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sexta-feira, 10 de julho de 2020

É chegado o tempo de uma esquerda monista

Monismo 
Monismo (do grego μόνος mónos, "sozinho, único") é aquilo que atribui unidade ou singularidade (em grego: μόνος) a um conceito, por exemplo, à existência. Em geral, é o nome dado às teorias filosóficas que defendem a unidade da realidade como um todo (em metafísica) ou a existência de um único tipo de substância ontológica, como a identidade entre mente e corpo (em filosofia da mente) por oposição ao dualismo ou ao pluralismo, à afirmação de realidades separadas.

Esquerda
No espectro político, a esquerda se caracteriza pela defesa de uma maior igualdade social. Normalmente, envolve uma preocupação com os cidadãos que são considerados em desvantagem em relação aos outros e uma suposição de que há desigualdades injustificadas que devem ser reduzidas ou abolidas.

Os termos "direita" e "esquerda" foram criados durante a Revolução Francesa (1789–1799), e referiam-se ao lugar onde políticos se sentavam no parlamento francês, os que estavam sentados à direita da cadeira do presidente parlamentar foram amplamente favoráveis ao Ancien Régime.
Fonte(s): 
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Monismo
[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Esquerda_(pol%C3%ADtica) 

(grifos meus)

A visão linear da realidade é muito cômoda para a consciência racional-analítica. De um extremo a outro há uma gradação contínua e suave que vai incrementando (ou decrementando) determinadas características. O problema é que, no geral, essas características - que são muitas e frequentemente conflitantes - são vistas de forma diferente pelas pessoas. Mas cada indivíduo ordena o conjunto de características de modo que a gradação geral, à medida que se percorre a linha de um extremo a outro, exiba um comportamento geral que permita perceber a gradação de forma muito clara. Esses arranjos devem ser feitos para que a pessoa consiga se colocar num determinado ponto dessa régua (mundo 1D) de modo coerente.

Dou um exemplo.

Suponhamos que haja um indivíduo que se autointitule de direita, e outro, de esquerda. Há diversas temáticas do campo político, social e econômico que irão ativar as respectivas sensibilidades desses seres quando se trata de formação de opinião. Tributação, representatividade, legislação, regulação, funções (do Estado, do mercado), desenvolvimento, ciência, tecnologia, diplomacia, educação, priorização de políticas públicas, cultura, etc. Todos esses temas são abordados a partir do posicionamento do indivíduo nessa escala. Interpretados conforme sua posição. Trata-se do sistema de crenças e valores, que influencia na forma mental, que por sua vez irá interpretar (o que inclui filtrar e contextualizar) tendências e eventos. Estes dizem respeito a acontecimentos pontuais no tempo, que saltam aos olhos de todos; aqueles apontam para o comportamento de algo (uma variável) ao longo de um período, revelando certos padrões para a mente humana (diga-se, para a mente racional). A questão central é: toda nossa estrutura psíquica é moldada pelo nosso íntimo, situado no inconsciente, que se abraça a uma determinada visão de mundo. Essa visão será tanto mais virtuosa quanto maior sua capacidade de assimilar elementos altamente diferenciados e, por conseguinte, lidar com conflitos intensos - o que caracteriza um fenômeno complexo.

Queremos vencer mas não sabemos jogar.
Os problemas, observados sob uma ótica mais vasta, se tornam mais compreensíveis. Por conseguinte, maiores são as possibilidades de encontrar soluções. Enxergar mais é saber mais. Saber mais leva a maior inspiração para agir de forma cirúrgica. É preciso ver para fazer. Caso contrário, todas ações serão mera reprodução da forma mental atual - limitada, que caminha em trajetórias circulares. Para escapar dessa armadilha é preciso imprimir uma força que afaste o ser do ponto que o atrai para a ignorância, isto é, mister criar um impulso centrífugo. Se encararmos a circunferência, percorrida perpetuamente (repetição de atos) como um mundo unidimensional - tal qual a linha infinita que no entanto é limitada pela sua pobreza dimensional (universo 1D) - podemos ver esse impulso como uma ascensão para o reino bidimensional. Por que? Porque é preciso um plano (universo 2D) para que se perceba a expansão da trajetória, agora capaz de englobar uma região maior numa única revolução.

