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sábado, 2 de novembro de 2013

Escravos(as), Servos(as) e Operários(as): Trabalhadores(as) e Injustiçados(as)


O sistema de produção do mundo do trabalho teve como força motora basicamente três tipos de indivíduo: escravo, servo e operário. São esses os elementos que foram causa primária de todo bem-estar e riqueza gerada pela humanidade. E também de eventuais conflitos destrutivos. Mas deve-se ressaltar que, no caso dos conflitos dessa natureza, esses elementos humanos foram - na maioria dos casos - uma mera ferramenta de outros elementos. Elementos estes não-produtivos como: nobres, ditadores (estatais ou empresariais), aristocratas e outros privilegiados inconscientes. E é interessante que, apesar de todas mudanças nas nomenclaturas, na função social e na forma, a essência do trabalho desses três tipos continua o mesmo.

Mas primeiro vamos às definições.

A escravidão foi um sistema que se manteve vigente desde o advento da civilização (quem sabe até antes) e foi sendo abolido a partir do início da Idade Média, pois ela não era mais economicamente viável (os custos para manter um escravo eram muito altos). No entanto, apesar desse surto inicial, - já presente desde o fim da Antiguidade - os escravos só foram substituídos pelos servos na Europa (não no resto do mundo).

A partir do século XII, quando o continente europeu começa a lançar olhos para o exterior, esse modo de exploração volta a vigorar. Só que, ao contrário da escravidão da Antiguidade, que era generalizada e aplicada ao povo dominado (independente de sua etnia, cultura ou religião) militarmente, desta vez a (neo)escravidão era definida pela etnia e cultura do indivíduo. 


Escravos: a cor da pele, a "superioridade" de outro povo,
determinavam quem era ou não parte desse grupo.
Encabeçados por Portugal e Espanha, a escravidão passa a ser praticada sistematicamente. Era preciso encontrar mão-de-obra não-européia e não-cristã (na época essas expressões eram praticamente sinônimas) para extrair recursos minerais do Novo Mundo. Logo, milhões de africanos foram capturados e levados forçosamente, contra sua vontade, ao continente americano. E assim foi até o início do século XIX, quando nações em industrialização, encabeçadas pela Inglaterra, viam mais vantagem em criar um mundo produtor e, posteriormente, consumidor. E aí surge o operário. 


Basicamente, o que diferencia um trabalhador do outro é:

O escravo é uma propriedade de seu dono. Ele não possui liberdade para usar seu tempo como deseja. Seus sentimentos não são de interesse de seu proprietário, que só vê vantagem em mexer nesse campo caso isso lhe forneça algum ganho.

O servo está atrelado à terra (feudo), e desempenha tarefas não relacionadas diretamente ao Saber (exclusivo da Igreja) e ao Poder (exclusivo da Nobreza). Logo, os pajens (ou camponeses) cuidam dos animais do seu senhor e de suas terras. Eles não são propriedades de alguém, mas sim do local onde trabalham. Essa é a única real diferença entre o escravo e o servo.


Servos: As Igrejas definiam um papel fixo na sociedade.
Não se podia questionar as "ordens" de Deus.

O operário possui a liberdade (uma pseudo-liberdade, mas isso será explicado adiante) de vender sua força de trabalho para o detentor do capital que ele desejar. Ele não é propriedade de nada nem ninguém diretamente, e ao mesmo tempo não possui propriedades - exceto seus parcos recursos materiais. Mas ele está submetido a um mercado de produção e consumo do qual ele não tem conhecimento nem controle.

Essas três figuras do mundo do trabalho, apesar de receberem diferentes classificações, exercem uma função semelhante: a de gerar riqueza para outros e receber muito aquém do que produziram.

De certa forma, podemos afirmar que, ainda nesse mundo, o operário é uma espécie de escravo. Explico o porquê.

Durante a escravidão, apesar do escravo não receber nada em termos monetários, existia um forte assistencialismo do seu dono que lhe garantia todos os meios de subsistência: abrigo, cama, comida, condições para se exercitar, etc. O operário, por outro lado, apesar de receber dinheiro, não possui nenhuma das condições que aos escravos eram garantidas. Essa realidade está muito próxima da verdade, exceto para certos países em certos períodos históricos (como a Europa e os EUA dos anos 50, 60 e 70, onde o Estado de Bem-estar Social era forte e garantia segurança para seus trabalhadores). 


Operárias: O Mercado define o modo de vida
das pessoas. Você vale pelo que você produz,
independentemente da utilidade e aplicação desse bem.

