Uma das
coisas mais interessantes que existe é envelhecer - com saúde,
claro. A passagem do tempo em nossas vidas pode servir como meio de
rever nossos conceitos e até nos conduzir a outros caminhos.
Caminhos nunca planejados, nunca vistos, nunca considerados. E toda
essa transformação, se ocorrer, se dá de forma lenta. Muito lenta.
Mas firme. E nem a rapidez nem a inteligência nem a esperteza nem o
dinheiro nem o corpo sarado serão capazes de gerarem o mesmo efeito
que um bom envelhecimento.
Um
professor de literatura que eu tive no colegial - um bom professor -
uma vez nos contou sobre uma pesquisa que ele leu feita com casais.
Segundo ele esse estudo afirmava que, à medida que o tempo passa, a
atração que cada uma das partes sente uma pela outra tende a se
tornar cada vez mais espiritual do que física. Pra ser mais exato,
cerca de 90% dos motivos que levam um homem a se relacionar com uma
mulher (e vice-versa) consistem basicamente na aparência física,
status social, saúde e posses. Forma basicamente. Apenas 10% do
peso da escolha do namoro se deve a fatores como idéias, valores e
grandezas imateriais. Agora, após o relacionamento iniciar, e com
seu desenvolvimento, se tudo ocorrer de maneira estável e saudável,
esses pesos começam a se inverter: à medida que ambos envelhecem o
motivo de admiração passa a entrar na esfera espiritual. O casal
passa a se gostar pelo que o outro é por dentro. Coisas que no
início dificilmente era vistas ou percebidas. E a relação inverte:
um casal idoso que se gosta se sente atraído 90% devido à
características espirituais e 10% devido a características
materiais. Isso é perceptível e demonstra qual deve ser o caminho
de nossa evolução - em vida e como civilização.
Agora,
uma coisa que talvez desagrade ao grande público: nossa sociedade
está estruturada para encobrir ou ridicularizar quase qualquer
tentativa de libertação material sincera e determinada manifestada
por um grupo ou ser. Especialmente por este último, por ser mais
isolável. A conseqüência é que se torna muito difícil viver de
acordo com sua consciência ao longo da vida.
Muitos
de nós, desde a mais tenra infância, nos vemos submetidos a um modo
de vida que não condiz às nossas aspirações. Somos obrigados a
nos alimentar de tal modo, nos vestirmos de tal modo, termos ambição
(ambição...) para possuir casas e carros e bens e terras e mulheres
(ou homens) e etc. Isso traz e vem trazendo conseqüências nefastas
para o mundo. A causa de diversos conflitos coletivos se encontra na
opressão do ser em seus primeiros anos de vida. Muitas famílias,
escolas e ambientes laborais matam tudo ou quase tudo do que o ser
pode ser pra ele e para o seu ambiente logo de cara. E se um desses
ou uma combinação desses (ou todos) são assim, onde e em que é
possível encontrar um espaço para se desenvolver? Bem...do jeito
que as coisas estão estruturadas hoje em dia, acredito que os
ambientes livres são a fenda que irradia a luz tão buscada por
todos e todas. Consciente e inconscientemente.
Uma lavagem de alma é bom de vez em quando... |
Ambientes
institucionalizados geralmente tem horários rígidos e impõem um
comportamento ao indivíduo, moldando seu corpo e sua mente.
Conformando-o. Na escola devemos aprender tal assunto de tal modo. É
engraçado por exemplo notar que não se estuda a História do
Continente Africano, berço da humanidade e de grandes civilizações.
Ou que certas escolas particulares (caras) e públicas (que deveriam
ser boas) não tenham disciplinas extracurriculares de artes,
esportivas, de jogos educativos e diversas áreas do conhecimento. E
- pior ainda - nas faculdades essa cultura continua: poucas são as
oportunidades de buscarmos algo diferente. Na maioria das
instituições somente a formação profissional é enfocada. Como se
o as áreas e os fenômenos fossem desconexos. Como se as profissões
fossem isoladas. E as pessoas...Cada um no seu canto. Isso me
assombra tanto quanto a ameaça de me lançarem num caldeirão
fervendo.
É claro
que eu não nego que devemos ter uma dose de disciplina nos primeiros
anos. O que eu questiono é a continuidade desse adestramento à
medida que vamos adquirindo consciência. E também a falha nesse
modelo de formação, que vicia o ser humano a reproduzir o modo de
operação atual das coisas - aparentemente contraditório e pobre.
Mas,
voltando ao ponto, o que eu queria dizer é que, do meu ponto de
vista, os únicos ambientes propícios para o ser humano desenvolver
um pouco de suas habilidades - sociais, comunicativas, artísticas,
científicas, filosóficas, religiosas, afetivas e morais - são
lugares em que inexista algo prendendo ele ao local. Além disso, o
ambiente deve possibilitar a prática de uma diversidade de
atividades. E - condição "sine qua non" - o ambiente
precisa ter ar livre, luz e espaço para permitir ao indivíduo estar
mais próximo ao Universo. Podemos encontrar isso nas ruas, em
parques, em centros culturais, na casa de alguns amigos, em pequenas
lojinhas, em comunidades rurais e lugares abertos.
Eis do
que a alma precisa: liberdade. Para se desenvolver. Para se
expressar. E para com isso conseguir a tão buscada conexão com os
fenômenos de nosso Universo e com os seres à nossa volta. Mas essa
busca é individual (individual, não individualista), e assim que
tivermos adquirido a consciência disso, trilharemos o nosso caminho
firmes e fortes, independentemente do que o mundo pensa. E iremos
crescendo, nos tornando mais numerosos.
Devemos
mudar o mundo dando o exemplo. E questionando sempre que possível. E
estudando e amando as coisas simples. E assim a matéria vai ganhando
um aspecto cada vez menos interessante e sedutor. Como deve ser. Como
será.
A alma
precisa disso.
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