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sexta-feira, 3 de outubro de 2014

PLEASANTVILLE


É incrível como num espaço de 15 anos o cinema de um país pode deixar de existir como Arte. Ou seja, como algo que expõe as fraquezas e as forças dos indivíduos. Como algo que nos faz sonhar, pensar e sentir. Como algo que nos faz observar uma ideia de outro ponto de vista. E nos emocionar. Tudo isso. E muito mais. E todas essas sensações podem ser percebidas quando assistimos “Pleasantville”, do diretor Gary Ross, de 1998 – época em que o cinema norte-americano ainda brindava a humanidade com obras dignas de ecoarem pela eternidade.

Trata-se de uma história um tanto simples e aparentemente banal que, no entanto, trata de um tema muito profundo de uma forma elegante. Esse tema – você deve estar se perguntando – é a “perfeição”, tão imaginada naqueles momentos em que estamos sozinhos, no meio do nosso caos diário. Algo que imaginamos como a solução para o nosso problema e os de todo mundo. Algo que não precisa ser corrigido. Algo ideal. Além de toda nossa realidade. Mas...será que esse “perfeito” que imaginamos seja Perfeito de fato?

Um atendente que encontrou a si mesmo quando o
novo se apresentou de forma destemida.


Tendemos a idealizar coisas completamente opostas à nossa realidade como perfeitas – na maioria dos casos. Como se tudo presente em nossas vidas fosse indigno de fazer parte de uma sociedade ideal, sem problemas ou dores. Mas uma pessoa relativamente experiente e instruída sabe (relativamente) muito bem que o nosso mundo, apesar de longe do patamar ideal, tem algumas vantagens que, mesmo sendo poucas, podem ser substanciais e portanto essenciais para compor uma sociedade perfeita. Eis a mensagem substancial que “Pleasantville” pretende nos passar de forma de película agradável e divertida.


David e Jennifer (Tobey Maguire e Reese Witherspoon) são irmãos que não se dão bem. O rapaz gosta de um seriado cujo título coincide com o do filme. Esse seriado retrata um mundo ideal, preto-e-branco, de uma sociedade dos anos 50, onde tudo é “perfeito”: os homens tem a função fixa (trabalhar fora por X anos até o dia da aposentadoria, que nunca chega no seriado porque tudo se repete infinitamente), as mulheres também (cuidar da casa amorosamente); o colégio tem eficiência máxima, com alunos bem comportados e aplicados, e as relações entre os mesmos se dá de forma ordenada, programada, na hora “certa”, do modo “certo”; nada muda, pois tudo é perfeito – até o clima, sempre com 22 graus Celsius, ensolarado e...nada mais. Tudo é “agradável”. Inexistem conflitos. É um mundo estático, que desconhece a dor e – consequentemente – a evolução.

Numa dada noite, discutindo com sua irmã, David acaba sendo sugado para esse mundo ideal - junto com sua irmã. Sem saber como sair desse lugar, acabam sendo obrigados a conviver com os personagens dessa cidade pacata. Uma tragédia para a moça, e uma experiência para o moço. Inicialmente. Inicialmente...
Num mundo "perfeito", ordenado inconscientemente.

A experiência de serem jogados num mundo perfeito, sem problemas, começa a ser percebida como algo não tão bom. Porque a “perfeição” tem um custo: os sentimentos são programados, ou seja, inexistem. E a ausência de conflitos, de profundidade nos diálogos e nos gestos, na manifestação daquilo que as pessoas tem, por natureza, armazenadas dentro de si – cada uma do seu modo – acaba revelando uma imperfeição de magnitude inimaginável nessa sociedade “perfeita”. E isso só começa a ser revelado com a chegada desses dois irmãos, vindos de um mundo “imperfeito”, caótico e desumano.

O que deveria ser uma estadia tranqüila, sem interferências, acaba se transformando numa experiência única para todos. Uma escavação é iniciada pelos nativos. Um desenterrar de emoções e ideias naturais de todo ser humano. Que estavam sendo mantidas em estado latente. Para tudo se manter agradável. Mas eis que um outro mundo, com outras possibilidades, é apresentado aos poucos. Uma mescla se inicia.

“Pleasantville” é um filme que assisti no cinema quando tinha 13 anos. Na época seria impossível (ou quase) explicar o sentimento que invadiu minha alma quando saí da sala de projeção. Não entendia de forma racionalizada a história. Seria incapaz de dar uma explicação detalhada do que tudo aquilo queria dizer. Só sabia uma coisa: era um filme emocionante. Algo dentro de mim estava diferente. Fora mexido. Mesmo que temporariamente. Mesmo sem ter passado por experiência alguma. Mesmo sem conhecer em profundidades as grandes questões humanas (como os relacionamentos, os problemas financeiros, a afetividade, o amor, o trabalho, os papéis sociais, e etc). Apesar de tudo isso, o filme consegui passar uma sensação de utilidade que eu só viria a valorizar e compreender plenamente muitos anos após aquelas imagens terem passado pela minha retina. E aquela maravilhosa trilha sonora (puro sentimento!) ter vibrado em meus tímpanos. Uma trilha em perfeita sintonia com o que os personagens estavam sentindo nos momentos mais críticos. Pura emoção. Puro cinema.

O mais bonito na história é que TUDO MUDA com o contato. Não apenas Pleasantville, mas os dois irmãos, mudam seus pontos de vista e postura diante dos fenômenos sociais após essa interação. Interação essa inicialmente com aparência destrutiva. Mas que, com o desenrolar da vivência, se revela construtiva.

Sinto falta desses filmes norte-americanos com SUBSTÂNCIA. 

Trailer:    https://www.youtube.com/watch?v=nrEAfkY9ods

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