É incrível como num espaço de 15 anos o cinema
de um país pode deixar de existir como Arte. Ou seja, como algo que
expõe as fraquezas e as forças dos indivíduos. Como algo que nos
faz sonhar, pensar e sentir. Como algo que nos faz observar uma ideia
de outro ponto de vista. E nos emocionar. Tudo isso. E muito mais. E
todas essas sensações podem ser percebidas quando assistimos
“Pleasantville”, do diretor Gary Ross, de 1998 – época em que
o cinema norte-americano ainda brindava a humanidade com obras dignas
de ecoarem pela eternidade.
Trata-se de uma história um tanto
simples e aparentemente banal que, no entanto, trata de um tema muito
profundo de uma forma elegante. Esse tema – você deve estar se
perguntando – é a “perfeição”, tão imaginada naqueles
momentos em que estamos sozinhos, no meio do nosso caos diário. Algo
que imaginamos como a solução para o nosso problema e os de todo
mundo. Algo que não precisa ser corrigido. Algo ideal. Além de toda
nossa realidade. Mas...será que esse “perfeito” que imaginamos
seja Perfeito de fato?
Tendemos a idealizar coisas
completamente opostas à nossa realidade como perfeitas – na
maioria dos casos. Como se tudo presente em nossas vidas fosse
indigno de fazer parte de uma sociedade ideal, sem problemas ou
dores. Mas uma pessoa relativamente experiente e instruída sabe
(relativamente) muito bem que o nosso mundo, apesar de longe do
patamar ideal, tem algumas vantagens que, mesmo sendo poucas, podem
ser substanciais e portanto essenciais para compor uma sociedade
perfeita. Eis a mensagem substancial que “Pleasantville” pretende
nos passar de forma de película agradável e divertida.
David e Jennifer (Tobey Maguire e
Reese Witherspoon) são irmãos que não se dão bem. O rapaz gosta
de um seriado cujo título coincide com o do filme. Esse seriado
retrata um mundo ideal, preto-e-branco, de uma sociedade dos anos 50,
onde tudo é “perfeito”: os homens tem a função fixa (trabalhar
fora por X anos até o dia da aposentadoria, que nunca chega no
seriado porque tudo se repete infinitamente), as mulheres também
(cuidar da casa amorosamente); o colégio tem eficiência máxima,
com alunos bem comportados e aplicados, e as relações entre os
mesmos se dá de forma ordenada, programada, na hora “certa”, do
modo “certo”; nada muda, pois tudo é perfeito – até o clima,
sempre com 22 graus Celsius, ensolarado e...nada mais. Tudo é
“agradável”. Inexistem conflitos. É um mundo estático, que
desconhece a dor e – consequentemente – a evolução.
Numa dada noite, discutindo com sua
irmã, David acaba sendo sugado para esse mundo ideal - junto com sua irmã.
Sem saber como sair desse lugar, acabam sendo obrigados a conviver
com os personagens dessa cidade pacata. Uma tragédia para a moça, e
uma experiência para o moço. Inicialmente. Inicialmente...
Num mundo "perfeito", ordenado inconscientemente. |
A experiência de serem jogados num
mundo perfeito, sem problemas, começa a ser percebida como algo não
tão bom. Porque a “perfeição” tem um custo: os sentimentos são
programados, ou seja, inexistem. E a ausência de conflitos, de
profundidade nos diálogos e nos gestos, na manifestação daquilo
que as pessoas tem, por natureza, armazenadas dentro de si – cada
uma do seu modo – acaba revelando uma imperfeição de magnitude
inimaginável nessa sociedade “perfeita”. E isso só começa a
ser revelado com a chegada desses dois irmãos, vindos de um mundo
“imperfeito”, caótico e desumano.
O que deveria ser uma estadia
tranqüila, sem interferências, acaba se transformando numa
experiência única para todos. Uma escavação é iniciada pelos
nativos. Um desenterrar de emoções e ideias naturais de todo ser
humano. Que estavam sendo mantidas em estado latente. Para tudo se
manter agradável. Mas eis que um outro mundo, com outras
possibilidades, é apresentado aos poucos. Uma mescla se inicia.
“Pleasantville” é um filme que
assisti no cinema quando tinha 13 anos. Na época seria impossível
(ou quase) explicar o sentimento que invadiu minha alma quando saí
da sala de projeção. Não entendia de forma racionalizada a
história. Seria incapaz de dar uma explicação detalhada do que
tudo aquilo queria dizer. Só sabia uma coisa: era um filme
emocionante. Algo dentro de mim estava diferente. Fora mexido. Mesmo
que temporariamente. Mesmo sem ter passado por experiência alguma.
Mesmo sem conhecer em profundidades as grandes questões humanas
(como os relacionamentos, os problemas financeiros, a afetividade, o
amor, o trabalho, os papéis sociais, e etc). Apesar de tudo isso, o
filme consegui passar uma sensação de utilidade que eu só viria a
valorizar e compreender plenamente muitos anos após aquelas imagens
terem passado pela minha retina. E aquela maravilhosa trilha sonora
(puro sentimento!) ter vibrado em meus tímpanos. Uma trilha em
perfeita sintonia com o que os personagens estavam sentindo nos
momentos mais críticos. Pura emoção. Puro cinema.
O mais bonito na história é que
TUDO MUDA com o contato. Não apenas Pleasantville, mas os dois
irmãos, mudam seus pontos de vista e postura diante dos fenômenos
sociais após essa interação. Interação essa inicialmente com
aparência destrutiva. Mas que, com o desenrolar da vivência, se
revela construtiva.
Sinto falta desses filmes
norte-americanos com SUBSTÂNCIA.
Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=nrEAfkY9ods
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