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terça-feira, 27 de outubro de 2020

Mais que Rei: Imperador

A TVE vem produzindo séries de qualidade que beiram o insuperável. Em termos de fidelidade às personalidades dos personagens históricos e aos fatos; em termos de força de penetração de trilha sonora; em termos de figurino; em termos de representação; e em termos de capacidade de síntese. São séries que podem servir, sem problema algum, a um curso de História do 2° grau (ou mesmo faculdade), dando o estímulo necessário ao estudante - que passará a ler e estudar os livros com mais interesse e visão mais profunda. Isso porque a equipe do filme tomou o cuidado de consultar diversos historiadores para construir cada cena. 

Eleonor, Carlos e Isabel

Os personagens se vestem fielmente de acordo com a época. Agem conforme os costumes. Seus olhares transmitem a intensidade de uma vida de guerras e paixões e sonhos e esquemas e vinganças. A trilha dá o tom ao sentimento dos reinos e de seus principais indivíduos, sejam reis, bispos, papas, diplomatas, soldados, mercenários ou qualquer outro tipo de classe próxima ao poder. Cada gesto tem um significado. Há cenas que poderiam se tornar quadros - como aquela da tomada de Granada pelos reis católicos Isabel e Fernando, que aliás foi construída baseada num quadro, de forma impecável, parte por parte.

Carlos I da Espanha (ou Carlos V do Sacro-Império Romano-Germânico) foi neto materno de Isabel de Castela e Fernando de Aragão. Segundo filho de Joana, a Louca. Predestinado a ser herdeiro de um imenso poder. Ser mais do que um rei poderoso de um reino em ascensão: se tornar imperador. 

Castela, Aragão, Sicília, Nápoles, partes da África, Flandes, as Índias (como eram conhecidas as Américas então), o Império (parte da Alemanha, Suíça, Áustria e regiões adjacentes), entre outros: todos reinos sob domínio de um homem, que concentrou em si todos os dramas e viveu uma vida permeada de conflitos externos (guerras) devido à grandiosidade de seus domínios e à sua época - uma era permeada de descobertas e conquistas. Nesses casos a vida pessoal se mistura à vida pública de forma mais intensa, sendo impossível fugir para o recôndito da intimidade do lar. 

Isabel de Avis, filha de Manuel o Afortunado e Maria de Aragão, foi a esposa do imperador. Ela assim o quis (ou César ou nada), e assim aconteceu. Eram primos (Maria era irmã de Joana), ou seja, próximos em termos de sangue. Quando Isabel morre após o seu terceiro parto, em 1539, aos 36 anos, Carlos nunca mais se casou. Ficou de luto pelo resto de sua vida, vestindo sempre trajes pretos pelos próximos 19 anos (morreu em 1558).

A série é feita numa única temporada de 17 episódios. Iniciamos com um rapaz jovem, cabeludo, sem barba, sereno e inexperiente. Cisneros, arcebispo de Toledo, já velho, prepara tudo da melhor maneira possível para que Carlos assuma um reino sem problemas. Mas as instabilidades vêm e vão, e a tarefa de consolidação no poder não serão nada triviais para o jovem rei. 

A vida de Carlos foi um eterno conflito entre reinos. O fato de ter se tornado imperador abriu brechas para a preocupação dos vizinhos (dentre os quais a França, de Francisco I, e Roma, com vários Papas que conviveram com o reinado de Carlos), que viam no rapaz uma ameaça: muito poder, muitos domínios, muitos títulos na mão de uma pessoa. Tratava-se de um herdeiro de algo tão grande que o peso dessa herança poderia muito bem quebrar uma pessoa psicologicamente. E não faltaram guerras e esquemas e clima hostil durante o seu reinado. A paz do rei-imperador estava restrita à poucos momentos de sua vida íntima.

Ele tem um caso com Germana de Foix, uma mulher ainda jovem, viúva de seu avô Fernando de Aragão. Teve um filho com ela. Mas as obrigações de sua posição logo os afastaram. Foi seu primeiro amor, escondido, não declarado, forçado a viver nas sombras de um contexto que impedia a troca de afetos entre pessoas de posições distintas. Esse amor, apagado pelas imposições férreas da vida de liderança e política e guerra, logo foi substituído pela princesa de Portugal.

O conforto de Carlos (sua paz) estava em sua esposa, Isabel. Com ela viveu os melhores momentos. Tiveram três filhos, dos quais o primogênito, Felipe II (conhecido como o rei prudente), viria a assumir seu lugar, compartilhando o poder com o irmão de Carlos, Fernando de Áustria. 

Sua família sempre foi fonte de conflitos: sua irmã Eleonor sempre teve casamentos feitos e desfeitos de acordo com os interesses do império (que poderíamos dizer que eram do imperador, seu irmão) ou pela falta de caráter daqueles que a acompanharam. Uma vida infeliz. Um mar de decepções, ponto trágico que teve em comum com sua mãe, Joana, a Louca. Joana, que aliás, viveu 76 longos anos - dos quais 50 deles infelizes, levando-a à loucura. Era uma mulher instável, mas sabia como as coisas funcionavam. Se decepcionou com o mundo. Mas sobretudo, com sua família, a qual jamais perdoou por tê-la tratado como uma simples marionete. Maria e Catalina (de Áustria), tiveram um pouco mais de sorte. 

Sente-se a trilha sonora do argentino Federico Jusid. A mesma emoção sentida na série Isabel se encontra aqui em Carlos. Excelente escolha - tanto por escolhê-lo quanto por mantê-lo orquestrando. 

A série, além de empolgante, é uma verdadeira aula de História. Assisti-la não é um mero exercício de entretenimento - aliás, há muito mais cultura e conscientização do que isso. Trata-se de um lazer que se insere no seio de um processo de incremento cultural, de despertar dos sentimentos, e de conscientização sobre o funcionamento das engrenagens do poder, tanto à nível público, na política (da paz e da guerra) quanto na psíquica, no comportamentos. Vale como semente para futuros desenvolvimentos educacionais. Vale como núcleo para bate papos interessante. Vale, até certo ponto, como elemento transformador.

Uma curiosidade: Carlos não terminou seu reinado com sua morte - decidiu abdicar do trono, repartindo seus domínio entre seu filho Felipe II e seu irmão Fernando da Áustria. De certa maneira, uma pessoa que iniciou com a vivência do que conhecemos como vida de aposentado, recolhendo-se para que os mais jovens continuassem as brigas pelos objetivos de um mundo feroz e intenso.

Referências:

[1] http://lab.rtve.es/carlos-v/

[2] http://lab.rtve.es/serie-isabel/personajes/

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