Queremos
estar em paz conosco, mesmo que não reconheçamos isso. Muitos
querem estar em paz com o mundo. Mas para isso é necessário antes
de mais nada estar em paz consigo mesmo. Muitos querem fazer algo
pelo mundo. Mas antes disso é preciso saber o que o mundo quer de
fato - e que a pessoa faz parte dele. Muitos querem muitas coisas -
todos na verdade. Mas poucos conhecem o ambiente em que vivem, nem
fazem questão de conhecê-lo (dá muito trabalho...).
As
pessoas ganham maturidade à medida que vivem e fazem uso consciente
de suas experiências de vida. A sapiência independe de qualquer
vantagem material-orgânica. Uma pessoa pobre do terceiro mundo, com
baixa escolaridade e deficiente pode se revelar mais sábia do que um
diplomado saudável do primeiro mundo. Mesmo que o mundo não perceba
isso. E se percebe, dificilmente reconhecerá. E se reconhecer,
dificilmente fará algo para que essa pessoa ocupe uma posição jus
à sua mentalidade. Porque o mundo é (ainda) assim: aparência e
conveniência. Mudar a forma mental dá muito trabalho...
Quando
nossa mentalidade se expande, abrangendo mais pontos de vista, parece
que o mundo fica menor. A vida parece mais restrita, as
possibilidades de crescimento na horizontalidade da realidade se
enxugam, as conexões afrouxam com a difusão da nova visão, e com
isso nos desorientamos. Sentimos um retrocesso por fora, mas não
somos capazes de retroceder nem um passo interiormente. Tamanha é a
fascinação com o novo universo individual. Nesse ponto a pessoa
sente que ganhou algo intangível, indescritível e sublime. Um novo
estado de consciência. O modo de ver e sentir tudo à sua volta é
completamente diverso - e portanto incompreendido. A pessoa passa a
não ser do mundo e a não saber viver nele. Dor com duração
indefinida.
Quem
descobriu (ou redescobriu) o potencial espiritual em vida orgânica
entra em desacordo com o mundo sem o querer. Quanto mais intensa a
sensação do novo, maior é a tensão entre a pessoa e a sociedade.
O caso extremo é o místico e o santo, seres que atingiram um estado
crístico integral. Seres indiferentes a vaias ou a aplausos. Seres
quase completamente desconectados do mundo material por sentir um
compromisso ascensional na verticalidade espiritual. Estes no entanto
não sabem viver no mundo, apesar de não o condenarem.
Quando
não temos capacidade de viver integralmente uma vida de místico e
ao mesmo tempo o mundo é - em sua maioria - incompatível com a
nossa mentalidade, nos vemos diante de um limbo, que nos preenche de
assombro à medida que percebemos o quão inseridos estamos nele. "E
agora?", nos indagamos cotidianamente. Nos supersaturamos de
questionamentos. Depois, pavor por não encontrar uma resposta
definitiva.
Inicia-se
um novo processo, desta vez de descida ao mundo. Mas não se trata do
inverso da ascensão espiritual (iso é, um simples abandonar dos
valores), e sim de uma adaptação ao meio externo mantendo o
universo interno intacto. O maior dos desafios a ser superado. Como
lidarmos com o mundo, sermos aceitos, termos voz e direitos na
sociedade, e ao mesmo tempo sentirmos e vivermos uma realidade
diversa, incompreendida e estigmatizada? Como conduzir essa batalha
colossal travada em nossa mente? Compreensão, visão de futuro e
simplicidade parece ser a trindade para a manutenção da vida.
Compreender
a limitação da forma mental predominante ajuda o ser a ter a
paciência necessária para não se descontrolar.
Ter
a visão das possibilidades futuras, do vir-a-ser de cada criatura,
ajuda a formar na mente um campo magnético virtuoso que o suportará
nos momentos de insegurança.
Simplicidade
é a postura que evitará o dispêndio de dinheiro e energia
desnecessariamente.
O
equilíbrio dos dois extremos é uma arte.
Chiara "Luce" Badano. Tipo biológico do porvir. |
A
pessoa prestes a ter uma mudança substancial chega na saturação do
materialismo que nega o além. Todos métodos do mundo não a
satisfazem mais. Ela encontra o ideal via sentimento e se identifica.
Via exaustão. E tenta vivê-lo um pouco. Mas até essa
micro-vivência em todas esferas da vida a desgasta. O mundo não
quer saber de métodos de longo prazo; não quer saber de mudança de
comportamento; não quer promessas vazias que exigem fé; não quer
idealismos; não quer ter os instintos reprimidos. Quer resultados
concretos. Desiludido, o ser tenta encontrar alternativas, mas
percebe que da mesma forma que é doloroso seguir adiante, é
inadmissível retroceder. Um impulso foi iniciado, e seus efeitos
irão se manifestar até sua completa exaustão.
Repensa-se
a vida. O passado é interpretado com outros olhos. Os métodos
rápidos tem pouco valor. A observação paciente leva ao escutar
pleno. As palavras são pensadas antes de serem expelidas. Dias,
meses, anos...Dores e aparentes erros. Mas não se consegue adotar
métodos diferentes. Sobretudo quando o mundo é incapaz de apontar
algo de maléfico, afirmando ocasionalmente que trata-se de uma
postura sem resultados práticos. Nada mais. Mas este mesmo mundo
anseia por um conceito que o abale. Uma descida do ideal de forma
suficientemente assimilável e praticável. Ele constantemente a
rejeita por não ser capaz de abraçá-la, mas sempre - em seus meios
mais evolvidos - está disposto a receber novas visões da mesma
realidade.
Sente-se
que está no caminho certo através da atmosfera rarefeita dos
sublimes e sutis gestos e olhares. Gestos discretos que demonstram
muito sem no entanto aparecerem. Medo? Dúvida? Impressão?
Falsidade? Pode ser. Mas a forma mental se plasma, de alguma forma,
microscopicamente. É tão sutil a diferença, a mudança, a
transformação, que apenas uma sensibilidade nervosa-cerebral muito
apurada é capaz de sentir a satisfação da aprovação.
O
maior milagre está nessa sutil transformação do pensamento humano.
Vencer
a si mesmo uma vez para alçar patamares superiores.
E
sofrer com isso.
Vencer
a si mesmo outra vez para evitar a morte.
E
assim alcançar a plenitude da vida.