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sábado, 27 de março de 2021

Ser > Fazer > Ter

Sendo profundo, fazemos bem.

Fazendo bem, temos tudo.

Comecei o ensaio fazendo uma afirmação vinda da intuição. Desenvolverei o mesmo baseado na racionalização dessa visão. E concluirei dando uma resposta mais concreta.

Ser vem de essência. Ela é substantivo porque substancial. Essência está na profundidade, no intangível, no imaterial. Naquilo cuja potência de transformar é imensa - mas seus primeiros passos são sutis e aparentemente incipientes.

Fazer é verbo. É energia, pois representa transformação através da atuação. É o dinamismo universal que liga numa cadeia indissolúvel a essência com a forma. É o vaso comunicante que dá face divina às obras humanas.

Ter é estado. É algo visível e temporário. É moeda de troca; objeto de afirmação; modo de sobrevivência. É a forma que possui aquele que julga possuí-la. 

Tudo isso é muito profundo. Compreenderão apenas aqueles(as) que já sofreram marteladas suficientes. Essas marteladas desbastam o ser para que o olho do espírito comece a enxergar. Atenção: não falo de coisas físicas aqui. Aqui o 'enxergar' é mais profundo. É perceber o imperceptível. É valorizar o rejeitado. É viver a loucura. É simplesmente ser...

Fig. 1: Ciência e Religião estão prestes a se casar. Quando se conhecerem melhor, irão se acasalar. 
Dessa acasalamento, nascerá uma nova consciência.

Vamos começar.

Quem é você?

Se respondeste seu nome, erraste - isso é apenas uma denominação humana.

Se respondeste sua profissão, erraste - isso é apenas uma ocupação humana.

Se respondeste seu endereço, erraste - isso é apenas uma habitação momentânea.

Se respondeste sua família, erraste - isso é apenas uma ligação temporária.


Você é temporário? Você tem início e terá fim? 

Se sim, como conviver com isso ciente desse destino cruel?

Se não, então...quem é você?

E talvez, num dado momento, após muito refletir...você se dê conta de que não sabe.

Vamos falar um pouco de fractais.

Fig 2: Fractal é algo simples e repetitivo que gera complexidades atordoantes...

Fractal = padrão simples + repetição infinita (ambos sentidos)

Identificamos fractais na forma de geometria. Mas o conceito se repete para além das fronteiras espaciais. Ele se repete em outras dimensões - entenda..ele é um fractal, certo? A repetição é infinita na horizontalidade de uma dimensão - e na verticalidade que rasga todas dimensões. E isso é o que faremos a seguir: estender um conceito do nosso plano para outros planos.

Fig 3: Fractal é um dos princípios do universo. 
Até nós, nos reproduzindo, participamos do processo.

Podemos perceber padrões de comportamento simples se repetindo ao longo do tempo. Você e eu 'funcionamos' assim. A atmosfera. Os movimentos planetários e galácticos. A forma se repete apenas como uma consequência da repetição de um comportamento. Esse comportamento é efeito de um princípio. Que princípio é esse?

Há algo causando esses comportamentos? Essa é a questão. Se não, devemos atribuir aleatoriedade a todos os fractais. Essa ordenação do infinitamente pequeno ao infinitamente grande seria nada mais do que uma mera coincidência. E assim não há mais estímulo para a investigação, pois num universo de  caos absoluto não há motivos para a continuidade da pesquisa, da superação humana. Isso não me parece razoável e tende a frear meus ímpetos criativos... Sem blog, sem aulas, sem estudo, sem leitura, sem planos, sem questionamentos, sem música, sem filmes, sem...sentido. Vamos então ver sob outra perspectiva.

O caos existe sim. Mas e se eu vos dissesse que ele é apenas um átimo num eterno devenir? Ou seja, além de todo caos há uma ordem (incompreendida para quem vive no nível do caos) que o circunscreve, dando-lhe liberdade para atuar, mas apenas até certo ponto - além do qual a lei, sem esforço algum, domina com maestria e elegância. 

Mas podemos ver em aspectos de curto prazo, do quotidiano: há ordem e caos se sobrepondo, sempre, à medida que vamos percebendo as coisas da vida, do universo e de nós mesmos. É como uma torta alemã, com várias camadas, em que ordem e caos se revezam.

Fig.4: Degustamos por camadas, vivemos por camadas. 
E de camada em camada, preenchemos nosso ser.

Mas no panorama geral, a ordem sempre dá a palavra final, fechando ciclos e dando ao ser o seu despertar: vemos mais, fazemos melhor, queremos mais o simples e menos o complicado. Em suma, evoluímos. 

Por que sendo profundo fazemos bem?

Porque toda atividade feita de forma compenetrada, com dedicação total, criatividade insana, cuja finalidade é a melhoria em nível atômico - isto é, tornar-nos melhores - terá como consequência uma orientação que advém da intuição. Um tiro certeiro e com efeitos perceptíveis apenas para as almas sensíveis.

Por que fazendo bem temos tudo?

Porque executar coisas da melhor forma possível para nosso desenvolvimento interior nos garante os recursos necessários para o cumprimento de nosso destino. Deus deseja a nossa evolução, pois nela reside a salvação (recomendo a leitura do ensaio sobre a queda, [1]). Orientados de acordo com a Lei, estamos dizendo que estamos indo pelo caminho certo (cada um tem o seu, mas o certo é o certo, certo?). E dessa forma, por meios que ainda não compreendemos plenamente, acabamos sempre cumprindo nosso destino se estivermos plenamente atuantes - isto é, conscientes de nosso papel.

Ser é princípio - princípio rege tudo.

Fazer é ação - ação viabiliza a concretização do princípio.

Ter é uso - uso serve para elevar os seres e as coisas.

A Geometria, Fractais e os padrões da Natureza.