Estendamos esse conceito ainda mais para nos maravilharmos com a potência desse pensamento tão simples e sintético.

A questão agora é posicionar o nosso julgamento na questão de expansão da consciência: o que ocorre com o sistema mental de classificação 1D (em linha reta) ao expandir-se a consciência dos fenômenos humanos?

A personalidade se torna mais vasta. O peso que dá às facticidades se torna menor. Isso leva a uma interpretação mais branda dos acontecimentos mundanos. O que colima em menos pensamentos e avaliações mais refletidas. A partir de um ponto, vai-se além: as reflexões transmudam para visão, e sente-se a marcha da história, e o sentimento dos seres, no íntimo, se torna evidente, tornando-se claras as intenções - mesmo que encobertas por uma série de malabarismos verbais, intelectuais e jurídicos. Isso abre o campo das possibilidades. As experiências do mundo concreto - relativamente duras, aparentemente longas e profundamente dolorosas - servem de base para penetrar-se com a mente e o sentimento no reino do incognoscível. O abstrato se torna mais próximo, sensível - levando o ideal a um patamar ainda mais elevado. Assimila-se esse novo concreto (outrora abstrato, intangível, inassimilável) com o consciente, até que, após longas experiências de compreensão (via repetições, pensamentos, discussões, choques, hábitos...trabalho enfim), essa nova realidade fica sedimentada no imo do ser. A partir daí ela faz parte de nosso ser. Está no subconsciente. Os instintos se coadunam com esse novo aspecto da realidade e as nossas atitudes e ações são agora automáticas. Isso implica em instantaneidade e precisão. Eis o mecanismo que explica o gênio, que naturalmente age no campo em que o talento deve suar e lamentar. Neo, no filme Matrix, quando desperta para a realidade profunda, age sem se esforçar e vence sem o desejar o agente Smith. 

Liberdade responsável = poder.
No reino do esforço e dedicação há exemplares trabalhos e magistrais sacadas. Mas é apenas no universo da naturalidade e da espontaneidade que nos encantamos com os milagres da superação.

Foi preciso desenvolver todo esse pensamento - obtido por inspiração - para adentrar no tema tratado por esse ensaio. Era necessário consolidar os fundamentos para avançar efetivamente com aqueles(as) interessados(as).

Vamos lá.

Voltando ao início, defino monismo e esquerda (no sentido político). O primeiro é, dito de forma simples, observar a essência de todas as multiplicidades fenomênicas como originárias de um mesmo ponto comum, ou substância. Em contraposição, o dualismo crê e advoga em origens distintas dos fenômenos do mundo tangível e cognoscível.

A segunda é uma postura no campo do reino humano (ideias) que defende uma transformação do mundo - quanto mais radical, mais profunda essa transformação. Em contraposição, a direita seria (também) uma postura no âmbito humano que defende uma consolidação daquilo que se reconhece coletivamente, pelo tipo humano médio, como melhor. 

Para quem acompanha esse blog e percebe a essência dele, existe uma forte evidência de que o monismo é um estado de consciência (você pode chamar de modelo) que pode ir além do dualismo. Por que? Porque ele não o nega, mas engloba-o e oferece algo a mais. De forma rápida e precisa, podemos dizer que,

O dualismo teme a unificação, mas o monismo não. 
O dualismo afirma a segregação, mas o monismo o compreende.

O dualismo analisa freneticamente, e o monismo também - mas refletidamente.
O dualismo precisa de um adversário exterior - o monismo possui um interior.

Percebe? Um está contido no outro no campo conceptual, de modo que um é mais do que o outro - qualitativamente.

Não se trata aqui de construir uma hierarquia a partir de uma escala quantitativa, mas de ordenar (para o bem de tudo e de todos) o eixo central do fenômeno evolutivo a partir de uma ótica mais abrangente. Ordenar qualitativamente. Já se falou sobre essa relatividade diversa  alhures [1].
E sobre a questão da esquerda e da direita? O que há a ser revelado? Será que existe algo semelhante ocorrendo aí? Isto é, uma perspectiva seja mais abrangente do que a outra?

Para nos endereçarmos adequadamente a essa questão é preciso recorrer ao evolucionismo.

