Páginas de meu interesse

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Do pensamento sistêmico à síntese unitária (parte 1)

O pensamento sistêmico é algo inteiramente novo em nossa civilização. Novo em termos de compreensão. Novíssimo em termos de vivência. Mas uma característica instintiva antiga, muito antiga. Algo que desde os primórdios de nossa espécie já era executado de modo inconsciente - e que hoje está sendo sistematizado, organizado e estruturado de tal forma a abordar os problemas que despontam de forma eficaz e eficiente. Trata-se de uma das principais características do Homo Sapiens. Uma qualidade que nos permitiu chegar ao domínio do planeta e, pela primeira vez, traçar nosso próprio destino de destruição ou ascensão.

Fig. 1: Razão e Sentimento; Lógica precisa e Inspiração criativa; Ciência e Arte; Análise e SínteseComo tudo no Universo, o cérebro também apresenta dualidade. Mas os opostos devem colaborar entre si para se auto-reforçarem. Assim o cientista se torna inspirado e expressivo - e o artista se torna científico e lógico.  Figura: https://idosos.com.br/remedios-para-tratar-a-depressao/

Há seres que são usinas de ideias, potência de expressão, caldeirão de criatividade e elevação de sentimento. São os gênios de todos os campos e tipos: artistas, cientistas, inventores, chefes, líderes, místicos, pensadores, heróis. Esses expoentes construíram o seu próprio destino, com exercícios de maturação e experimentação ousada que perpassam os milênios. 

Uma existência não basta. Uma experiência pessoal não é suficiente. Um ponto de vista, insuficiente. É preciso ir além. E para rasgar o véu que estabelece os limites da coragem e da criatividade, imperativo é fazer o melhor uso daquilo que foi dado à nossa espécie - e daquilo que foi árduamente conquistado pelo esforço individual. 

Desde a nossa origem (aprox. 150 mil anos a.C.) até o início da Revolução Agrícola (10.000 a.C.), passamos de um pequeno aglomerados de criaturas fracas e indefesas, sem nenhuma característica que nos permitisse nos afirmar no mundo, na África Central, até uma comunidade espalhada pelos quatro cantos do planeta, dominando as intempéries e as espécies - e destruindo toda forma de vida que ameaçasse diretamente nossa existência. Tamanha eficiência em propagar nossa espécie se deve a algo mais do que o domínio do fogo, de um caminhar erecto ou de processos digestivos mais aptos a fornecerem mais energia ao sistema nervoso - que pôde se desenvolver mais.

Segundo o historiador israelense Yuval N. Harari [1], há 70 mil anos começamos a fazer coisas que nos destacaram muito de nossos semelhantes (do gênero Homo, os Neanderthais e Erectus): inventamos coisas inimagináveis até então que permitiram o início do domínio do planeta. Esse domínio via difusão geográfica seria o primeiro passo para o domínio total (e perigoso) que exercemos nos tempos atuais.

Fig. 2: A expansão do Homo Sapiens pelo globo foi rápida e definitiva. 
O que causou essa proliferação? O que consolidou nossa espécie?
Fonte: [1]

Diz Harari que, entre 70 mil e 30 mil anos atrás, testemunhamos a invenção de lâmpadas a óleo, barcos, flechas, agulhas e diversos aparatos. Os primeiro objetos dignos de serem rotulados de arte surgem nesse período; a estratificação social surge (divisão de classes); o comércio desponta (economia rudimentar); o senso de continuidade da existência após a morte, de um criador, de um poder central, se traduz nos túmulos, nos rituais fúnebres e nas religiões. Estavam sendo fincadas as bases para o surgimento de civilizações. 

A maioria dos pesquisadores explica esses avanços devido ao aumento das habilidades cognitivas. Um aumento que teria sido uma verdadeira revolução: a Revolução Cognitiva, nas palavras de Harari. 

Não se sabe ao certo o que causou essa revolução. Os fatores determinantes continuam um mistério. A antropologia e biologia apontam para um acaso. No entanto, num universo regido por um princípio único que se manifesta através de várias leis, sabemos que o acaso é apenas uma interpretação que damos devido à nossa incapacidade de abarcar um fenômeno em todos seus momentos - da gênese até o desfecho. Logo, existe uma causa. E essa causa reside nos princípios do psiquismo, que rege a evolução das formas.

Em A Grande Síntese é construída a linha de continuidade que estabelece uma íntima relação causal entre psiquismo, função é órgão:

"Também no campo psíquico, a função cria o órgão, que, neste caso, é constituído pelos hábitos e qualidades. Com o constante exercício, surge imperceptivelmente a nova característica, que afinal se estabiliza com nitidez." 