Referências:

[1] https://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2021/03/queda-criacao-do-evolucionismo.html

O que é escravidão?

Nos últimos dias ando assistindo aos vídeos do Daniel Kaltenbach no YouTube. Estou prestes a terminar o curso "O Despertar da Consciência", dividido em dez aulas (mais uma introdução). Ele é claro, profundo e prático. Mostra como todas as grandes questões dos livros sagrados se relacionam com o nosso quotidiano. E não precisa usar slides: simplesmente dá uma aula cara-a-cara. E prende a atenção. Do começo ao fim. Muitos dos assuntos abordados se relacionam com a obra de Pietro Ubaldi e com os pensamentos de Huberto Rohden - além, é claro, com os conceitos da doutrina espírita. 

Vamos ao tema: escravidão. 

Eu não quero tratar o tema em seu sentido restrito, isto é, a escravidão tal qual a reconhecemos. Uma escravidão de forma, de superfície, de definições formais. Gostaria de adentrar em seu aspecto mais profundo, tal qual aquele abordado pelo Kaltenbach. 

Fig. 1: As balas que nos atingem enquanto dermos falso valor a cada uma delas. 
Acordando para a realidade, paramos as balas e vencemos o mundo.
Cena do filme Matrix (1999).

Eu já tratei essa questão alhures [1]. Mas estava em meus primeiros escritos. Desde então adquiri uma visão mais precisa sobre o fenômeno. Detalhes foram incorporados aos meus conceitos. Naquele ensaio eu demonstrei que as três formas de trabalho associadas à geração de riqueza (escravidão, servidão e assalariado) eram no fundo basicamente idênticas: todas eram exploradas de um modo ou de outro. De tal forma que no fundo se tratava de uma escravidão que foi mudando de forma de acordo com as circunstâncias (arranjos sócio-econômicos e tecnológicos). 

De forma geral, na Antiguidade tínhamos o modo de produção baseado na escravidão; na Idade Média, a servidão; e na modernidade (até hoje), o assalariado. Essas formas se mesclam até mesmo hoje. Mas em todas houve sempre exploração do homem pelo homem.

Muitos crêem que escravidão seja algo relacionado a correntes, chibatadas, castigos e controle total sobre corpos. Mas esse é apenas um aspecto de forma. A escravidão pode ser financeira, psicológica (emocional e mental) e econômica. É a exploração de tempo, de energia, de conhecimento, de recursos dos outros. 

Qualquer ato em que alguém (ou um grupo ou uma nação ou uma civilização) tenha a intenção de usar a energia do outro para que a sua seja poupada é um ato de exploração. E toda exploração implica em escravizar (o outro). E isso não se dá apenas na forma mais concreta, física - apesar das consequências finais da exploração pipocarem em efeitos bem concretos. Ela se dá através de leis, emendas e decretos que sufocam possibilidades; através de regras de conduta adaptadas a um determinado nível evolutivo; através de narrativas midiáticas incompletas que beneficiam particulares; através de culturas e valores impostos ao longo do tempo; através de gritos e barulho; através de diferenciações absurdas e equalizações insanas.  Ou seja: a escravidão sempre reinou em nossa História.

E por que escravizamos? Daniel explica o porquê: medo

Medo de quê? Medo de haver carência para nós e os nossos. Carência de tempo, de recursos, de energia. Pois esse medo que tanto nos assola acaba infernizando nossas mentes, e acabamos por deixar aflorar os instintos mais baixos - mesmo que através das leis mais elaboradas; dos atos mais perfumados e das mudanças mais insípidas.

No ser humano desperta o intelecto luciférico. Lúcifer significa de portador de luz. Aquele que possui a razão. Com ela desenvolvemos muitas coisas. Crescemos, progredimos. Criamos a ciência, as tecnologias, as organizações políticas, as cidades, os povos, as civilizações, os impérios. Filosofamos. Mas sempre o fizemos de modo deficiente: uma conquista sempre trouxe um novo modo de explorar, mais elegante e (pasmem) eficiente. O mesmo vale para os novos modos de produção. 

Fig.2: As abelhas encontraram a forma de organização social perfeita. 
O indivíduo vive em função da coletividade - a coletividade ampara o indivíduo.

Quando a Inglaterra aboliu a escravidão em suas colônias, e com seu poder ultramarino e industrial forçou as outras potências a extinguirem o tráfico de escravos, ela não estava pensando em direitos humanos. Seu pensamento era mais do tipo: "Poxa! Com todas essa tecnologia da Revolução Industrial nós estamos produzindo muito e barato. Mas precisamos de pessoas para produzir (operários) e consumir (mercado consumidor). Do modo em que o mundo está arranjado isso vai ser muito difícil...Vamos impor um novo modo de produção. A gente tem a força!" E assim a escravidão da forma se plasmou na escravidão das fábricas - que depois se tornou a escravidão dos escritórios. Mas ela se estende a todas relações entre humanos e entre humanos e outras espécies.  

É claro que a abolição da escravidão foi um progresso sem igual (apesar de todas intenções luciféricas inglesas, que o mundo 'desenvolvido' logo se pôs a seguir assim que se deu conta). É assim que o mundo progride: por avanços na forma. Mas cada salto desse tipo elimina a margem de manobras da mente que tudo deseja dominar (isto é, explorar), forçando-a a lidar cada vez mais com a questão central: quando a escravidão irá ser abolida em sua substância? 

Um belo filme mostra o movimento que iniciou com o fim da escravidão no Império Britânico. O que me atraiu no filme é o seu personagem principal, William Wilberforce [2], um aristocrata inglês riquíssimo, com influência no parlamento, que dedicou sua vida a acabar com a escravidão e o tráfico de negros. Não apenas isso, possuía um senso religioso dos mais elevados, e se dedicou a combater todo tipo de injustiça e crueldade. Era vegetariano também (algo inconcebível para esses tempos). Sua intenção era das mais puras. 

