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quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O direito de exercer o dever

"Estes livros querem salvar o que pode ser salvo. Mas que podemos oferecer senão conceitos e avisos? Sozinhos, eles não podem ter poder decisivo para refazer o mundo. Seria loucura imaginá-lo. Então a sua maior força não reside apenas nos argumentos escritos, porque o mundo está habituado a zombar dos sermões há muito tempo, como zomba de todas as religiões, do Evangelho e de Deus. A força destes livros, então, baseia-se nos acontecimentos que Deus prepara, aos quais o homem não poderá resistir e dos quais não poderá escapar; acontecimentos históricos que liquidarão o nosso mundo apodrecido, como foi liquidado o império romano. Quando isto tiver ocorrido, os elementos negativos da humanidade, contraproducentes para a evolução, terão sido todos afastados, assim como, pela mesma lei, ocorreu no pequeno episódio narrado."

Evolução e  Evangelho, Cap. VI - Pietro Ubaldi (grifos meus)

Fig.1: Quando encontramos o sentido de nossa existência terrena, percebemos a natureza de nossa essência divina.
Aquele que vislumbra o íntimo funcionamento do cosmos se sente no dever de expor essa visão.

Toda a vida de Ubaldi pode ser sintetizada no ser que ele é. Trata-se de sua essência. Observando à fundo a vida desse modesto professor ginasial, proveniente de família riquíssima, cheia de posses, que no entanto se fez pobre, vamos tomando ideia do que significa o fenômeno da ascese mística. Em Pietro o fenômeno da sublimação se torna uma realidade - visível apenas para quem tem olhos para ver. E naturalmente, toda essa sua natureza ímpar acabou por se transbordar numa obra - igualmente ímpar. De modo que não é possível separar a vida da obra, pois esta é a sistematização daquela - enquanto aquela é a vivência integral desta. 

Qual é o meu dever?

Todos deveriam fazer essa pergunta no recôndito de sua mente, na tranquilidade de seu lar...

Dever significa que a pessoa tem algo a cumprir, seja difundir uma informação ou uma ideia; executar uma obra; transmitir através do exemplo; sistematizar um conceito; poetizar uma objetividade; ou tornar lógica uma subjetividade. Isso é realizado naturalmente, de modo inconsciente, pela grande maioria. Para aqueles que já enxergam uma realidade mais profunda, esses deveres vão adquirindo um contorno mais claro, consciente. Passa-se a desejar cumprir uma tarefa...um plano de vida. O destino começa a ser forjado pelo ser.

Tudo posso, nada quero - pois sei que tudo devo.

Somos espíritos provenientes do Criador. Temos o poder de fazer milagres a cada momento. O que nos impede é nosso baixo grau evolutivo. Nossa falta de sintonização (fé) com a Fonte. 

Não quero coisas, pessoas ou contextos diferentes. Porque todos esses são aspectos transitórios, com suas vantagens e desvantagens. Uma vida realmente focada implica numa existência centrada em fazer coisas fantásticas com suas ferramentas e habilidades. Basta a vontade. 

Não querer nada reflete uma forma mental distinta. Significa que quando se ora, no mínimo se agradece - chegando a louvar em momentos de êxtase. Não existe algo como pedir numa verdadeira oração. Trata-se de algo de baixo nível, que reflete um conceito muito limitado de Deus. Mesmo que por motivos nobres (sáttvicos), a oração que pede por algo está presa numa forma mental que deseja algo. Deseja-se algo porque não se sabe que é alguém.

Quem sabe que tudo pode (a realidade interior), nada irá querer (exterior), pois já possui o poder total. E esse poder deve ser usado apenas para uma coisa: retificar a trajetória sinuosa. Ou, em outras palavras: evoluir. Ou ainda: atingir a salvação. Isso não representa um dever, mas O dever.

"As near as I can tell, the only door we have left open to ourselves as a species is a mass-scale awakening. A collective shift out of our unhealthy relationship with mental narrative, and into a healthy one. A relationship with mental narrative where thoughts are no longer believed and identified with but rather used as tools for surviving and thriving."

Fonte: [1]

"Até onde posso dizer, a única saída restante para nós como espécie é um despertar em larga escala. Uma mudança coletiva que nos tire da relação doentia com a narrativa mental e nos leve a uma saudável relação com a mesma. Uma relação com a narrativa mental na qual os pensamentos não são mais objetos de identificação e crença, mas usados como ferramentas para a sobrevivência e a evolução."

Tradução minha.

Despertar significa despertar a consciência. Perceber a realidade mais profunda que dirige a história. Isso implica em perceber as relações ocultas à mente racional-instintiva. Uma mente em que o intelecto é usado para satisfazer os interesses do indivíduo ou do grupo. Porque não se percebe que haveria muito menos atritos, mais compreensão e progresso se as pessoas tivessem o objetivo máximo comum e lutassem por ele, dia-a-dia, em cada ato, gesto e pensamento, construindo uma vida de valor e potência. De sentimento e pensamento - e não de sentimentalismo e argumentos astutos.

