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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

NECESSÁRIO versus SUPÉRFLUO

É fato que não existe um consenso entre o que é essencial e o que é luxo entre os seres humanos. O necessário de alguns é o luxo de outros. De pessoa para pessoa, as variações ocorrem. Mesmo para indivíduos de uma mesma classe social, da mesma idade, com escolaridade idêntica, existem divergências. Desse modo, se torna muito difícil iniciar e desenvolver (saudavelmente) uma discussão acerca de uma política para garantir o mínimo necessário para que um ser humano possa viver dignamente.

Há certo tempo participei de um bate-papo informal – e caloroso – acerca desse tema. Para ser específico, o tema central girava em torno da liberdade de escolha profissional.

Meu opositor principal argumentava que uma pessoa que realmente goste de sua ocupação não terá sua qualidade de vida impactada pelo seu salário. Ou seja, independentemente da quantia que caia (ou não) em sua conta, o indivíduo que realmente faz aquilo que lhe agrada não se importará com seu padrão de vida material. Eu, por outro lado, apesar de admirar pessoas que se orientam puramente por uma vontade própria, espiritual, não ignoro que as variáveis materiais tenham influência na escolha da pessoa por uma ocupação. E que essa influência deve ser levada em consideração – explicarei o porquê disso oportunamente.

Num primeiro momento pode-se dizer que a opinião que defendo é mais materialista ou interesseira. Mas a meu ver deve existir sim uma consideração pelo retorno material. É claro que essa decisão não deve ser 100% orientada pelo retorno financeiro, mas esse fator deve ter um peso proporcional às necessidades mínimas do ser humano – que como disse, são relativas. E defendo essa ponderação porque, apesar de concordar que num mundo ideal – não-material – as escolhas tendem e devem ser 100% espirituais, não se pode ignorar a nossa constituição física e consequentes necessidades básicas (habitação, saúde, higiene, alimentação, educação,...) quando vivemos num mundo onde se depende da matéria ATÉ MESMO para se obter mais condições para desenvolvimento espiritual (traduzindo, fazermos o que gostamos). Além disso, se quisermos contribuir para o progresso da sociedade, há a necessidade de estarmos numa posição de segurança financeira que nos permita concentrarmos todas nossas energias – e tempo – em nossos projetos.

Pirâmide de Maslow
Meu colega argumentou que se pode viver com cerca de 260 reais. Essa quantia bastaria para qualquer pessoa fazer o que gosta. O número foi baseado no seguinte raciocínio: existe uma merenda do governo estadual que custa 1 real por refeição (duas vezes por dia, trinta dias por mês dá 60 reais); e, para moradia, 200 reais seriam suficientes para pagar um aluguel numa favela. E assim tem-se o básico. No entanto, sempre que me deparo com um raciocínio simples, e aparentemente tão eficiente, começo a esmiuçar. Porque sabe-se muito bem (intuitivamente ou racionalmente) que tanto nas ciências humanas quanto naturais a teoria é bem diferente da prática.

Vamos supor essa pessoa que faça o que gosta e receba 260 reais por mês por isso.

A primeira pergunta que surgiu na minha cabeça foi: E sua saúde? (porque um convênio médico é caro). E a resposta foi que eu estava “criando hipóteses” e “desviando o problema”.

Não compreendi, pois o que eu afirmava a princípio era de que a falta de dinheiro afetava sua qualidade de vida (que, neste mundo, com nossa constituição física, está intrinsecamente relacionada com os recursos materiais que dispomos. pelo menos até certo ponto. um ponto que, apesar de ninguém poder especificar direito, existe para cada um e tem um valor considerável). E a saúde, a meu ver, é uma vertente fundamental da vida para qualquer ser deste planeta.

Como necessitar saúde pode ser uma hipótese?”, eu me perguntava. E para outros tipos de itens que eu julgo fundamental como: boa alimentação, educação, criação de filhos, transporte, e um mínimo de lazer e cultura populares, recebia a mesma resposta. No entanto, para um ser humano poder fazer o que gosta, seu corpo e mente físicos devem estar em bom funcionamento. E isso implica que todas suas necessidades não-profissionais devam ser satisfeitas. Ou seja, caso haja uma doença, deve-se dispor de recursos para se pagar um tratamento ou cirurgia; caso essa pessoa deseje ter filhos e criá-los, deve se ter recursos para sua alimentação, educação, moradia e transporte, enquanto eles não atingem sua independência; etc.

