Páginas de meu interesse

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Ponto decisivo

O nosso mundo tem muitas narrativas. São explicações que tentam, de algum modo coerente, justificar porque as coisas ocorrem de tal maneira e como é o mecanismo de funcionamento. Todas possuem aspectos de uma verdade maior - mesmo se pronunciadas de maneira emborcada. Algumas versões se digladiam, outras cooperam entre si. Cooperam com o intuito de competir com outras, combatendo em todos campos, de todas formas, nos momentos mais inesperados. E sempre com os objetivos mais nobres. Essa é a dinâmica do processo ascensional em nosso plano.

A existência nesta terra sempre foi feroz. A sobrevivência sempre pareceu ser o único objetivo. Nenhum espaço para qualquer coisa que transcenda os férreos limites da realidade mais tangível. E assim a luta se daria, ad aeternum, sem nenhuma novidade evolutiva substancial: apenas variações na forma de agressão, no modo de enganar, nas técnicas de disfarçar. Variações que dão a impressão de real mudança. Especialmente para aqueles despreparados, que pouco ou nada conhecem da natureza do mundo. 

À medida que evoluímos a luta se torna mais complexa e menos feroz. No entanto, até certo ponto, esse decremento de ferocidade é compensado por um aumento pronunciado de consequências catastróficas e tensão psíquica. Dessa forma caminha-se para um ponto em que a incerteza aumenta à medida que se conhece mais. As experiências se sedimentam na psique. Os ciclos possuem ritmos mais abrangentes e sintéticos. A dinâmica se torna mais veloz, com períodos mais curtos e menos custosos para atividades que outrora pareciam inacabáveis - e mesmo impossíveis de serem realizadas. Mas a desorientação aumenta.

Quanto mais informação disponível; quanto mais contatos possíveis; quanto mais possibilidades; quanto mais a ser considerado para uma avaliação justa do outro (ou de uma ideia), tanto maior será o desgaste. A incerteza ascende e se consolida a partir do momento em que se atinge um máximo de inteligência luciférica. E com isso, o trabalho exigido daqueles que mais anseiam por colocar a humanidade numa rota salvadora, desviando-a de uma catástrofe aceitada por muitos, aumenta exponencialmente. O ritmo frenético demanda explicações incessantes. Para aquele verdadeiramente adiantado, parece absurdo ter de falar o que para ele já é óbvio. O fato de pessoas caírem em mil armadilhas tornam indivíduos, famílias, nações, povos, civilizações, reféns de um jogo de propaganda - no qual quem for mais convincente e tiver mais acesso às câmeras e microfones, ganha a mente e coração do involuído. Esse é o reino do Anti-Sistema.

Há muito desenvolvi um ensaio sobre a fenomenologia do fenômeno evolutivo [1]. Posteriormente comecei a esmiuçar os aspectos mais particulares, detalhando a visão, em vários textos [2]. Hoje tudo parece cada vez mais claro. Os fatos da vida vêm a confirmar a visão - que se desdobrou numa série de ensaios sistematizando como se dá o fenômeno íntimo de conscientização da alma humana. E podemos relacioná-lo com o jogo de forças de que tanto Pietro Ubaldi fala em suas obras.

No livro Queda e Salvação nos é apresentado o diagrama gráfico Sistema e Anti-Sistema (S e AS): dois triângulos opostos que representam a amplitude (horizontal) dos dois domínios em níveis evolutivos (vertical) distintos. Apesar de idênticos em dimensões e formas, trata-se apenas de um modelo simplificado para termos uma ideia da luta travada aqui nesse mundo. Com ele temos uma ideia da relação de forças (bem vs mal) e dos impulsos iniciais possíveis (causas) das trajetórias,  com suas inexoráveis consequências (efeitos). De modo simples, uma vez estabelecida a causa (escolha livre), sofre-se as consequências da mesma (fatalidade, determinismo) por meio da perfeição da Lei. Compreender esse mecanismo de evolução do universo em seu âmago é a chave para a libertação deste mundo - ou seja, para avançarmos no caminho do progresso efetivo. 

