A música
é uma daquelas artes que toca diretamente na alma. Pergunte a
qualquer pessoa que aprecia alguma grande obra - seja jazz, barroco,
rock, clássica, folclórica, samba, etc - que a resposta será
parecida. "Por que você gosta dessa música, dessa canção?".
A pessoa dirá provavelmente que não sabe descrever exatamente o
porquê dessa afinidade, mas que ela gosta, gosta. E aí reside um
dos mistérios mais agradáveis que continuamos a admirar até hoje.
Dentre
todas Artes, a música é aquela cujo objeto de interesse passa
diretamente por toda nossa capacidade lógica. A razão não é ainda
capaz de compreendê-la. De captá-la. De admirá-la. Isso é um
campo capturável pelo sentimento. Mas para conseguir captar essa
sensação proporcionada pela música a pessoa deve ser capaz de
saber escutar - e não simplesmente ouvir. E para isso existe
necessidade de uma boa dose de sensibilidade da alma.
Os
gregos afirmavam que para nos desenvolvermos com saúde deveríamos
alimentar o corpo e a alma. Para manter aquele são, a ginástica era
a recomendação. Para a última, a música. E à medida que uma
pessoa vive nesse mundo, vai se dando conta de que essas afirmações
tão antigas são atuais e aplicáveis a qualquer sociedade ou
indivíduo.
Eu
gostaria de discorrer sobre as três fases que uma pessoa pode ter na
vivência musical: apreciação, reprodução e criação. A primeira
delas - e mais fácil de se atingir - é a apreciação.
Ser
capaz de ouvir uma melodia e se emocionar é uma das coisas que
caracteriza o ser humano. O seu humor se altera. Você sente vontade
de chorar ou de sair pelas ruas pulando. Muitos de nós até ganhamos
coragem para tomar atitudes importantes em nossas vidas - ou dar um
gás naquele trabalho de faculdade, escola, ou serviço - que acaba
desembocando em novas percepções sobre um assunto. Nos sentimos
renovados à preço de quase nada. E nossa alegria (se de fundo
sincero) é capaz de se transmitir para pessoas (e seres) ao redor de
nós. Como uma onda. E para alguns, isso é apenas o início de uma
bela aventura.
A
segunda fase da vivência musical é a reprodução. Essa etapa é
para aquelas pessoas que, além de apreciarem bastante a música, tem
vontade de praticarem um pouco uma parte daquilo que vem ouvindo
desde a mais tenra idade. No entanto, além de cumprir esse
pré-requisito, a pessoa deve ter uma boa dose de tempo, saúde e
energia para se dedicar à pratica da música, pois saber tocar um
instrumento, mesmo que razoavelmente bem, não é trivial ( apesar de
às vezes parecer). Exige muita dedicação e estudo, como qualquer
outro ramo do conhecimento.
Schroeder (personagem da série Peanuts) |
Quando
nos tornamos capazes de reproduzir um pouco das grandes músicas que
marcaram gerações, nos sentimos um pouco mais próximos de
compreender esse mundo celestial que permeia o Universo. As imensas e
inúmeras dificuldades, ao contrário de fatores de empecilho e
desânimo, servem como estímulos para sermos cada vez mais e
melhores naquilo. Ganhamos humildade. Passamos a gostar mais de
certas obras - que antes até desprezávamos - sentindo as
dificuldades que grandes pessoas tiveram para criar aquilo. E
acredito que essa vontade, se sincera, se mantém ao longo do tempo.
Provavelmente
uma pessoa que não tem a música como profissão pode chegar no
máximo na segunda fase de vivência. Mas com ela já é possível
reconhecer a genialidade daqueles que chegaram na terceira fase
(criação). Essa é sem dúvida a cereja do bolo, disponível apenas
para aqueles que se entregam de corpo e alma para isso. Essas
criaturas devem ter necessariamente passado pelas outras duas fases
para serem capazes de começarem o processo de composição.
Da mesma
forma que para se escrever bem deve-se ler muitos (livros, artigos,
ensaios, etc), para se compor algo deve-se ter escutado - e sentido -
muita música.
Existem
fenômenos tão simples e ao mesmo tempo capazes de gerar um
bem-estar indescritível. É uma riqueza intangível, que não é
computada na riqueza de comunidades, culturas e nações. Porque
nossa sociedade ainda não conseguiu desenvolver a mecanismos de
medição capazes de perceber algo tão sutil e intenso ao mesmo
tempo.
Esse é
o milagre da música.
Incrível!
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