AGS, Cap. LXI 

Então podemos casar o trabalho do historiador israelense (efeitos) com a revelação de Sua Voz, captada por Ubaldi (causa), consolidando o princípio de uma verdadeira Teoria Unificada e Aplicada

"Assim vão sendo gradualmente fixadas as conquistas realizadas pela evolução, que, desenvolvendo seus princípios, distinguindo-os e multiplicando os por diferenciação, opera no mundo dos efeitos uma verdadeira criação. Mas é sempre o absoluto que se manifesta no relativo; a causa única que se multiplica em seus efeitos. Nascerão então órgãos e instintos, novas funções e novas capacidades." 

AGS, Cap. LXI  (grifos meus)

Todo esse princípio que cria funções novas, que se plasmam em órgãos capazes de executá-las, tem uma finalidade. Qual seria ela?

Sabe-se que o homem é um animal social. Essa característica reside em seu âmago, de modo que só podemos buscar explicação para esse fato mergulhando em sua essência. Oras, se naturalmente nos socializamos (de um modo ou de outro, mesmo vivendo isoladamente), isso significa que existe uma necessidade...um ganho com essa associação, em que múltiplos elementos diferenciados criam algo diferente, que traz vantagens gerais para o grupo - e vantagens particulares para cada pessoa. 

Exemplo: pagar impostos. 

Custo: pagar uma quantia de seus rendimentos a uma entidade (Estado) .

Benefícios: financiar serviços de interesse universal (mesmo que alguns não reconheçam); garantir a todos acesso a eles, e com um mínimo de qualidade, de tal modo que a pessoa possa dedicar mais tempo, energia e criatividade em questões mais específicas, potenciando sua qualidade de vida e produtividade no trabalho.

A questão que cada um pode fazer a si mesmo é: Uma sociedade que se pretende desenvolvida pode funcionar sem um sistema de coleta e distribuição ordenada de recursos? Procure exemplos disso na História e ficará claro que se trata de um progresso.

A questão das quantias coletadas de cada segmento, do tipo de distribuição, dos setores a serem priorizados, das variações momentâneas (ex.:época de emergências), é um tópico importante, mas secundário. O ponto aqui é a importância capital da tributação. 

Então nossa sociabilidade permite chegar à criação de um sistema tributário, por exemplo. Que potencia as capacidades do corpo coletivo, primeiramente; e aumenta a qualidade de vida das famílias, posteriormente. A primeira finalidade desse sistema foi financiar guerras; depois, se tornou em possuir domínio econômico e tecnológico; e logo adiante, também controlar setores e a informação. Em meio a esse progredir de astúcia, nasce o senso moral, inicialmente de superfície, de justiça social. A vida do povo começa a ser digna de ser vivida. O século XX, em meio a tantas catástrofes, trouxe em seu seio o os princípios de uma nova civilização. Em pouco tempo a criação dos gênios começa a ser canalizada de forma a trazer mais benefícios coletivos. E assim a humanidade caminha, tornando os caminhos menos árduos, sem sabê-lo.

Voltemos a Harari.

A cooperação é essencial para o crescimento do grupo (quantidade dos membros e qualidade das relações). Mas além disso (e mais importante, segundo Harari), o que nos distingue de todas outras espécies é criarmos histórias de coisas que não existem:

"Muito provavelmente, tanto a teoria da fofoca quanto a teoria do leão perto do rio são válidas. Mas a característica verdadeiramente única da nossa linguagem não é sua capacidade de transmitir informações sobre homens e leões. É a capacidade de transmitir informações sobre coisas que não existem. Até onde sabemos, só os sapiens podem falar sobre tipos e mais tipos de entidades que nunca viram, tocaram ou cheiraram." 

Sapiens: uma breve história da humanidade. Parte 1, Cap. 2. (grifos meus)

 Aqui uma ressalva:

"...que nunca viram, tocaram ou cheiraram" no relativo. No Anti-Sistema. Mas que, do ponto de vista do Absoluto (Sistema), já 'viram', 'tocaram' e 'cheiraram'. E é justamente por essa memória longínqua de um universo ideal, em que todos possuíam uma perfeição (uma perfeição perdida), que nós podemos falar sobre coisas 'inexistentes'.

Nada que não esteja no ser em estado latente (potencial) pode ser realizado (transformado e formado). (ver primeira referência com grifos).

É o ideal que nos move. Sempre foi e sempre será assim. E o ideal é ficção até o momento de realização completa. Por isso é preciso insistir. Mas ideal não é uma fantasia. É uma realidade que está soterrada no âmago do espírito. A fantasia, por outro lado, é um interesse egoísta calcado em sensações transitórias que tende a causar males (câncer, desentendimentos, guerras, crimes, fome, etc.). 