Tanto do ponto de vista material quanto espiritual (teosofia, espiritismo e correntes afins), a evolução é a lei imperante em nosso universo. Dificilmente alguém tem estofo intelectual, empírico ou mesmo moral para negar isso. A realidade da transformação das formas é evidente - assim como a plasticidade psíquica, atingindo as esferas do espírito. Isso Darwin e Kardec (mas não apenas eles) já abordaram, lançando a pedra fundamental. 

Quando a Esquerda, em sua essência, se identifica a uma corrente que deseja impor mudanças por julgar o mundo muito longe do possível - e do ideal - há uma dose inegável de verdade aí. Ressoa no íntimo do ser humano um desprezo pelo modo como as coisas são praticadas nos dias atuais. Tanto mais animalesco parece quanto maior o grau de sensibilidade psíquico-nervosa o ser adquiriu. No entanto, há uma outra questão aí, que é a seguinte: no conjunto, nosso mundo é vil e o ser evoluído sofre muito para manifestar suas ideias e viver de acordo com sua consciência, mas ao mesmo tempo esse mundo (vil) possui um conjunto de conquistas que viabilizam a esse mesmo ser realizar pequenas conquistas. Esses meios úteis se mesclam a uma lógica desordenada (amoral) e desorientada (ateia). De modo que, ao destruir por completo o sistema presente, destroem-se os meios para superá-lo. 

É uma escalada que muito exige.
A partir daí vemos que existe uma necessidade de conservação - e que o campo da direita defende, mesmo sem a intenção, ferramentas importantes para uma esquerda que seja verdadeiramente evolutiva. 

Após vivenciar, observar e constatar por mais de duas décadas, posso com segurança sintetizar a questão:

A direita está para a conservação - dos costumes, da mentalidade, das práticas.
A esquerda está para a transformação - dos costumes, da mentalidade, das práticas.

Mas se existem coisas que são eternamente belas no imaginário humano (ex.: o trabalho que engrandece a alma) e ninguém explicitamente ataca, o que seria exatamente essa transformação construtiva? (se não quisermos vê-la como destruição) Para resolver esse problema devemos atacar o ponto nevrálgico: a concepção que possuímos das coisas.

O trabalho se torna mais psíquico a medida que a espécie (e o ser) evolui. O que outrora era visto como digno e estimulante (esforço braçal repetitivo) se torna degradante e inútil. Ocupa o lugar a mente que calcula, comunica e maquina esquemas. Continuando a usar como meio o mundo físico, o centro de gravidade, gênese e finalidade das ações, se translada para a mente. E com a evolução do ser, passa a outros âmbitos. Assim se vai do físico e repetitivo para o intelectual e sistematizador; e deste para o consciente e criador; e além...o místico e visionário, verdadeiro vivenciador. 

Percebe? Estamos numa escalada cada vez mais íngreme, em que para dar o próximo passo é necessário adquirir ferramentas mais poderosas (traduzindo, se apropriar de perspectivas mais vastas).

Então conclui-se que é preciso transformar, mas para isso é vital se possuir a acuidade de um exímio cirurgião. Pois há elementos fundamentais que não podem ser desmontados no processo. Às vezes esses elementos estão jungidos com as intenções mais vis possíveis, que desejam manter o estado das coisas, reproduzindo o paradigma hodierno ad infinitum - o que levará ao fim da espécie.

Por outro lado, quem deseja conservar tudo (direita), mesmo que com motivos às vezes nobres, aponta para a imobilidade. Imobilidade (ou repetibilidade) num mundo que não aceita a paralisia evolutiva, na vertical. Isto é, que deseja sempre se superar, criando novas sensibilidades que colimam em novas perspectivas que possibilitam novos modelos mentais que edificam novas estruturas (sistemas), gerando um novo mundo.