AMAZING GRACE (2006)

Nossa História é permeada de sentido quando somos capazes de perceber as chispas de luz que causaram os impulsos mais significativos. Impulsos estes que acabaram por se difundir e criar um contexto menos árduo e mais apto ao despertar da consciência. Nós somos os herdeiros desses gênios, santos e heróis. E para honrá-los, devemos apenas aproveitar o melhor possível nossas vidas, nos transformando em co-criadores nessa jornada evolutiva. Demos usar os recursos e condições - conquistados com sangue e suor no passado - para continuar essa jornada. Porque a finalidade da vida é evoluir. É evoluir, evoluir, evoluir...

Voltando à escravidão..

Somos a espécie em que o intelecto desperta. Não apenas percebemos o ambiente com os sentidos, mas estabelecemos relações de causalidade entre os fatos. Sabemos que a semente é uma árvore em potencial - e que a árvore é uma semente que se desenvolveu plenamente. Mas esse saber não é sabedoria. Ele é conhecimento, sistematização, análise. Ele estabelece relações. Ele depende de contrastes para atribuir conclusões. Em suma: nosso nível de consciência, humano, opera baseado no mundo relativo. Com a evolução, iremos superar o método presente, nos lançando para um mundo inimaginável ao intelecto. Esse mundo é o mundo da intuição.

Quando somos capazes de perceber as verdades nos pólos (contraditórios), realizamos a unificação. Nem A está absolutamente certo e B absolutamente errado - nem vice-versa. A e B possuem cada um uma parcela da verdade. Pode ser até que um possua uma parcela um pouco maior. Mas a questão é que nenhum dos dois está totalmente equivocado em sua lógica. Esse tipo de método, que denomino método da unificação, da síntese, é aquele capaz de erradicar a escravidão.

Como já sabemos, nossa espécie tem uma espécie de tara por acumular. Desde o tempo das cavernas, quando nossos ancestrais caçavam e coletavam, vivendo no perigos e da ignorância, o instinto humano, coordenado com o intelecto, sempre foi o de garantir (para) o amanhã. 

Não basta matar o mamute, comer parte dele e deixar o resto para a natureza dar conta dele. Os animais matam e comem o suficiente para satisfazê-los. Em seguida deixam a presa morta e vêm outros e degustam outras partes. E assim por diante, até sobrar muito pouco e os vermes do solo realizarem o magnífico trabalho de decomposição orgânica, reabsorvendo os elementos que são seus nutrientes - e assim perfazendo uma das facetas da Lei de Deus, que é o princípio da renovação contínua e incessante.  Como se vê, os animais, inconscientemente, sabem que tudo no Universo funciona de modo sistêmico - e por isso não se preocupam em largar o que obtiveram, pois sabem que amanhã sempre haverá mais. 

O que aprendemos com isso?

Quando você busca apenas o suficiente para satisfazer seu nível de possibilidade evolutivo, não há necessidade de temer o futuro, pois sempre nos será fornecido mais, de acordo com as nossas necessidades. 

A humanidade jamais operou a partir dessa lógica. Houveram poucas exceções que viveram de tal forma. Denominamos tais criaturas de santos e místicos. Há até um bom número de indivíduos que vivem uma vida mais equilibrada, baseada mais no necessário do que no supérfluo. São pessoas que enxergaram uma assíntota no crescimento material e intelectual, e buscam vetorizar em outras direções. Se contentam com um carro simples (se precisam); buscam alimento saudável mas não absurdamente fora de seu orçamento; se contentam com o espaço e o conforto necessário para realizarem sua missão de vida. Assim, podemos dizer que são pessoas orientadas para a eficiência (chegar com menor dispêndio possível). E para a eficácia (chegar aonde querem). E efetividade (chegar aonde quer da melhor maneira possível). 

Em suma:

Efetividade  = Eficiência + Eficácia

De tal modo que podemos simplificar: seres ligeiramente mais conscientes são mais efetivos do que a média. E isso contribui para todo o planeta.

Se fôssemos mais orientados para a efetividade, teríamos menor necessidade de explorar o outro.
Se explorássemos menos o outro, causaríamos menos rancor no mundo.
Com menos rancor, há menos caos e mais paz interior.

De modo que adquirir consciência (do necessário, do realmente importante) nos dá meios de melhorarmos a situação planetária sem necessariamente nos engajarmos em batalhas coletivas. 

Se precisamos de menos do mundo, seremos mais livres do mesmo. Estaremos menos dependentes de salário, de aprovações sociais, de rendimentos financeiros, de coisas que tem início e fim. Isso dá uma paz interior indescritível. E com paz no coração, podemos nos lançar com todo ímpeto a reinos desconhecidos, desbravando universos que não são nem grandes nem pequenos, nem breves nem longevos. Adentramos em universos imateriais, reino do infinito e da eternidade. O foco não será mais explorar/escravizar o outro. Pelo menos não será mais prioritário.

Escravizamos o outro quando:

 - Buscamos pagar o mínimo possível para alguém que executa um erviço útil;
 - Procuramos consumir bens alienantes e inúteis;
 - Deixamos de nos pronunciar a respeito de questões centrais;
 - Procuramos abandonar os locais "ruins" em busca de locais "bons", alegando que lá as pessoas são melhores;
 - Não percebemos a profundidade da palavra 'escravidão';
 - Vivemos em função da acumulação;

O medo de não ter alimento; de não ter casa; de não ter companhia; de não ter emprego; de não ter bens...o medo de não ter nos torna exploradores.

Vivendo com esse mindset (para usar um termo anglo-saxônico popular por essas bandas) não nos moveremos um passo. O novo mundo de regeneração exige que vivamos de acordo com novos princípios e valores. É imperativo impedir o domínio do medo.