Num ponto foi dito para mim que “Basta morar com os pais e não ter filhos”. Nesse caso a pessoa queria dizer que não é preciso ganhar nada e fazer o que gosta. De fato. No entanto, novamente caiu-se no erro de tratar o problema como algo encerrado no indivíduo. Ou seja, criou-se um volume de controle RESTRITO. Porque essa pessoa está sim consumindo recursos. O dinheiro de seus pais, pra ser mais exato, que estão SUBSIDIANDO as condições favoráveis para que esse filho possa se dar ao luxo de não precisar de dinheiro. Mas indiretamente ele está usando dinheiro. E muito.

Essa discussão é complexa e portanto desejo deixar alguns pontos fundamentais expostos aqui.

Uma pessoa que se diz feliz ganhando um salário mínimo deve ter sua opinião respeitada. Mas alguns pontos devem ser ressaltados. Eis os dois que julgo mais importantes:


Primeiro:
Essa pessoa, por carecer de uma educação formal e conversas e leituras e oportunidades para abrir sua mente (na grande maioria dos casos), pode ter adquirido uma visão estática do mundo, em que a estrutura hierárquica deve ser respeitada e não existe nada a mais para aspirar (quem aspira é “fresco”, “radical” ou “não tem o que fazer”).

O problema da pessoa se manter com essa visão restrita do mundo é que esse tipo de pessoa é facilmente controlável por aqueles que detém o poder e desejam manter as desigualdades. Inclusive, com um enfoque midiático certo, é possível tornar a visão dessa pessoa a opinião dominante de uma classe inteira, induzindo pessoas de outras classes de que realmente não se deve “reclamar” das coisas e agradecer pelo que se tem. Isto é, joga-se com um sentimento altruísta e intrínseco de cada ser humano, manipulando esse sentimento com objetivos escusos.


Segundo:
O fato da pessoa se sentir confortável ganhando um salário mínimo não significa que ela esteja tendo suas necessidades fisiológicas, culturais e sentimentais satisfeitas. Significa – a meu ver – que essas necessidades podem ter sido convertidas – mentalmente, ao longo dos anos, através de um processo de conformação à realidade – em coisas supérfluas.

O que quero dizer com tudo isso é que é muito fácil nos sentirmos satisfeitos quando não somos capazes de visualizar outras possibilidades e o mecanismo de funcionamento do mundo. Portanto, continuo defendendo a tese de que, pelo menos neste mundo, um certo conforto material é sim importante para se ter uma qualidade de vida – inclusive espiritual.

Devemos reconhecer que, por mais orientada que uma pessoa esteja para o lado espiritual, ela não pode ignorar suas necessidades fisiológicas. Caso contrário existe uma grande probabilidade dessa pessoa ser fortemente abatida por um imprevisto – que a vida comumente nos apresenta.

Acredito que vale a pena refletir sobre essas duas questões.

Eu particularmente compreendo a DIVERSIDADE dos pontos de vista a respeito do que é ou não necessário. Mas ao mesmo tempo tenho a intuição de que ao longo dos anos e séculos e milênios essa diversidade – de amplitude descomunal – vá CONVERGINDO. Lentamente. Porque é o único meio de começarmos a chegar a um acordo. Mas para isso é preciso que cada um se APROFUNDE nessas questões, saindo do lugar-comum. Saindo da zona de conforto.

E assim chegaremos um dia à Unidade*.

E o necessário será o necessário, e existirá.
E o supérfluo será o supérfluo, e não existirá.

Acredito que será assim.



* Ah...(só para esclarecer)...Unidade não significa padronização ou massificação. Unidade significa um conjunto de seres com características físicas, aptidões e gostos diferentes atuando em prol de um conjunto de ideais comuns.

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