Num dos
capítulos do livro "Elogio do Ócio", de B. Russell,
fala-se sobre economia. Para ser mais específico, sobre o episódio
ocorrido no Tratado de Versalhes, em novembro de 1918, quando os
aliados, encabeçados pela França e a Inglaterra, impuseram uma
dívida de guerra desproporcional e desumana à Alemanha. Um valor
que o país seria incapaz de pagar em menos de um século, e que
comprometeria toda sua economia caso o fizesse. Na verdade, a soma
considerada "justa" impossibilitava o país germânico de
pagar sua dívida.
Tratado de Versalhes (1919) |
Os
aliados, tendo imposto essa dívida sem medir possíveis
conseqüências, e sabendo que os alemães não tinham dinheiro para
pagá-la, aplicaram o seguinte método: para seus inimigos pagarem a
dívida, os banqueiros ingleses e franceses decidiram conceder
empréstimos em dinheiro para o governo alemão, de forma que este
pudesse pagar suas dívidas. Só que - detalhe - como todo financista
sempre deseja ganhar sem produzir nada, decidiram cobrar juros sobre
o valor emprestado, de forma a obter algum ganho com essa política.
O problema é que a Alemanha já não dispunha de dinheiro, de forma
que cobrar juros (relativamente altos) de quem não dispõe de nada,
só tendia a agravar a situação. Existe coisa mais insana do que
isso?
Uma
outra contradição dessa política vingativa estava no
enfraquecimento das indústrias metalúrgicas, siderúrgicas,
mecânicas e químicas aliadas. Como os alemães - além de não ter
dinheiro nem poder pagar os juros - deveriam pagar a qualquer custo
suas dívidas, decidiu-se que eles pagassem em bens industrializados
para os aliados. Isso estimulou a indústria alemã, fazendo com que
ela começasse a gerar empregos e se desenvolvesse. Por outro lado, a
indústria inglesa e francesa se enfraqueceu, já que os bens
manufaturados eram importados de seu inimigo, suprindo toda demanda
de consumo desses países. Resultado: desemprego crescente e
enfraquecimento industrial para os "vencedores", estímulo,
desenvolvimento e emprego para os "perdedores". A Alemanha
passou a exportar, ou seja, ter sua balança comercial com superávit,
enquanto os aliados só importavam, ou seja, adquiriram uma balança
comercial deficitária, se tornando dependentes. Especialmente em
setores estratégicos como a metalurgia e siderurgia. Em suma, o mal
lançado ao outro voltou para a fonte.
As
condições do Tratado de Versalhes eram insanas e só prepararam
terreno para a geração de outro conflito. E enquanto o efeito
econômico - citado anteriormente - gerou um adversário extremamente
forte e preparado para o conflito que viria a seguir; o efeito
psicológico foi igualmente gerado pela mesma causa. O rancor e o
nacionalismo floresceram no povo germânico. Estimulado pelo rancor
dos seus vizinhos. Uma espiral de ódio foi se desenvolvendo. Nesse
ponto eu me pergunto: existe condição mais insana do que aquela
imposta pelo Tratado de Versalhes?
Todo
esse caso famoso da História se encaixa perfeitamente com o discurso
que ecoa nas obras de Pietro Ubaldi, cuja mensagem é: o mal é
agente que se autodestrói a médio e longo prazo. Ao querer impor
condições humilhantes para seus vizinhos, os países europeus se
prejudicaram. Não seria mais sensato impor uma dívida pagável?
É
notável (e triste) perceber que chefes de Estado, industriais e
banqueiros foram incapazes de enxergar os efeitos um palmo à frente
de seus narizes, enquanto as mentes sensatas e sábias, em sua
maioria nas ruas ou em universidades e institutos não fossem sequer
ouvidas, e muito menos tivessem o poder para mudar o desencadeamento
dos fatos.
O que
isso tudo tem a ensinar é que estamos todos interconectados. Se
fazemos algo para alguém - seja a nível de indivíduo, sociedade ou
nação - há uma reação, que com certeza virá para nós. Porque
fenômenos e pessoas estão concatenadas. Como uma rede. Então o que
eu sugiro é que reflitamos profundamente antes de tomar uma atitude
para com os outros. Especialmente a nível global, em que milhões de
pessoas serão afetadas. Mas para isso é mister que exista uma
sociedade cada vez mais aberta para as reflexões "chatas"
e para que os quietos e excluídos e "loucos" tenham mais
espaço para se manifestar.
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