Temos medo sim. É natural. Mas ele não pode nos paralisar. Nossos sonhos mais elevados não podem ser sufocados por causa de temores que uma lógica social aprendeu a impor a si mesma. 

Não deixando esse temor me paralisar, progredi na vida. 

Sempre foi assim. E agora percebo cada vez melhor que existe um princípio muito profundo governando o universo. Em todos momentos, em todos locais, de várias maneiras. É um princípio que, se for tudo como base de vida, pode nos dar a chave para salvar a nossa civilização e dar uma um passo nessa imensa esteira evolutiva.

As balas que nos atingem enquanto dermos falso valor a cada uma delas. 
Acordando para a realidade, paramos as balas e vencemos o mundo.

Continuarei vivendo, constatando e sistematizando.

TERRA: O PLANETA DA ESCRAVIDÃO ESPIRITUAL 

com Daniel Kaltenbach

Referências:

sexta-feira, 19 de março de 2021

Somente a dor irá curar - ao sábio resta só esperar

Para o teimoso, a coisa só fica clara quando se sofre as últimas consequências de seus atos. Esses atos tem gênese no pensamento: um sistema de crenças e valores; uma maneira de ver o mundo; um conjunto de experiências e sentimentos e meio físico e cultural em que se viveu. Tudo isso irá ditar o nível de teimosia de um indivíduo. E o seu grau de consciência será o fator mais determinante no momento dos resultados finais. 

 Fig.1: Quem já percebeu caminha calmo na névoa da ignorância.

Quem superou a cegueira humana nada mais espera exceto a Lei cumprir seu trabalho.

Fonte: analogicus.

Para um conjunto de teimosos vale a mesma regra. Só que nesse caso, por serem muitos, há muitas conexões, a escala é incomensuravelmente maior, a imprevisibilidade também. De modo que todos acabarão por sofrer as consequências dos atos de um grupo. Mas aqueles que sofrem e tem poucos débitos para com leis morais, o sofrimento será menor. Vale sobretudo saber sofrer

Huberto Rohden já dizia que o sofrimento somente acabaria na humanidade quando não houvesse um único pecador (isto é, indivíduo mal intencionado ou ingênuo inconsciente). Enquanto houver uma só pessoa em débito com a Lei de Deus, haverá sofrimento coletivo. Isso pode parecer injusto apenas na superfície dos efeitos. Na profundidade das consequências finais, cada um sofrerá apenas o que deve sofrer para despertar sua consciência.

Todos sofremos na jornada. Mas quando se fecha um ciclo e se resume uma jornada, uma vida, um plano de vida, fica evidente quem é joio e quem é trigo: pessoas que se transformaram, buscando ir mais à fundo nos fenômenos; procurando reconhecer suas falhas; adquirindo experiências e difundindo sem temor pensamentos e sentimentos que emergem do íntimo, essas pessoas estarão salvas. Poderão continuar sua jornada evolutiva neste planeta.

Aqueles que insistem em permanecer numa ignorância nefasta - completamente incompatível com o nível de vida de uma nova civilização planetária - terão de continuar sua escola em mundos compatíveis com o seu nível. É o momento de seleção.

Não é preciso ser um santo, anjo, herói ou gênio para estar no grupo que permanece. Fosse assim estaríamos todos perdidos. Nem adotar uma dieta plenamente natural; nem abdicar de seus bens; nem grandes renúncias. Mas o grau de consciência deve ser compatível com uma humanidade que quer evoluir.

O mundo sofre cada vez mais porque a maioria da humanidade possui baixo grau de consciência. Apesar de haver uma hierarquia nefasta, com um grupo de poderosos no controle de praticamente todos setores da mídia, das finanças, da energia, dos alimentos, da construção, da tecnologia, da educação e etc., essas pessoas apenas refletem o que o grosso da humanidade é (nem todos mas muitos): pessoas sedentas de poder, de consumir, de escapar dos temas centrais; pessoas que não tem coragem de conceber um novo modo de vida; pessoas que acreditam nessa estrutura, mas ao mesmo tempo vivem criticando os eventos insalubres e amargos de sua vida pessoal, de sua família, de seu grupo. 

Percebam a insanidade do indivíduo: através de gestos, atos, indiretas e planos de vida ele demonstra que detesta o mundo. Ao mesmo tempo, quando apresenta-se as soluções para o mesmo, de forma clara, sincera e coerente, ele vira as costas e ignora. Ou pior: zomba, ataca e rompe laços com aquele que oferece o roteiro para a solução. Essa contradição interna está corroendo a humanidade e não poderá se sustentar por muito tempo. A crise financeira de 2008 foi um prelúdio: ela demonstrou a insustentabilidade de um sistema financeiro meramente virtual; uma economia sem vínculos com  a realidade, com a produção, com o desenvolvimento, ou seja, financeirização da economia. E a pandemia de 2020 é apenas a continuação dessa contradição humana. Ela apresenta outro defeito humano: invadimos ecossistemas sem nos preocuparmos com a quebra de relações de equilíbrios entre as espécies, sejam elas animal-animal, vegetal-animal, vírus-animal, etc. Relações dos mais diversos tipos, que se construíram ao longo de milhões de anos. Uma maturação lenta e sábia, visando trazer à luz um ambiente saudável e propício para o convívio. 

Fig. 2: O Cristo cósmico dentro de nós deseja nascer. O retorno do Cristo

não será o retorno de um homem, mas o nascer de uma nova consciência.

Fonte: analogicus.
 