À medida que o ser evolui, cresce o senso de dever. Esse senso se torna prática buscada conscientemente. Mais adiante, essa prática retroalimenta e chega-se a um estado em que não mais se planeja ou calcula visando o progresso, mas o ser se lança destemido rumo a metas elevadas, às vezes situadas no inconcebível das massas, tornando todos os meios auxiliares de ascensão, gerando uma vontade insana que se plasma num vórtice de atividades que começam a formar uma orquestra gloriosa que preludia o lançamento de uma alma rumo ao alto. Alma que arrasta outras, formando seus vórtices de pensamento e paixão. Fragmentos de pensamento e de paixão no mar infinito de um Universo - que se torna finito. 

"You can't have change without a mass-scale people's movement. You can't have a mass-scale people's movement without neutering the propaganda engine designed to prevent it. You can't neuter the propaganda engine without a mass-scale awakening from humanity's unwholesome relationship with thought." 
Fonte: idem.

"Você não consegue ter mudança sem um movimento em larga escala de pessoas. Você não consegue ter um movimento em larga-escala sem neutralizar a máquina de propaganda projetada para impedir esse movimento. Você não consegue neutralizar a máquina de propaganda sem um despertar em larga escala da humanidade sobre sua relação com seu pensamento fragmentado."
Tradução minha.

Compreende? Reforma íntima (=despertar) e revolução (=transformação efetiva) são fases distintas de um mesmo processo. 

Parte-se do íntimo (visão da realidade, atitude, forma mental, atos, sonhos, valores) para em seguida chegar-se à transformação massiva das estruturas do mundo (política, economia, urbanismo ,transportes, leis, fontes de energia, educação, saúde, etc.). Essa história de que deve-se focar num ou noutro é apenas uma narrativa que favorece a fragmentação.

Fig.2: O ser humano aspira pela unidade. Entre ele e Deus - e entre ele e seus irmãos.

Precisamos deixar de sermos crianças - conforme Sua Voz afirma com muita propriedade - que lutam por migalhas para nos tornarmos jovens adultos que percebem o quão complexo e interessante é o Universo. Que há abundância na Terra, bastando nos organizarmos de modo inteligente para que todos possamos usufruir dela. Precisamos perceber que o exterior deve refletir o interior - e se esse está iludido, o que se vê é miséria de fome, guerra, brigas, guerras, separações, doença e coisas do tipo. E que o interior deve assimilar o exterior - e se esse está miserável, o que se vê no íntimo é miséria de pensamento, de sentimento e de vontade.

Eu repito: separar é do AS - unificar é do S.

A fala "não se deve tratar de X aqui em Y (ou por quem pensa Y) - e vice-versa" é a mesma história que por muito tempo se contou sobre Ciência e Religião. O que precisamos é tratar a realidade com sinceridade e coragem.

Tudo na civilização contemporânea foi estruturado para dividir assim que alguém comece a ir à fundo. É como uma armadilha que foi meticulosamente estruturada ao longo do tempo. E mantida pelo poder, conscientemente, e pelo povo, inconscientemente. Mas na verdade, manter o estado das coisas revela inconsciência da parte dos chefes e do povo - pois todos perdem com isso no único terreno que importa: o do espírito. Logo, a culpa (=responsabilidade) é de todos.

Existe, é claro, uma hierarquia de responsabilidade: quem mais pode, menos deve querer para si, pois sabe que seu potencial de gerar um movimento coletivo ascensional é grande.

Percebem? Tudo tem uma lógica muito profunda. 

Ao classificar inúmeras coisas e gerar narrativas repetidas aos quatro ventos, imprimimos no inconsciente coletivo (elites inclusas) o que deve ser a verdade. E assim o ser fica afogado num mar de opiniões egoístas, teorias incompletas, ideias fragmentadas e sentimentos explosivos, que usa para se guiar - rumo a um abismo.

Mas essa situação toda foi criada pela sabedoria da Lei. Porque Deus sabe que o único modo de despertar realmente (darmos o salto decisivo) é nos colocar em situação de extremo. Uma situação que nós mesmos, com nosso intelecto astuto em busca do gozo e da distração, nos forjou -e do qual não poderá nos tirar. É como se o próprio demônio dentro de nós estivesse acenando, dizendo: "olha! eu sou ruim no fundo...eu sei disso...eu levo à destruição cara! e se até eu vejo limites em meu reino, você também deve perceber isso...porque, sabe...no fundo o único chefe é DEUS!"

"Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo."
Lucas 10:27.

Amar a Deus é despertar e viver integramente.
Amar ao próximo como a ti mesmo é perceber Deus no outro e a jornada comum da humanidade.

Fig.3: Todos apontam para a mesma realidade monista. É hora de unificar tudo e todos.

Do mesmo modo que matéria e espírito são a mesma substância em formas (completamente) distintas, interior e exterior são aspectos da realidade que devem se coordenar e interagir - para que atingirmos o S do modo mais direto.

Referências:
[1] Caitlin Johnstone. Humanity Has Trolled Itself Into An Awaken-Or-Die Situation.

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