A evolução na forma racional (humana) parece apresentar uma particularidade: ela tende a um máximo de tensão quando o intelecto atinge sua maior amplitude de desenvolvimento. Leia-se: capacidade de argumentação, astúcia, velocidade de processamento, sistematização, capacidade de abarcar múltiplos saberes, etc. A consciência na forma humana está a meio caminho: inicia-se com o despertar da razão (homo sapiens) no ponto inferior; e finda com a superação da razão, absorvendo-a por completa e dando lugar à inteligência intuitiva, capaz de sínteses que hoje ainda parecem milagres ou inspiração mais ou menos comuns a gênios e líderes e santos e místicos. O despertar e consolidação dessa inteligência no seio da humanidade dará luz ao novo homem (super-humano), gerando uma nova espécie. 

A questão é simples: quanto mais nos afastamos do ponto inicial, mais cresce a nossa experiência. E com ela, a capacidade de raciocinar. Visamos o benefício (inicialmente nosso, depois do coletivo). Abarcando uma quantidade cada vez maior de seres - em unidades coletivas mais vastas - ganhamos potência de atuação. A capacidade de organização colima em potência de expansão. O coletivo mais complexo possibilita a vivência individual mais plena. E com isso facilita-se a reforma íntima. Ela (o íntimo do indivíduo) é a origem dessas mudanças. A consciência desperta o ser, dizendo-lhe que novas necessidades surgem. Necessidades mais elevadas, que conduzem a métodos diferentes. Trata-se de um jogo de forças entre a imanência de Deus (substância do Sistema, o Bem) e a desobediência da criatura decaída (espíritos em ascensão, nós, o Anti-Sistema, portadores do Mal). Mas o mal não somos nós, seres nas vias da redenção - apenas admitimo-lo e com isso sofremos todas as consequências daí provenientes. 

Analisando os triângulos de Ubaldi, podemos perceber que as forças S e AS se igualam no meio do caminho. Para cada espécie, nível, parece haver esse momento de equilíbrio. O homem, pelo que dizem, está justamente no meio caminho desse ciclo evolutivo universal, que vai do átomo ao espírito puro. E nossa espécie, além disso, está no seu derradeiro momento - de mudança. Atingimos o ponto máximo em termos de recusa à aceitação da Lei de Deus. Isso graças ao intelecto luciférico amplamente desenvolvido. A evolução do ser humano (homo sapiens) está a meio caminho: o máximo do AS se manifesta em nós, e concomitantemente estamos atingindo um grau de consciência que é metade das nossas possibilidades. 

Quando as forças do AS (mal, segregação, confusão, argumentação infindável, barulho, desgaste, ineficiências, ilusão, luxúria, aparências) atingem o clímax, essas perdem seu potencial armazenado, sendo seu avanço subsequente um encolhimento natural, como uma mola que já atingiu sua máxima elongação. E assim solta-se o ataque final, com todas as forças: é a hora das trevas, em que parece que tudo está perdido e nada resta à humanidade. Desespero e terror tomam conta das pessoas, que deixam de acreditar e temem a ignorância - como se esta fosse durar para sempre. Mas eis que a imanência de Deus começa a agir: primeiramente em criaturas à frente (os evoluídos), e depois naqueles mais próximos, que começam a assimilar, confirmar, vivenciar e (igualmente) atuar destemidamente. É o momento decisivo. O cume da imensa montanha. O ponto em que não é possível retroceder e todos devem dar seu máximo rendimento, até à morte do corpo físico, se necessário - para a geração da vida eterna, no espírito, garantindo assim o ressurgimento daquele (corpo físico). E assim as forças do S (bem, afirmação, reflexão, síntese, eficiência, silêncio, sinceridade, honestidade, clareza, essência) passam a controlar definitivamente o processo de redenção que vai da matéria ao espírito; das trevas à luz; da pulverização máxima à unificação total.

É importante que nos apeguemos mais ao conceito e os princípios do que à forma e às aparências. Pois é o princípio que gera o tangível. E as aparências são apenas reflexo da nossa face íntima frente ao espelho que reflete o substancial. 

Como se vê, tudo indica que a humanidade está nesse momento crítico, no qual todas as expectativas se voltam sobre nós. Há 50% de força do AS em atividade (Mal), e 50% de força do S igualmente ativa (Bem) no mundo. Como o equilíbrio é total, o embate é do mais feroz. Nesse jogo de forças o desespero chega ao limite, as forças parecem se esgotar e o sentido da luta e da vida parecem esvair pelas mãos - como as areias do tempo escorrem pela ampulheta.