As doenças sempre estiveram presentes, incubadas, em estado de germe. É energia potencial - energia que não se manifesta no mundo macroscópico, mas está lá, com toda sua capacidade, esperando por um evento específico que a libere. Essa energia começa a se mover em trajetórias abertas, para todos os lados, assim que é liberada. Ganha movimento macroscópico. Se torna energia cinética. Essa é a analogia entre o mundo complexo dos ecossistemas e a física elementar. Nossa atividade econômica interfere onde não deveria. Não pensou nas consequências. Mas ela é apenas um produto da mente coletiva - que deseja consumir mais coisas, mesmo que desnecessariamente, apenas para viver de novidades.

Nós estamos doentes e não é por causa do vírus. Essa pandemia é apenas um alerta inicial do que está por vir. Porque de nada adianta vacinar velozmente, pesquisar novas vacinas, conter variantes, fazer isolamento, usar máscaras se toda a lógica de "desenvolvimento" econômico permanecer inalterada. Virão outras. Cada vez piores. E o capitalismo tenta inovar, criar novas soluções. Sempre foi assim. Mas esse ciclo se esgota e chega em seus dias finais: é preciso fazer mudanças profundas.

É um paradoxo: as pessoas apenas fariam uma verdadeira revolução para um mundo melhor se elas tivessem consciência profunda. Mas se elas fossem detentoras desse grau de consciência, elas jamais teriam permitido as coisas chegarem a esse ponto. Isto é, o (anti-)sistema ter se desenvolvido dessa forma, com uma estrutura hierárquica desigual e deletéria; uma vida sem valores e repleta de aparências; uma vida em que para se conseguir o mínimo indispensável para sobreviver demanda a prostituição dos valores mais queridos, do precioso tempo e das energias vitais. Toda criatividade morre numa jornada sem sentido e imbecil, que produz muito mais problemas do que soluções.

Não se enganem: o caminho é a revolução. Mas antes, deve haver um despertar interior.  Mas eu sinto que o tempo passa e a ação é muito lenta. Em resumo: quando o ser se recusa a seguir a lei, a lei toma o controle e começa a agir. 

Esse agir é dor. Por quê? Porque há muito tempo fazemos as coisas do jeito errado. Há muito tempo capengamos na evolução. Estamos sendo teimosos muito além da conta. E portanto devemos pagar o preço. Pelo bem do Universo, do planeta, e de nós mesmos...

Ou seja, todas as catástrofes que esparramam pelo mundo são apenas a resultante da inércia ou involução da sociedade. E o Brasil parece querer tomar a dianteira desse processo. 

Fig. 3: Estamos passando da mentalidade de expansão inconsciente para a mentalidade de seletividade consciente. Selecionaremos melhor tudo para nossas vidas. E isso nos fará verdadeiramente plenos por dentro e por fora.

Futuramente posso entrar em particularidades. Mas apenas para dar uma visão clara, aí vai:

Baixa consciência = ignorância = falta de visão 

Falta da visão é ansiar o alto mas gozar e defender o baixo, o que leva a paradoxos internos que se combinam, formando um paradoxo sistêmico.

Pegue as eleições de 2018: um candidato demonstrava claramente inaptidão para o cargo; o outro (apesar de críticas que possam surgir) demonstrava responsabilidade e competência. O inapto ganha. Por que? Porque as pessoas, no geral, queriam mudança. E de fato houve mudança. O que foi prometido é um mundo paradoxal. Um mundo em que se retiram os meios de vida e se promete o progresso humano. 

É melhor permanecer num continuísmo firme e ordenado do que numa mudança profunda e destruidora. 

Mas, por outro lado, esse continuísmo firme e ordenado estava sufocando as pessoas. Elas queriam dar o próximo passo; entrar num novo patamar; melhorar de vida além do sentido material: queriam melhorias intangíveis. No entanto, não faziam a menor ideia de como isso deveria se dar. Resultado: apoiam qualquer pessoa que grite alto "mudança!". Caíram na ilusão e sofrem as consequências. 

Há momentos em que as pessoas devem se unificar em torno daquela alternativa que é mais civilizada, e a partir dela, continuar a luta, colocando contra a parede essa alternativa civilizada com sua mobilização consciente, dizendo: 

"queremos mais que trabalho - queremos jornadas menores e trabalhos elevados"

"queremos mais que comida - queremos eliminar as causas da fome e alimentos orgânicos"

"queremos mais que bens - queremos bens eficientes, baratos e funcionais, que durem"

"queremos mais que carros - queremos viver uma vida que não dependa de carros"

"queremos mais que dinheiro - queremos um mundo que opere na base de recursos"

"queremos mais que instrução - queremos conscientização e vivência"

"queremos mais que planos de saúde - queremos um sistema de saúde que nos torne independente dos planos de saúde mafiosos" 

"queremos mais que entretenimento - queremos lazer que aponte para cultura. cultura que desemboque em espiritualização"

Queremos tão mais que os melhores nos oferecem que isso até assombra a nossa psique. Uma psique habituada a viver de modo limitado por tantos milênios...

Isso não foi feito na eleição de 2018...

Percebam: a "alternativa civilizada" não é a solução final. Muito longe disso: ela é apenas o primeiro de uma série de passos a ser dado para construirmos um país (e planeta) verdadeiramente civilizado.

Construir um mundo melhor, uma nação realmente inovadora, desenvolvida, em progresso, é uma cadeia de processos na qual cada etapa é vivenciada plenamente; na qual o caminhar é consciente e todos dialogam, aceitando o novo, mesmo que abstrato.

Mas...não estamos nesse caminho. Essa visão apresentada aqui é partilhada por uma ínfima minoria. 

Veremos mais à frente quem estava certo: a ínfima minoria ou a esmagadora maioria...

