo que um é mais do que o outro - qualitativamente.

Não se trata aqui de construir uma hierarquia a partir de uma escala quantitativa, mas de ordenar (para o bem de tudo e de todos) o eixo central do fenômeno evolutivo a partir de uma ótica mais abrangente. Ordenar qualitativamente. Já se falou sobre essa relatividade diversa  alhures [1].
E sobre a questão da esquerda e da direita? O que há a ser revelado? Será que existe algo semelhante ocorrendo aí? Isto é, uma perspectiva seja mais abrangente do que a outra?

Para nos endereçarmos adequadamente a essa questão é preciso recorrer ao evolucionismo.

Tanto do ponto de vista material quanto espiritual (teosofia, espiritismo e correntes afins), a evolução é a lei imperante em nosso universo. Dificilmente alguém tem estofo intelectual, empírico ou mesmo moral para negar isso. A realidade da transformação das formas é evidente - assim como a plasticidade psíquica, atingindo as esferas do espírito. Isso Darwin e Kardec (mas não apenas eles) já abordaram, lançando a pedra fundamental. 

Quando a Esquerda, em sua essência, se identifica a uma corrente que deseja impor mudanças por julgar o mundo muito longe do possível - e do ideal - há uma dose inegável de verdade aí. Ressoa no íntimo do ser humano um desprezo pelo modo como as coisas são praticadas nos dias atuais. Tanto mais animalesco parece quanto maior o grau de sensibilidade psíquico-nervosa o ser adquiriu. No entanto, há uma outra questão aí, que é a seguinte: no conjunto, nosso mundo é vil e o ser evoluído sofre muito para manifestar suas ideias e viver de acordo com sua consciência, mas ao mesmo tempo esse mundo (vil) possui um conjunto de conquistas que viabilizam a esse mesmo ser realizar pequenas conquistas. Esses meios úteis se mesclam a uma lógica desordenada (amoral) e desorientada (ateia). De modo que, ao destruir por completo o sistema presente, destroem-se os meios para superá-lo. 

É uma escalada que muito exige.
A partir daí vemos que existe uma necessidade de conservação - e que o campo da direita defende, mesmo sem a intenção, ferramentas importantes para uma esquerda que seja verdadeiramente evolutiva. 

Após vivenciar, observar e constatar por mais de duas décadas, posso com segurança sintetizar a questão:

A direita está para a conservação - dos costumes, da mentalidade, das práticas.
A esquerda está para a transformação - dos costumes, da mentalidade, das práticas.

Mas se existem coisas que são eternamente belas no imaginário humano (ex.: o trabalho que engrandece a alma) e ninguém explicitamente ataca, o que seria exatamente essa transformação construtiva? (se não quisermos vê-la como destruição) Para resolver esse problema devemos atacar o ponto nevrálgico: a concepção que possuímos das coisas.

O trabalho se torna mais psíquico a medida que a espécie (e o ser) evolui. O que outrora era visto como digno e estimulante (esforço braçal repetitivo) se torna degradante e inútil. Ocupa o lugar a mente que calcula, comunica e maquina esquemas. Continuando a usar como meio o mundo físico, o centro de gravidade, gênese e finalidade das ações, se translada para a mente. E com a evolução do ser, passa a outros âmbitos. Assim se vai do físico e repetitivo para o intelectual e sistematizador; e deste para o consciente e criador; e além...o místico e visionário, verdadeiro vivenciador. 

Percebe? Estamos numa escalada cada vez mais íngreme, em que para dar o próximo passo é necessário adquirir ferramentas mais poderosas (traduzindo, se apropriar de perspectivas mais vastas).

Então conclui-se que é preciso transformar, mas para isso é vital se possuir a acuidade de um exímio cirurgião. Pois há elementos fundamentais que não podem ser desmontados no processo. Às vezes esses elementos estão jungidos com as intenções mais vis possíveis, que desejam manter o estado das coisas, reproduzindo o paradigma hodierno ad infinitum - o que levará ao fim da espécie.

Por outro lado, quem deseja conservar tudo (direita), mesmo que com motivos às vezes nobres, aponta para a imobilidade. Imobilidade (ou repetibilidade) num mundo que não aceita a paralisia evolutiva, na vertical. Isto é, que deseja sempre se superar, criando novas sensibilidades que colimam em novas perspectivas que possibilitam novos modelos mentais que edificam novas estruturas (sistemas), gerando um novo mundo.