Nos dias atuais, para alguém conseguir sobreviver, ou seja, ter um mínimo de saúde, educação, moradia, alimentação, transporte e higiene, deve-se entregar grande parte de seu tempo para aquele que detém os meios de produção e/ou controle dos mesmos. É claro que a qualidade de vida de um empregado do início do século XXI (e mesmo XX) é muito superior àquela de um escravo do século XVII. No entanto, isso só ocorreu porque os detentores do poder tiveram a mínima sensatez de distribuir um pouco da riqueza e assim evitar desgastes sociais drásticos que poderiam culminar em conflitos sangrentos. Quero dizer com isso o seguinte: a condição de vida do trabalhador contemporâneo só está melhor do que a de seus antepassados porque os patrões dos dias atuais estão em condições muito melhores do que os patrões de antigamente. Isso dá uma falsa ilusão de progresso. Trata-se de conquistas, sem dúvida. Mas a condição fundamental não alterou.

Se o pesadelo dos escravos era a dor física, hoje o pesadelo dos operários é a pressão psicológica (no escritório ou na linha de produção). Seja o trabalho "inteligente" ou físico, a condição do trabalhador é a mesma: constantemente ameaçado por uma força invisível, subjacente em seu íntimo, ele se vê impelido a dar o máximo de si em seu posto, independente dos efeitos para sua saúde física e mental. A família, os estudos, os amigos, a cultura e o lazer ficam em segundo plano e são vistos apenas como elementos de distração - raramente como modo de desenvolvimento humano. Essa força, implantada ao longo dos anos, desde a infância, por um sistema que opera de modo inconscientemente destrutivo e visando o enfraquecimento dos laços sociais de longo prazo, sustenta um sistema insustentável a longo prazo. Contradição pura. Paradoxo. Em suma: desperdício de energia. Eis o retrato de nossa sociedade atual. 

O modo de operação de nossa civilização pouco difere daquele que vem sendo implantado desde a Revolução Agrícola: QUEM TRABALHA NÃO LUCRA E QUEM LUCRA NÃO TRABALHA. Na maioria dos casos pelo menos é assim. E quando me refiro a trabalho, é na sua verdadeira acepção. Ou seja, aquela atividade que engrandece intelecto-moralmente o indivíduo e seu meio, promovendo um bem-estar sólido. 



Os comerciantes podem ser vistos como uma exceção nesse processo. No entanto, eles estão sujeitos aos grandes comerciantes e precisam arriscar muito antes de abrir seu próprio negócio. Se trata de um jogo arriscado para muitos que desejam ficar um pouco menos dependentes dos horários fixos.

O único modo que posso conceber para mudar esse quadro é através de uma profunda conscientização de todos. Quem produz recebe proporcional a riqueza que gera. E tem controle dos meios de produção. Nada mais sensato. Nada mais justo. Não consigo enxergar insensatez ou radicalismo nesse pensamento.

Gilberto Freire já falava sobre tudo isso em "Casa Grande e Senzala", seu livro mais célebre. A Senzala, local onde se produzia a riqueza, era sempre feia e suja e desvalorizada. A Casa Grande, onde ficava o senhor, que só administrava a riqueza, era rica, bonita e confortável. E esse modo de tratar o trabalho e o não-trabalho perdura até hoje. Basta observarmos as escolas públicas de ensino básico (em sua grande maioria): o local onde as coisas realmente acontecem - a sala de aula - é mal preservada, enquanto as áreas administrativas são bonitas e bem cuidadas. 



A perpetuação do modelo Casa Grande e Senzala gera inúmeros problemas em nosso país. Dentre eles o enorme desinteresse pela carreira de ensino e pesquisa, áreas fundamentais para o desenvolvimento de uma nação.

O único modo de evitar (ou minimizar) conflitos é colocando o trabalhador no seu devido lugar. Ou seja, valorizando o que ele produz. Na forma de benefícios, promoção, aumentos salariais, concessão de liberdades, respeito a sua saúde, entre outros. Mas isso depende da conscientização da maioria e - especialmente - de quem está no comando. Enquanto isso não se efetivar, continuaremos abrindo nossos jornais e vendo - ou, pior, sentindo - coisas desagradáveis.



Cada dia que passa cresce a conscientização daqueles que produzem. Houveram conquistas de terreno. E para que o ciclo vicioso de "subi, agora vou subir mais pisando nos de baixo" não se perpetue, é necessário que haja cada vez mais tempo livre e criatividade dos trabalhadores. E assim será possível migrar para um estágio de evolução no qual os gananciosos não terão espaço para exercerem o controle sobre a sociedade.

E SE estivermos próximos de uma profunda mudança? A verdadeira e efetiva mudança que muitos almejam há séculos. Uma mudança já dita e visualizada por J.M Keynes no início do século XX.



Está na hora de MELHORARMOS nosso planeta. 

E nada mais sensato do que VALORIZAR o trabalho.


Os dirigentes (ainda) tem a oportunidade de entrarem para a História como grandes Progressistas. Ou grandes Exploradores...



Ainda há tempo...

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