Concluindo:

Existe uma hierarquia de culpas que atinge até mesmo aqueles que mais combatem essa loucura. Porque apesar de tudo, raríssimos são aqueles que veem os problemas de forma integrada. Essa visão parcial - mesmo que mais abrangente - peca por omitir um pequeno saber, uma experiência vital, uma técnica, um autor, uma perspectiva. O próprio desenvolvimento dos eventos atesta isso: microbiologistas inicialmente apolíticos começam a tomar postura política, revelando que não se soluciona o problema sanitário sem combater nesse campo; algumas pessoas (raros) no campo da revolução percebem que  um ser humano inconsciente não permitirá o nascimento e permanência de um sistema social mais justo e eficiente; materialistas percebem que a ciência não avançará sem a incorporação do espírito e suas realidade; cosmólogos reencontram a necessidade de proferir a palavra "Deus" (nem que com outros nomes) para dar coerência ao seu castelo conceitual; e todos esses e outros, em múltiplas combinações, começam a tangenciar aspectos das realidades dos outros grupos. Realidades ignoradas por séculos.

Nossa era clama por integração. Somente ela forjará seres conscientes. É preciso ser integral na visão, no pensamento, nos sentimentos e na vivência.

Se as pessoas não despertarem a Lei tomará conta do processo evolutivo.

Como crianças que não aprenderam a usar as ferramentas dadas, teremos o remédio amargo para nos corrigir e evitar que causemos mais mal a nós e ao mundo.

A humanidade irá evoluir, não se preocupem. 

Por bem (ela despertar) ou por mal (a Lei atuar). 

Infelizmente estamos optando por evoluir da pior maneira...

segunda-feira, 15 de março de 2021

Sobre genialidade, aceitação e assimilação

"Em vosso mundo impera a mediocridade, muito distante dos cimos; ela é a medida das coisas, ela faz sua ética e sua tábua de valores. Só uma verdade medíocre, próxima da natureza animal, pode ter rápido sucesso, porque é acessível."

AGS, Cap. 83 (grifos meus)

Às vezes, nessas longas noites de pandemia, num país desolado, repleto de inconsciência manifesta e potencialidade submersa, encontro coisas curiosas no YouTube. Algumas delas, realmente intrigantes, me levam a fazer uma breve pesquisa. Fico conhecendo história de pessoas fantásticas: seres realmente formidáveis, fora do comum, capazes de alçar a humanidade a um novo patamar. Mas desconhecidas até hoje, e que tiveram uma existência sofrida. Seres incompreendidos, muito (mas muito) acima da média. Basta nos lembrarmos de Blaise Pascal, gênio e santo. E com essas biografias - verdadeiros incêndios de luz, ímpeto de evolução! - acabo por conhecer um pouco melhor grandes almas. Mas também, a estrutura retrógrada de nossa sociedade, em seu atual nível evolutivo. E penso: é preciso evoluirmos...

"Em vosso mundo o triunfo parte do pressuposto da compreensão; cada êxito, para ser rápido, tem que conter afirmações medíocres: o aplauso das multidões é amplo e rápido em razão inversa do valor."

Idem (grifos meus)

Métodos superficiais obtêm resultados rápidos. Prazer e contentamento. Estímulo. No entanto, esses resultados (rápidos) clamam por um esforço perpétuo. Caso contrário a queda será dolorosa e o gosto da vitória passada ficará cada vez mais amargo. Esse esforço aponta numa direção: cada vez mais quantidade, menos qualidade; não pensar nos porquês; refletir o mínimo possível; buscar mais parecer do que ser. É como um chicote interno que bate sempre que a pessoa não atinge o desempenho exterior requisitado. 

Nosso mundo é baseado no número (quantidades). Mesmo pessoas bem intencionadas, que batalham pela sociedade, valorizam o ser humano e apontam caminhos, estão presas às quantidades. Buscam evitar colocar - a todo custo -  no banco dos réus o ser humano e a sociedade. E assim acabam deixando de explicar para aqueles que deseja ajudar a causa mais profunda do problema de todos nós: o (ainda) baixo grau de consciência da imensa maioria da humanidade.

Fig.1: O órgão deve ser capaz de expressar a potencialidade do espírito.

O sistema deve ser capaz de albergar a potencialidade dos gênios.

Aprendi com a vida que não podemos temer seguir nossa consciência. Mesmo que isso vá colocar todos contra você. Mesmo que você perca a saúde, o emprego, as amizades (falsas no fundo), o status social e até a vida. Experiências concretas me levam a uma visão de mundo cada vez mais certa nesse sentido: é preciso sempre ir à fundo, buscando uma explicação mais completa e coerente

Mas eu não estou aqui para falar de mim.

"Por isso, é da Lei que o caminho do gênio seja de solidão e de martírio e não haja compensação humana alguma, para quem realiza os maiores trabalhos da vida."

Idem (grifos meus)

é triste imaginar a vida de pobreza, desprezo, dificuldades e sofrimentos de dezenas de pessoas geniais - e às vezes, além disso, santas. William Wilberforce, Blaise Pascal, Hipatia, Spinoza, Galileu, Sócrates, Beethoven, Van Gogh, Arquimedes, Mozart, Galois,...há muitos outros e outras. Todos tiveram sofrimento de algum tipo. O mundo, como era (e ainda é) não poderia dar sossego. Não poderia permitir que essas almas desabrochassem, regando o mundo com nova luz. Cristo é o exemplo máximo. Exemplo nos dois sentidos: como devemos ser e como o mundo desvaloriza mensagens do Alto.

Nos últimos dias posso colocar mais um desses gênios na lista. Só que esse gênio não pôde, como todos outros acima, produzir à todo vapor o que tinha para produzir. Um mundo excessivamente fissurado com o utilitarismo da genialidade acabou por afugentá-la. Se você já assistiu o filme Energia Pura (Powder, 1995), é possível ter uma ideia do que irei apresentar.

O homem da figura abaixo é William Sidis. Ele viveu de 1898 a 1944, uma breve vida de 46 anos. Essa vida não foi adequadamente aproveitada (no bom sentido) pelo mundo, e com isso a humanidade retarda seu passo evolutivo rumo a uma superhumanidade. 