Dessa forma, há de se colocar um outro eixo na régua esquerda-direira. Esse eixo estaria preocupado com a intensidade e a precisão com que as multiplicidades de aspectos são enfrentados. Há uma hierarquia qualitativa a ser visualizada neste mundo. Se isso não for feito corre-se o risco de se realizar uma transformação que retroceda. Daí o motivo das revoluções (Francesa e Russa, em especial, mas outras igualmente) terem causado horror e ao mesmo tempo terem sido úteis para o progresso da manutenção dos costumes. Por outro lado, como Ubaldi já percebeu, simplesmente levantar a bandeira de justiça social (URSS) força o campo que não a considera prioridade (EUA e Europa Ocidental)  uma grande preocupação. Assim a brutalidade explosiva da Rússia serviu de meio para que o ocidente, mantendo seu tão estimado dinamismo econômico, incorporasse ao mesmo os princípios de justiça social, o que gerou um dos melhores mundos para se viver até então.

Há muitos aspectos a serem considerados. Mas tudo aponta para evolução. Por que? Porque está é o único meio para se obter a salvação.

Queda --> Evolução --> Salvação

De modo que a esquerda, em sua intenção, se alinha ao evolucionismo do universo. O problema é que ela ainda não aprendeu como se alinhar de forma a cativar os seres. É preciso encantar, fascinar, envolver...Ela se tornou refém das próprias instituições que outrora ajudou a criar - e hoje são de domínio da direita. Por esse motivo - como Alysson Mascaro muito bem descreve - a direita pode xingar à torta e à direita todas as instituições e permanecer no controle da situação, enquanto a esquerda, defendendo-as, apenas garante que a direita continue no domínio. 

Alysson Leandro Barbate Mascaro. 
Perceba: uma está no conforto e portanto pode apelar à vontade (porque tem o poder); a outra está sempre no desespero, periclitante, vacilante, porque vê o espírito da coisa onde reside apenas um cadáver que não mais atende as necessidades do ser humano - ao menos em sua forma atual. 

As instituições que precisam nascer são de caráter completamente diverso daquelas que estão em operação, de modo que apenas um abalo profundo será capaz de vibrar a estrutura íntima da psique humana, entrando em ressonância com a mesma, que irá responder, amplificando seu campo de consciência. O direito não salva porque ele é ferramenta de uma ideologia (do capital); a democracia não salva porque ela se moldou a partir dos parâmetros da ideologia dominante (capitalismo), sendo adequada a uma manutenção dos negócios. A direita tem por escopo justamente essa manutenção. A esquerda que existe, mesmo não a desejando, acaba por fazer o jogo, porque se situa no campo do dualismo. Ela discretiza e complica. Ela pondera e calcula - tal qual a direita. Mas esse campo de ponderação, cálculo e complicação é inerentemente da direita, de modo que a esquerda, ao adentrar nesse reino, acabe fazendo o serviço daqueles que desejam manter tudo como está. A única saída é uma esquerda monista. Uma esquerda que não tenha medo de dizer seu nome [2] - seu verdadeiro nome.

É preciso querer evoluir. Mas ao mesmo tempo, é fundamental saber evoluir. A Esquerda possui em seu imo o primeiro atributo - falta-lhe dominar o segundo.

No fundo, não se trata de uma discussão restrita ao âmbito de uma parcela da população mundial (partidos, sindicatos, movimentos sociais, políticos, etc.). O mundo é interconectado. Não à toa se fala cada vez mais (mesmo sem saber) em pensamento sistêmico e todas suas potencialidades e implicações. A questão política diz respeito a tudo e todos, pois é a partir do campo ideológico que reverberam as mais evidentes realidades que todos estimam e temem.

A tarefa do ser humano é conjugar harmonicamente essa dualidade da realidade, fazendo uma síntese. Isso é monismo. A esquerda está no campo prático do mundo coletivo humano. Sua missão é realizar o monismo nas formas de vida social. Missão titânica e aparentemente impossível - mas tão mais desejada quanto maior o grau de percepção do ser.

Vibrar virtudes e vazar vícios,
Volitar por vales, valorizar verdadeiros vértices.

Verbalizar vontades veladas,
Versar vivificantes vigores.

Volatilizar vitupérios, vedando o vão.
Voar vertiginosamente o voo vertical com vestes vivazes.

Vencer a violência, vociferando o verbo. 
Vendo vantagem no vício vergastado,
Vício ventilado pelo vento da virtude.

O voo vertiginoso vetorizado verá o vértice e viverá a virtude.

Compreenda-o quem o puder!

Referências:
[1] https://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2017/12/relatividade-vertical-relatividade.html
[2] em referência ao livro de Vladimir Safatle