Era
algum dia da semana do mês de Agosto. O ano: 2005. Eu estava saindo
de uma aula de Resistência dos Materiais I junto com meus colegas e
já havia planejado dar um pulo no Espaço Cultural Casa do Lago - um
centro cultural da Unicamp - para assistir um filme nacional de um
diretor novo chamado Marcelo Masagão: "Nós que Aqui Estamos
por Vós Esperamos". Título longo, tema desconhecido...Mas fui!
Era de graça mesmo e estava livre pelo resto do dia. Passada uma
hora e meia cheguei à conclusão de que foi a atitude mais
inteligente tomada por mim nos últimos tempos.
"Nós que
Aqui Estamos..." se refere ao nome de um cemitério localizado
no interior do Brasil. Os mortos (o aqui) esperam por nós (vós)
pacientemente, pois não há nada mais certo na vida de que esta vá
findar, cedo ou tarde, agradável ou desagradavelmente. Talvez o
título sirva para nos alertar o quão importante seja a vida e o
quão certa é a morte. Apesar disso, o ser humano foi capaz de
banalizar ao extremo a vida ao longo do século XX, através de guerras, propagandas, alienação, destruição do meio ambiente e
avanço tecnológico desenfreado. O filme de Masagão propõe uma
reflexão sobre tudo isso, induzindo o espectador a buscar os porquês
e o comos de tanta brutalidade.
A inovação do diretor está
presente em toda projeção. A primeira delas está no fato de
assistirmos ao longo de 70 minutos um filme-documentário mudo. Há
apenas imagens de arquivo acompanhadas de uma - bela e memorável -
trilha sonora, de Wim Mertens, com um piano e vozes que dão tom e
intensidade aos acontecimentos históricos que permearam o século
XX. A música se torna realmente um protagonista de peso, dando força
e emoção a cada passagem.
A segunda inovação está no modo
de abordar a História. Pessoas comuns cujos atos foram considerados
insignificantes para os meios de comunicação e poderosos Estados,
mas que juntas foram as únicas responsáveis por moldar toda a
beleza e bem estar da humanidade. São os agricultores, mineiros,
profissionais especializados, donas de casa, mães, crianças,
artistas, pedreiros, alfaiates...uma infinidade de indivíduos, cada
qual com seus hábitos, sonhos e pontos de vista.
A terceira
talvez seja a mais interessante. Colocar frases de pensadores famosos
(filósofos, escritores, estadistas, artistas, cientistas, etc) junto
a fatos históricos de peso. Essa combinação revela ter uma força
tremenda e nos convida a rever os nossos valores. Ao mesmo tempo é
uma pancada moral para os governantes do mundo - sejam estes do
governo ou de empresas - porque questiona o modelo de progresso
imposto por eles ao resto do planeta.
Existem inúmeros filmes
com diálogos, efeitos especiais, astros (não atores) famosos e uma
avalanche de outros recursos, mas vazios de conteúdo. Sem alma. Sem emoção. Sem nem capacidade de extrair
uma risada natural do espectador. Em "Nós que Aqui Estamos..."
as imagens falam por si. Não é preciso mais nada para atingir o
espectador. A música de Mertens nos envolve do começo ao fim da
projeção, de modo que passamos a ir além da audição. Passamos a
senti-la.
Raras vezes o Cinema nos brindou com uma obra tão
original e sensível. Infelizmente o filme teve pouquíssimas cópias
lançadas - talvez duas...ou três, com muita sorte... - e não é
encontrado em nenhuma locadora, ou sequer passa nos canais por
assinatura. Um pecado!
Trecho do filme:
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