Um gênio entre nós: a triste história de William James 

Fig.2: William James Sidi. Um homem genial e (mais importante) corajoso.

A partir dos sentimentos desse homem podemos ter uma ideia como as hodiernas relações sociais, em sua esmagadora maioria, mais atrapalha do que viabiliza a construção do progresso. 

“Quero viver uma vida perfeita.  A única maneira de fazer isso é através do isolamento, da solidão. Sempre odiei multidões.”
-William James Sidis-

A sociabilidade é útil apenas entre aqueles situados num mesmo plano evolutivo - ou próximos a ele, com uma margem de tolerância. A partir do momento em que há uma distância evolutiva muito grande (entenda-se sensibilidade, tensão psíquica, percepção, visão), esse contato tende a anular aquele que está à frente dos tempos, forçando uma adequação sem sentido. Não se respeita a genialidade por não se perceber sua função evolutiva.

Perceba: uma conversa que possibilita nova compreensão, troca de afetos, um aprofundamento em certos temas, envolve poucos elementos. Isso é um fato, não minha vontade. São verdadeiras trocas de ideias, experiências e sentimentos entre casais, amigos, familiares. Quando começam a surgir outros conhecidos, inicia-se o desmonte daquela corrente de pensamentos mais elevada, com reflexões profundas. E daí perde-se toda a potencialidade do contato. Nivela-se por baixo. 

Quanto maior o número, menor a possibilidade de se sair daí algo verdadeiramente diferente. Um pequeno delta substancial. Um conceito, uma ideia, um modo de vida, um atitude, que pode mudar o mundo. Porque muitos ainda não são capazes de tratar de modo contínuo, de forma séria, esses tipos de questões. Questões envolvendo nossas origens e destino; tratando da natureza das coisas; questões envolvendo sínteses e resolução efetiva de problemas. 

Para a imensa maioria da humanidade, assuntos mais elevados - que quase todos reconhecem como importantíssimos para o progresso humano e do planeta - são tratados, no melhor dos casos, como uma conversa gostosa. Um momento cultural, interessante, raro e portanto especial. Mas assim que surgem as "coisas importantes", as obrigações e boletos e burocracias e empregos destituídos de sentidos e as emergências (causadas pela inconsciência humana), larga-se tudo. De modo que jamais é possível iniciar e sustentar por tempo suficiente uma interação que vise a transformação do ser humano e do mundo.  

Esses assuntos na verdade deveriam ter prioridade máxima em nossas vidas. Antes de tudo, a orientação suprema, as causas profundas e a sinceridade de intenções. Depois, aplicar os princípios na vida cotidiana. Em cada gesto. Não fazemos isso. E não o fazendo, vacilamos. E isso coloca em risco o nosso progresso. Progresso que poderia se dar em poucas décadas - mas que pode demorar milênios...

Dá para ter uma ideia do mal que estamos causando em nós mesmos quando começamos a levar a sério essas questões.

Bom...eu falei tudo isso porque essa visão se relaciona profundamente com o fenômeno de descida dos ideais descrito magistralmente por Ubaldi em sua obra. Dentre um dos aspectos desse fenômenos, temos a vida de James Sidi.

Como toda luz que passa por este mundo de expiações e provas, a vida de Sidi deve ser analisada com cuidado, pois muita ficção foi misturada à realidade. É nossa incapacidade de compreender que gera exageros onde não se deve e se suprime preciosidades. A vida desse homem foi bastante cruel e, ao mesmo tempo, interessantíssima do ponto de vista psicológico. Através desse ser genial, inclinado para o bem e dotado de uma mente fantástica, acabamos por conhecer muito mais a nossa miséria intelectual, afetiva e espiritual do que propriamente o gênio cujo QI superava os 250 pontos.

Vamos a alguns fatos de sua infância:

1) William nunca teve uma infância. Desde o início, devido à sua genialidade, nunca pôde experimentar o mundo no ritmo que lhe era conveniente: os pais, percebendo que aos 18 meses o filho já era capaz de ler o New York Times, começaram um processo de enquadramento visando extrair o máximo possível da criança. Ou seja, fazer ele ser o máximo que poderia, segundo o ponto de vista humano. Presos ao tempo, eles não poderiam perder tempo. E com isso alteraram o ritmo natural do desenvolvimento fenomênico de um gênio de boa índole;

2) Falava nove idiomas aos 8 anos. Tinha imensa facilidade em absorvê-los. AO longo da vida aprendeu outros. Era fluente em todos, dominando detalhes e nuances, se expressando de forma elegante e clara. Tanto ansiava por buscar uma ponte de comunicação com seus semelhantes que criou um idioma próprio (o Vendergood), elogiado pela comunidade acadêmica;

3) Aceito em Harvard aos 11 anos, logo começou a dar aulas aos seus professores. Com 12 anos deu sua primeira palestra sobre a quarta dimensão frente à comunidade científica e imprensa.

Dá para ter uma ideia do sujeito.

Vamos ao ambiente em que ele veio.

Seus pais queriam um gênio e seguiram um roteiro para que isso se concretizasse. Só se esqueceram de educar a mente de William para o coração e as emoções. Daí se percebe que haveria um desenvolvimento verdadeiramente efetivo.

Sua biógrafa, Amy Wallace, nos revela que Sidis foi provocado e humilhado por sua honestidade. Ele declarou que não acreditava em Deus, que admirava a forma de governo socialista e que muitos dos problemas do mundo poderiam ser rastreados até ao capitalismo.