Quando o intelecto era menor, o mal era mais cruel, porém sua capacidade de destruição era igualmente reduzida (ex.: Idade Média). Hoje, porém, o mal se desenvolveu a tal grau que sua manifestação plena é certeza de destruição coletiva em proporções de civilização. É mister que o bem se contraponha a essa avalanche de destruição ocasionada por uma mente que se tornou refém das aparências e das quantidades. 

A expansão horizontal do intelecto (que fortalece o mal) não segue necessariamente o mesmo ritmo da ascensão vertical da consciência (que leva ao bem). É imprescindível que aceleremos a evolução na vertical através da interiorização da vivência, buscando o máximo de compreensão possível. O mundo precisa mais do que nunca de uma nova mentalidade. Uma mentalidade monista, que perceba os fenômenos, as relações, o progresso, a história, os saberes, os desenvolvimentos, mais como algo que tende a se irmanar numa unidade íntegra, íntima e fraterna - do que como algo que deva ser gerenciado e usado em proveito particulares.


O sistema deve mudar com a mudança dos métodos.

Os métodos mudam com a mudança da mentalidade.

A mentalidade muda com a conscientização.

A conscientização se dá interiormente.

 

É você quem desperta, por si só. Ninguém pode fazer algo que cabe a ti. 

Mas nada impede outros de ajudarem você nesse processo.

Eis que reforma íntima e conscientização, se relacionam diretamente com vivência social e mudança sistêmica.


O mundo jaz em trevas, mas não por muito tempo. 

A questão é: queremos ir adiante (salto evolutivo revolucionário) ou decair alguns séculos ou milênios?


Referências:

[1] https://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2014/11/um-ciclo-duas-fases-piramide-expansiva.html?m=1

[2] https://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2015/03/sistematizacao-do-processo-evolutivo.htm

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Mais que Rei: Imperador

A TVE vem produzindo séries de qualidade que beiram o insuperável. Em termos de fidelidade às personalidades dos personagens históricos e aos fatos; em termos de força de penetração de trilha sonora; em termos de figurino; em termos de representação; e em termos de capacidade de síntese. São séries que podem servir, sem problema algum, a um curso de História do 2° grau (ou mesmo faculdade), dando o estímulo necessário ao estudante - que passará a ler e estudar os livros com mais interesse e visão mais profunda. Isso porque a equipe do filme tomou o cuidado de consultar diversos historiadores para construir cada cena. 

Eleonor, Carlos e Isabel

Os personagens se vestem fielmente de acordo com a época. Agem conforme os costumes. Seus olhares transmitem a intensidade de uma vida de guerras e paixões e sonhos e esquemas e vinganças. A trilha dá o tom ao sentimento dos reinos e de seus principais indivíduos, sejam reis, bispos, papas, diplomatas, soldados, mercenários ou qualquer outro tipo de classe próxima ao poder. Cada gesto tem um significado. Há cenas que poderiam se tornar quadros - como aquela da tomada de Granada pelos reis católicos Isabel e Fernando, que aliás foi construída baseada num quadro, de forma impecável, parte por parte.

Carlos I da Espanha (ou Carlos V do Sacro-Império Romano-Germânico) foi neto materno de Isabel de Castela e Fernando de Aragão. Segundo filho de Joana, a Louca. Predestinado a ser herdeiro de um imenso poder. Ser mais do que um rei poderoso de um reino em ascensão: se tornar imperador. 

Castela, Aragão, Sicília, Nápoles, partes da África, Flandes, as Índias (como eram conhecidas as Américas então), o Império (parte da Alemanha, Suíça, Áustria e regiões adjacentes), entre outros: todos reinos sob domínio de um homem, que concentrou em si todos os dramas e viveu uma vida permeada de conflitos externos (guerras) devido à grandiosidade de seus domínios e à sua época - uma era permeada de descobertas e conquistas. Nesses casos a vida pessoal se mistura à vida pública de forma mais intensa, sendo impossível fugir para o recôndito da intimidade do lar. 

