Quando
entrei na faculdade em 2004 os cursos de Engenharia da UFABC estavam
engatinhando. Eu nem sequer tinha consciência de sua existência.
Mal sabia eu que, paralelamente ao modelo de ensino consagrado ao
longo das décadas, que eu estava cursando, existia um outro
completamente diferente se iniciando aqui no Brasil.
Me
lembro dos anos de faculdade. Desde o início eu não estava contente
com o modo de ensino. Especialmente de minha faculdade de engenharia
mecânica, que era EXTREMAMENTE focada em disciplinas técnicas, com
carga horária pesada. Isso impossibilitava ao aluno cursar
disciplinas de outras faculdades e institutos, mesmo se ele fizesse
mais créditos, pois havia uma reserva de vagas para cada disciplina,
que era planejada de acordo com os programas de cada curso.
Logotipo da UFABC. |
As
poucas disciplinas diferentes que pude cursar estavam na grade
obrigatória e aparentemente eram pouco valorizadas pela maioria dos
docentes da faculdade de engenharia mecânica. Somente estavam lá
para cumprir uma espécie de compromisso forçado. Para manter uma
certa aparência de interdisciplinaridade. Pelo menos é o que me
parecia. Eram matérias tidas como secundárias - ou nem isso. Para
preencher cota. E (mais desalentador ainda) nas reuniões com a
coordenação, anuais, que envolviam docentes e alunos, quando se
tocava nesse assunto de diversificação da grade curricular, a
coordenação não parecia levar o caso a sério. Além de verem isso
como "manobra" de um grupo (dito preguiçoso) de alunos
para aumentar sua média geral através da matrícula em disciplinas
de língua estrangeira. Uma visão muito infantil e obtusa de gente
que ocupa cargos importantes.
Toda
essa experiência me deixou profundamente desgastado em certos
períodos da faculdade, que em alguns semestres chegavam a ter 8 ou 9
disciplinas de engenharia, sufocando o aluno bom ou ruim. Era contra
o bom senso. Contra a vida. Contra a saúde. E alguns professores
simplesmente descarregavam a matéria nas salas de aula, ignorando o
fato de que existiam outras disciplinas que estavam sendo cursadas
simultaneamente. E que havia uma vida fora do meio acadêmico como:
participar de eventos culturais, sair com os amigos, viajar até sua
casa, pagar contas, tocar instrumentos musicais, ler, fazer compras,
fazer outros cursos (fora e dentro da universidade), estagiar,
viajar, se exercitar, estudar o conteúdo apresentado em sala, entre
outras coisas. E ignorar esse fato acaba repelindo as pessoas da
área.
É muito
raro vermos uma pessoa que consegue passar pelo ensino básico,
vestibular, cursar uma faculdade de engenharia, se formar, trabalhar
com engenharia pela vida toda e sentir que valeu a pena. Raríssimo.
Porque cada etapa desse processo é permeado de políticas de
desestímulo - conscientes ou inconscientes - por parte de alguns
professores, administradores e sociedade.
Conteúdo
mal apresentado, horas excessivas de explicações desnecessárias,
abordagens de assuntos sem se preocupar com a conexão destes com o
resto do mundo: essas são as principais deficiências que encontrei
no ensino de engenharia - que fiz. É muito desolador uma pessoa
desejosa de crescer e ampliar seu horizonte se deparar com uma
estrutura obtusa que se recusa a enxergar a realidade.
Conceito de Transdisciplinaridade. |
O bom
senso dos dirigentes de hoje se traduzirá nos livros de História
como uma repulsa a enxergar as mutações da sociedade, e
consequentemente do corpo discente (alunos), os verdadeiros
edificadores de um novo mundo. Um mundo melhor, diga-se de passagem.
Existem
iniciativas semelhantes ao redor do mundo. Há muitos anos esse tipo
de estrutura curricular é implementado nas universidades
norte-americanas (e o resultado é visível). Um engenheiro pode ser
classificado como tal e ter passado metade de suas horas assistindo e
participando de aulas de ciências sociais, filosofia, biologia,
música, economia e letras. E me parece que a universidade não
deixou de formar um engenheiro, e conseguiu - além disso - formar um
ser humano pronto para dialogar com si mesmo e com a sociedade,
buscando o melhor de si.
De nada
adianta saturar alguém com detalhes específicos se essa pessoa
dificilmente terá oportunidade de atuar em todas essas áreas. Esse
vomitar de conteúdo só causará mais repulsão e desmotivação por
parte do aluno - e perda de tempo, energia e imagem para o professor.