Gostaria de me deter um pouco no último parágrafo:

É fato que Sidis, tendo vivido até 1944, não pôde conhecer a obra de Ubaldi, com uma visão inédita sobre Deus e o Universo. De modo que esse Deus que ele negava provavelmente era o Deus que lhe foi apresentado: um Deus diminuído em sua onipotência; invisível em sua onipresença e limitado em sua onisciência. Era um Deus monoteísta, antropomórfico. Para uma mente elevadíssima, seria necessário apresentar um conceito mais avançado de Deus. Um conceito fidedigno da mente que deseja subir ao Alto.

Sua visão sistêmica do mundo antecede em muito as análises de muitos pensadores. Sua conclusões (o capitalismo é fonte de muitos dos problemas do mundo) se tornam mais visíveis à medida que adentramos no século XXI. É evidente que esse modo de produção, distribuição e consumo não atende mais os anseios humanos. Não basta desenvolver vacinas - é mister eliminar as causas dos vírus; não basta distribuir bens e serviços - é necessário igualmente distribuir conhecimento e tempo.

É muito interessante perceber que o homem mais inteligente do mundo, dotado de senso moral acima da média, simpatizava com o socialismo.

Muitos podem argumentar que ele poderia ter outra visão baseado nas experiências posteriores (stalinismo, maoísmo, etc.). Mas o fato é que as implementações subsequentes no século XX não fizeram jus ao princípio. E o que importa é o princípio (socialista). Já discorri de forma extensa sobre essa questão, em outros ensaios. Esse não é o foco presente. Aqueles que desejarem saber mais à fundo encontrarão explicações em textos passados e sobretudo no grande jurista Alysson Mascaro

Voltemos ao William..

Ele foi preso por perceber os princípios que, não fosse o egoísmo humano, poderiam revolucionar a organização sistêmica do modo de produção, distribuição e consumo; ele escreveu sobre os mais variados temas, como astrofísica, geologia, economia, engenharia civil e veicular, psicologia, política, história, entre outros. Suas produções eram anônimas, pois a fama lhe impunha uma pressão insana por parte do mundo.

O mundo, reino do AS, anseia por enquadrar o formidável rol de gênios, heróis, santos e místicos em suas caixas especiais. Enquadrar pode estragar. E quem perde (humanidade) "produto" valioso (Sidis) pode estar se matando a si mesmo - pois o "produto" está muito mais vivo no reino do eterno e infinito, reino do espírito e da compreensão, do amor e da graça.

Ocupando empregos medíocres e mal remunerados, Sidi teve de se esconder para não sofrer humilhações. O mundo queria um gênio em seus moldes - não queria um gênio que transformasse o íntimo do homem. E graças a isso matou o que poderia ajudar em sua ascensão. 

Mas como todo gênio e homem bom, Sidis continuou suas produções, escrevendo no recanto de seus minúsculos cômodos ou na prisão (quando esteve preso por 18 meses). Só queria transbordar um pouco do infinito que carregava dentro de si para. Era sua natureza e condição. 

William não queria ser exposto, queria gerar valores e conceitos.

O mundo tem uma sociabilidade doentia que degenera em insensibilidade social. A maioria dos seres humanos deseja estar rodeado de gente, ir para as multidões, intercambiar superficialmente; deseja barulhos e novidades; criticar e gritar; dar cliques e receber likes; desejam várias coisas com um verniz de virtude. Mas nas essência não há interesse pela essência dos fenômenos. Isso irá mudar à medida que evolvermos.

A biógrafa de Sidi afirmava que ele tinha aversão a relações sexuais e nunca iria se casar. Será que isso simplesmente não apontava para o fato de que a imensa maioria dos relacionamentos neste planeta estão presos a interesses? Mesmo que esses interesses sejam elevados (sáttvicos), que foquem numa característica virtuosa, não deixam de ser interesse - e com isso tratar a relação como intercâmbio ou possessão de objetos. É preciso saber o porquê de uma pessoa como W.J. Sidi adotar posturas tão fortes em relação às coisas mais naturais do mundo. 

Essas almas polímatas geniais, ardentes, com ímpeto por criações verdadeiras, descobertas na ciência, no pensamento, em todos campos, não são compreendidas por nós, criaturas ainda muito abaixo delas. A sociedade tenta enquadrá-las num espaço de atuação que julga imenso - mas que no fundo é restrito, sufocando pessoas como Sidis. Não compreendemos, por mais que raciocinemos, pois a compreensão vem de outra região...

 

 Fig. 3: A patologia pode ser sinal de grandeza espiritual.

"A compreensão não é obra de cultura ou de raciocínio, mas sim um amadurecimento que se alcança por evolução" 

AGS, Cap.83

No final das contas, William queria dar uma contribuição além daquela que o mundo esperava. E isso o matou. Nosso baixo grau evolutivo o matou. Sua família, sua sociedade, nossa sociedade, nossa forma mental..

Assim como Cristo se lançou como um raio de luz rumo ao S assim que cumpriu sua missão suprema, as grandes almas, nessa esteira evolutiva que culmina no cristo cósmico, deixam este mundo com muita alegria. Nós demoramos séculos ou milênios ou mais para assimilar suas visões e formas de vida. Mas isso não é grave. O que nos coloca em dívida é o modo como tratamos gente desse tipo. 


"O gênio está sozinho em seus amplíssimos horizontes. Suas relações sociais não são de compreensão, mas sim de fadiga e, muitas vezes, de perseguição. Interiormente, ele já alcançou seu propósito e sabe disso. Seu olhar penetra a íntima causalidade fenomênica, ultrapassando o fracionamento da realidade entre as barreiras de espaço e de tempo, na estase suprema do espírito, que repousa na visão global do todo."

AGS, Cap. 83 

 

Referências:

[1] https://amenteemaravilhosa.com.br/william-james-sidis/

[2] Ubaldi, Pietro. A Grande Síntese 

[3] https://universoracionalista.org/um-genio-entre-nos-a-triste-historia-de-william-james/