Isabel de Avis, filha de Manuel o Afortunado e Maria de Aragão, foi a esposa do imperador. Ela assim o quis (ou César ou nada), e assim aconteceu. Eram primos (Maria era irmã de Joana), ou seja, próximos em termos de sangue. Quando Isabel morre após o seu terceiro parto, em 1539, aos 36 anos, Carlos nunca mais se casou. Ficou de luto pelo resto de sua vida, vestindo sempre trajes pretos pelos próximos 19 anos (morreu em 1558).

A série é feita numa única temporada de 17 episódios. Iniciamos com um rapaz jovem, cabeludo, sem barba, sereno e inexperiente. Cisneros, arcebispo de Toledo, já velho, prepara tudo da melhor maneira possível para que Carlos assuma um reino sem problemas. Mas as instabilidades vêm e vão, e a tarefa de consolidação no poder não serão nada triviais para o jovem rei. 

A vida de Carlos foi um eterno conflito entre reinos. O fato de ter se tornado imperador abriu brechas para a preocupação dos vizinhos (dentre os quais a França, de Francisco I, e Roma, com vários Papas que conviveram com o reinado de Carlos), que viam no rapaz uma ameaça: muito poder, muitos domínios, muitos títulos na mão de uma pessoa. Tratava-se de um herdeiro de algo tão grande que o peso dessa herança poderia muito bem quebrar uma pessoa psicologicamente. E não faltaram guerras e esquemas e clima hostil durante o seu reinado. A paz do rei-imperador estava restrita à poucos momentos de sua vida íntima.

Ele tem um caso com Germana de Foix, uma mulher ainda jovem, viúva de seu avô Fernando de Aragão. Teve um filho com ela. Mas as obrigações de sua posição logo os afastaram. Foi seu primeiro amor, escondido, não declarado, forçado a viver nas sombras de um contexto que impedia a troca de afetos entre pessoas de posições distintas. Esse amor, apagado pelas imposições férreas da vida de liderança e política e guerra, logo foi substituído pela princesa de Portugal.

O conforto de Carlos (sua paz) estava em sua esposa, Isabel. Com ela viveu os melhores momentos. Tiveram três filhos, dos quais o primogênito, Felipe II (conhecido como o rei prudente), viria a assumir seu lugar, compartilhando o poder com o irmão de Carlos, Fernando de Áustria. 

Sua família sempre foi fonte de conflitos: sua irmã Eleonor sempre teve casamentos feitos e desfeitos de acordo com os interesses do império (que poderíamos dizer que eram do imperador, seu irmão) ou pela falta de caráter daqueles que a acompanharam. Uma vida infeliz. Um mar de decepções, ponto trágico que teve em comum com sua mãe, Joana, a Louca. Joana, que aliás, viveu 76 longos anos - dos quais 50 deles infelizes, levando-a à loucura. Era uma mulher instável, mas sabia como as coisas funcionavam. Se decepcionou com o mundo. Mas sobretudo, com sua família, a qual jamais perdoou por tê-la tratado como uma simples marionete. Maria e Catalina (de Áustria), tiveram um pouco mais de sorte. 

Sente-se a trilha sonora do argentino Federico Jusid. A mesma emoção sentida na série Isabel se encontra aqui em Carlos. Excelente escolha - tanto por escolhê-lo quanto por mantê-lo orquestrando. 

A série, além de empolgante, é uma verdadeira aula de História. Assisti-la não é um mero exercício de entretenimento - aliás, há muito mais cultura e conscientização do que isso. Trata-se de um lazer que se insere no seio de um processo de incremento cultural, de despertar dos sentimentos, e de conscientização sobre o funcionamento das engrenagens do poder, tanto à nível público, na política (da paz e da guerra) quanto na psíquica, no comportamentos. Vale como semente para futuros desenvolvimentos educacionais. Vale como núcleo para bate papos interessante. Vale, até certo ponto, como elemento transformador.

Uma curiosidade: Carlos não terminou seu reinado com sua morte - decidiu abdicar do trono, repartindo seus domínio entre seu filho Felipe II e seu irmão Fernando da Áustria. De certa maneira, uma pessoa que iniciou com a vivência do que conhecemos como vida de aposentado, recolhendo-se para que os mais jovens continuassem as brigas pelos objetivos de um mundo feroz e intenso.

Referências:

[1] http://lab.rtve.es/carlos-v/

[2] http://lab.rtve.es/serie-isabel/personajes/