O modo de operação da maioria das faculdades de engenharia
atualmente é se aprofundar MUITO em quatro ou cinco áreas
específicas (ex: termofluídos; mecânica das máquinas; controle;
energia; materiais), e depois deixa-se o aluno fazer ou não uso
delas. Isso não me parece racional. Muito menos saudável. Mas é o
modelo imposto.
Não
existe democracia nos governos e nem nas salas de aula. E
la só
está nas propagandas.
Por quê
não diversificar a grade curricular e permitir a formação de um
ser humano pluridisciplinar? Especializado sim, mas com menos ênfase.
Minha
proposta é muito simples. Mas antes de apresentá-la, preciso
demonstrar que o ritmo psicológico do SER humano está em desacordo
com aquele ritmo imposto pelas escolas, sociedade, família e
universidade.
Muitos
são os casos de pessoas que, após se graduarem ou especializarem
numa área, buscam (desesperadamente) fazer algo COMPLETAMENTE
diferente na sua vida profissional. Trabalham um tempo (às vezes
muito) e abandonam tudo em busca de um sentido para suas existências.
Não necessariamente porque detestam seu “métier”, e sim porque
foram saturados de conteúdo desconectado com outras áreas e sua
própria vida. O resultado é um só: desgaste precoce. Eles não
buscam se “desviar” do caminho, e sim VOLTAR ao caminho natural.
A
maioria das escolas e universidades não formam seres humanos
orientados para atuar num mundo cada vez mais interconectado e
diverso, que exige soluções criativas e mente aberta. Elas formam
gente que deve ter uma mente (e vida) departamentalizada e portanto
com pouco TEMPO LIVRE e ENERGIA para o exercício de atividades
CRIATIVAS. Porque a grande maioria das corporações (as grandes
sobretudo) operam dessa forma. E sendo assim, elas ditam – via
propaganda e se infiltrando nas cadeiras dos poderes legislativo,
executivo e judiciário – como o sistema deve operar. Desde a sua
base: a infância do ser. E pode-se observar que esse modelo não
atende mais aos anseios da sociedade, que deseja o progresso mas não
sabe como caminhar em direção a ele. Abra o jornal e observe. É
tudo consequência de uma má formação. Desde o início.
Bom,
para resolver esse problema me parece que a primeira coisa a fazer é
convencer as pessoas imersas nesse modelo (arcaico) a “escutarem”
seus sentimentos. Ao ler qualquer texto que proponha uma reflexão –
como esse – devemos refletir sobre o nosso modo de vida e tentar
buscar soluções ,e trazer esse assunto à tona sempre que possível.
Mas apenas as mentes preparadas estarão abertas à discussão.
Portanto – e infelizmente – RARAMENTE poderemos abrir nossas
mentes para pessoas em cargos de poder. Eles já estão muito imersos
e portanto condicionados a esse modelo. E corremos o risco de que
usem nossas ideias para nos prejudicar, distorcendo-as e nos taxando
de subversivos e coisas do tipo. Isso é triste, pois – em tese –
a sabedoria deveria ser proporcional ao poder do cargo ocupado em
nossa sociedade.
Outro
ponto: naturalmente, com o tempo, creio que veremos os maiores
progressos sendo gerados por mentes com visão holística do mundo.
Essas pessoas provavelmente serão mais espiritualizadas. Isto é,
terão uma orientação para riquezas intangíveis como, por exemplo:
conversas, convívio, natureza, estudos, contemplação, etc. E
consequentemente serão pessoas agradáveis de se ter ao lado, pois
elas, além de dominar os conhecimentos e métodos materiais
consolidados, acreditam em algo mais elevado e se interconectam com o
ambiente e o mundo mais facilmente. As pessoas e os seres são mais
transparentes para esse tipo de pessoa. Sua visão é mais global.
Tudo que vem ocorrendo reforça essa visão.
O ser
humano, tendo liberdade para buscar o conhecimento e a sabedoria,
será mais feliz. Haverão menos desistências dos cursos. Formaremos
melhores profissionais. Engenheiros não serão bitolados; Médicos
estarão mais em contato com os pacientes; Cientistas terão mentes
abertas para o imaterial; e etc.
Eu falo
tudo isso porque eu vivi tudo isso e venho sentindo uma necessidade
cada vez mais urgente de redirecionar minha vida para algo mais
saudável e criativo. E ajudar outras pessoas a se encontrarem (eis
porque venho me fascinando com o tema de Eduação ultimamente).
Convido
aqueles que aguentaram ler até aqui a se ajudarem e ajudarem os
outros nessa jornada por uma formação mais humana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário