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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Apreciar - Reproduzir - Criar: as três fases da vivência musical

A música é uma daquelas artes que toca diretamente na alma. Pergunte a qualquer pessoa que aprecia alguma grande obra - seja jazz, barroco, rock, clássica, folclórica, samba, etc - que a resposta será parecida. "Por que você gosta dessa música, dessa canção?". A pessoa dirá provavelmente que não sabe descrever exatamente o porquê dessa afinidade, mas que ela gosta, gosta. E aí reside um dos mistérios mais agradáveis que continuamos a admirar até hoje.

Dentre todas Artes, a música é aquela cujo objeto de interesse passa diretamente por toda nossa capacidade lógica. A razão não é ainda capaz de compreendê-la. De captá-la. De admirá-la. Isso é um campo capturável pelo sentimento. Mas para conseguir captar essa sensação proporcionada pela música a pessoa deve ser capaz de saber escutar - e não simplesmente ouvir. E para isso existe necessidade de uma boa dose de sensibilidade da alma.

Os gregos afirmavam que para nos desenvolvermos com saúde deveríamos alimentar o corpo e a alma. Para manter aquele são, a ginástica era a recomendação. Para a última, a música. E à medida que uma pessoa vive nesse mundo, vai se dando conta de que essas afirmações tão antigas são atuais e aplicáveis a qualquer sociedade ou indivíduo.

Eu gostaria de discorrer sobre as três fases que uma pessoa pode ter na vivência musical: apreciação, reprodução e criação. A primeira delas - e mais fácil de se atingir - é a apreciação.

Ser capaz de ouvir uma melodia e se emocionar é uma das coisas que caracteriza o ser humano. O seu humor se altera. Você sente vontade de chorar ou de sair pelas ruas pulando. Muitos de nós até ganhamos coragem para tomar atitudes importantes em nossas vidas - ou dar um gás naquele trabalho de faculdade, escola, ou serviço - que acaba desembocando em novas percepções sobre um assunto. Nos sentimos renovados à preço de quase nada. E nossa alegria (se de fundo sincero) é capaz de se transmitir para pessoas (e seres) ao redor de nós. Como uma onda. E para alguns, isso é apenas o início de uma bela aventura.

A segunda fase da vivência musical é a reprodução. Essa etapa é para aquelas pessoas que, além de apreciarem bastante a música, tem vontade de praticarem um pouco uma parte daquilo que vem ouvindo desde a mais tenra idade. No entanto, além de cumprir esse pré-requisito, a pessoa deve ter uma boa dose de tempo, saúde e energia para se dedicar à pratica da música, pois saber tocar um instrumento, mesmo que razoavelmente bem, não é trivial ( apesar de às vezes parecer). Exige muita dedicação e estudo, como qualquer outro ramo do conhecimento.

Schroeder (personagem da série Peanuts)
Quando nos tornamos capazes de reproduzir um pouco das grandes músicas que marcaram gerações, nos sentimos um pouco mais próximos de compreender esse mundo celestial que permeia o Universo. As imensas e inúmeras dificuldades, ao contrário de fatores de empecilho e desânimo, servem como estímulos para sermos cada vez mais e melhores naquilo. Ganhamos humildade. Passamos a gostar mais de certas obras - que antes até desprezávamos - sentindo as dificuldades que grandes pessoas tiveram para criar aquilo. E acredito que essa vontade, se sincera, se mantém ao longo do tempo.

Provavelmente uma pessoa que não tem a música como profissão pode chegar no máximo na segunda fase de vivência. Mas com ela já é possível reconhecer a genialidade daqueles que chegaram na terceira fase (criação). Essa é sem dúvida a cereja do bolo, disponível apenas para aqueles que se entregam de corpo e alma para isso. Essas criaturas devem ter necessariamente passado pelas outras duas fases para serem capazes de começarem o processo de composição.

Da mesma forma que para se escrever bem deve-se ler muitos (livros, artigos, ensaios, etc), para se compor algo deve-se ter escutado - e sentido - muita música.

Existem fenômenos tão simples e ao mesmo tempo capazes de gerar um bem-estar indescritível. É uma riqueza intangível, que não é computada na riqueza de comunidades, culturas e nações. Porque nossa sociedade ainda não conseguiu desenvolver a mecanismos de medição capazes de perceber algo tão sutil e intenso ao mesmo tempo.

Esse é o milagre da música.

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