A construção da intersubjetividade é um passo na conquista da dimensão consciência. Todo esse processo de conquista é um lento desenrolar. É uma trajetória de potência crescente, de massas, que arrasta povos e funde-os - inicialmente via guerras e abusos, posteriormente via astúcias econômicas e propagandísticas, até um intercâmbio de conhecimento, com troca de experiências e interação de afetos. É com o homem que desponta a razão que permite interpretar a realidade de um modo completamente diferente, que vai além do mundo sensório, criando ideias no plano extra-físico. E com isso surge a necessidade do uso de símbolos que apontem para essas ideias. É preciso comunicá-las, reordená-las, associá-las, numa linguagem apropriada ao conceito que se capturou, para que haja um dinamismo intenso na interação. Esse oscilar causado por intercâmbios constrói a grande escada ascensional, que nas fases primitivas se dá através de sangue e suor, mas que no futuro se dará através de uma alegre colaboração.

O pensamento sistêmico é, portanto, algo muito antigo. Mas a compreensão dele - sua sistematização e classificação dos diversos aspectos, sua aplicação nos diversos ramos do saber - é algo muito recente: é no século XX que Ludwig von Bertalanffy criou a Teoria Geral de Sistemas. Esse indivíduo começou a perceber a importância de estruturarmos nosso mundo do trabalho e estudos e pesquisa de um modo completamente novo, pautado por uma visão sistêmica das coisas:

"Bertalanffy fez os seus estudos em biologia e interessou-se desde cedo pelos organismos e pelos problemas do crescimento.

Os seus trabalhos iniciais datam dos anos 20 e são sobre a abordagem orgânica. Com efeito, Bertalanffy não concordava com a visão cartesiana do universo. Colocou então uma abordagem orgânica da biologia e tentou fazer aceitar a ideia de que o organismo é um todo maior que a soma das suas partes.

Criticou a visão de que o mundo é dividido em diferentes áreas, como física, química, biologia, psicologia, etc. Ao contrário, sugeria que se deve estudar sistemas globalmente, de forma a envolver todas as suas interdependências, pois cada um dos elementos, ao serem reunidos para constituir uma unidade funcional maior, desenvolvem qualidades que não se encontram em seus componentes isolados."

Fonte: [3] (grifos meus)

A partir desse impulso foram surgindo vários ramos da ciência de sistemas. Esses ramos aplicam, cada um a seu modo, com sua linguagem, metodologia e objetivo, os princípios sistêmicos em seu campo de pesquisa. 

Cada área do conhecimento já possuía em si as evidências que apontavam para os princípios contidos na Teoria Geral de Sistemas. As ferramentas eram adaptáveis a esse contexto maior; os métodos, em sua maioria, poderiam ser aproveitados; o conhecimento de cada especialista, ganhar novo significado. Bastava uma orientação geral, mais vasta, capaz de compreender o fenômeno em seu âmago e a partir de causas profundas extrair uma linha de continuidade até os efeitos. Isso dá ao grupo uma visão mais profunda do que significa o fenômeno que é objeto de pesquisa. Os experimentos passam a ser organizados mais coerentemente. E desperdícios (antes vistos como atos importantíssimos) passam a ser reduzidos - se não eliminados. 

Existe uma classificação dos sistemas que irei abordar, apenas a título de revelar o quão abrangente é o campo:

  • Biológico
  • Anatômico
  • Ecológico
  • Sistemas vivos
  • Sistemas conceptuais
  • Acoplamento humano-ambiente
  • Econômico
  • Energético
  • Informacional
  • Legal
  • Multi-agente
  • Não-linear
  • Operacional
  • Planetário
  • Político
  • Social
  • Etc.

Cada campo possui uma abordagem. Mas todos se norteiam por um princípio. Esse princípio é universal. Ele é portanto de interesse de todos, a todo momento.

O vídeo abaixo, do canal Kurzgesagt – In a Nutshell dá uma ideia central em ciência de sistemas, que é justamente o conceito de emergência - que no título foi muito bem exemplificado como o modo como coisas estúpidas acabam por se tornarem inteligentes se jungidas de uma maneira específica. Trata-se de relação entre as partes.


Compreendido esse tipo de ciência nova podemos facilmente chegar à visão unitária do ser humano e do Universo. 

Basta desenvolver o conceito até suas últimas consequências.

Referências

[1] HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. L&PM Pocket. 2018. 

[2] UBALDI, Pietro. A Grande Síntese. 1937.

[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Ludwig_von_Bertalanffy

Nenhum comentário:

Postar um comentário