Dessa forma, há de se colocar um outro eixo na régua esquerda-direira. Esse eixo estaria preocupado com a intensidade e a precisão com que as multiplicidades de aspectos são enfrentados. Há uma hierarquia qualitativa a ser visualizada neste mundo. Se isso não for feito corre-se o risco de se realizar uma transformação que retroceda. Daí o motivo das revoluções (Francesa e Russa, em especial, mas outras igualmente) terem causado horror e ao mesmo tempo terem sido úteis para o progresso da manutenção dos costumes. Por outro lado, como Ubaldi já percebeu, simplesmente levantar a bandeira de justiça social (URSS) força o campo que não a considera prioridade (EUA e Europa Ocidental)  uma grande preocupação. Assim a brutalidade explosiva da Rússia serviu de meio para que o ocidente, mantendo seu tão estimado dinamismo econômico, incorporasse ao mesmo os princípios de justiça social, o que gerou um dos melhores mundos para se viver até então.

Há muitos aspectos a serem considerados. Mas tudo aponta para evolução. Por que? Porque está é o único meio para se obter a salvação.

Queda --> Evolução --> Salvação

De modo que a esquerda, em sua intenção, se alinha ao evolucionismo do universo. O problema é que ela ainda não aprendeu como se alinhar de forma a cativar os seres. É preciso encantar, fascinar, envolver...Ela se tornou refém das próprias instituições que outrora ajudou a criar - e hoje são de domínio da direita. Por esse motivo - como Alysson Mascaro muito bem descreve - a direita pode xingar à torta e à direita todas as instituições e permanecer no controle da situação, enquanto a esquerda, defendendo-as, apenas garante que a direita continue no domínio. 

Alysson Leandro Barbate Mascaro. 
Perceba: uma está no conforto e portanto pode apelar à vontade (porque tem o poder); a outra está sempre no desespero, periclitante, vacilante, porque vê o espírito da coisa onde reside apenas um cadáver que não mais atende as necessidades do ser humano - ao menos em sua forma atual. 

As instituições que precisam nascer são de caráter completamente diverso daquelas que estão em operação, de modo que apenas um abalo profundo será capaz de vibrar a estrutura íntima da psique humana, entrando em ressonância com a mesma, que irá responder, amplificando seu campo de consciência. O direito não salva porque ele é ferramenta de uma ideologia (do capital); a democracia não salva porque ela se moldou a partir dos parâmetros da ideologia dominante (capitalismo), sendo adequada a uma manutenção dos negócios. A direita tem por escopo justamente essa manutenção. A esquerda que existe, mesmo não a desejando, acaba por fazer o jogo, porque se situa no campo do dualismo. Ela discretiza e complica. Ela pondera e calcula - tal qual a direita. Mas esse campo de ponderação, cálculo e complicação é inerentemente da direita, de modo que a esquerda, ao adentrar nesse reino, acabe fazendo o serviço daqueles que desejam manter tudo como está. A única saída é uma esquerda monista. Uma esquerda que não tenha medo de dizer seu nome [2] - seu verdadeiro nome.

É preciso querer evoluir. Mas ao mesmo tempo, é fundamental saber evoluir. A Esquerda possui em seu imo o primeiro atributo - falta-lhe dominar o segundo.

No fundo, não se trata de uma discussão restrita ao âmbito de uma parcela da população mundial (partidos, sindicatos, movimentos sociais, políticos, etc.). O mundo é interconectado. Não à toa se fala cada vez mais (mesmo sem saber) em pensamento sistêmico e todas suas potencialidades e implicações. A questão política diz respeito a tudo e todos, pois é a partir do campo ideológico que reverberam as mais evidentes realidades que todos estimam e temem.

A tarefa do ser humano é conjugar harmonicamente essa dualidade da realidade, fazendo uma síntese. Isso é monismo. A esquerda está no campo prático do mundo coletivo humano. Sua missão é realizar o monismo nas formas de vida social. Missão titânica e aparentemente impossível - mas tão mais desejada quanto maior o grau de percepção do ser.

Vibrar virtudes e vazar vícios,
Volitar por vales, valorizar verdadeiros vértices.

Verbalizar vontades veladas,
Versar vivificantes vigores.

Volatilizar vitupérios, vedando o vão.
Voar vertiginosamente o voo vertical com vestes vivazes.

Vencer a violência, vociferando o verbo. 
Vendo vantagem no vício vergastado,
Vício ventilado pelo vento da virtude.

O voo vertiginoso vetorizado verá o vértice e viverá a virtude.

Compreenda-o quem o puder!

Referências:
[1] https://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2017/12/relatividade-vertical-relatividade.html
[2] em referência ao livro de Vladimir Safatle

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