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domingo, 26 de outubro de 2014

A VERDADE NA SARJETA

Quanto mais por baixo na pirâmide econômica e social uma pessoa, maior a chance de que a verdade se lhe apresente de forma clara. Ou melhor, maior sua sensibilidade para os reais problemas da vida - de todos [1].

Existe um rapaz que toma conta de carros em frente a um parque que frequento. Ele é jovem, saudável e - mais interessante - está lendo a maioria do tempo. Também compõe músicas. Hoje mesmo, ao lhe entregar um livro sobre uma beata italiana [2], tive a oportunidade de ouvir algo que ele fez. A letra diz muitas coisas. Consegue unir religião (em seu mais amplo aspecto) com a vida quotidiana. É um rap dinâmico. E muito profundo. A combinação ideal para crianças (com essa inclinação musical) ouvirem. É um esforço de salvação feita por uma pessoa em busca da própria. Como todos nós - apesar de muitos não admitirem por se julgarem perfeitos ou fazerem isso apenas nas aparências.

Parei, nos cumprimentamos e começamos a conversar. Ele começou a falar sobre a vida de um modo muito sincero. É fácil perceber quando uma pessoa está sendo ela mesma. As palavras saem automaticamente, sem medo. E sem esperar uma aprovação ou reprovação. São simplesmente sentimentos. E os do rapaz diziam muitas verdades profundas.

A salvação pode estar aqui.
 Novamente Ubaldi ressoou na minha alma. Cada pensamento daquele rapaz aparentemente insignificante para a sociedade ao seu redor - uma sociedade com carros e casas e jardinas e títulos e "amigos" e prazeres e diversões e ocupações nobres e etc - batia com todas as ideias do místico da Umbria. De forma mais simples, claro. Mas o que interessa é a ESSÊNCIA. E a dele era potente.

"A gente precisa tomar muita martelada pra melhorar."

A dor como escola. A dor como meio de redenção. A dor como único professor realmente efetivo, que fará com que nunca mais sigamos aquele caminho que nada nos acrescenta. E ela pode vir em forma de ilusões que se desmancham de um dia pro outro.

As pessoas com maior capacidade para falar dos problemas mais urgentes parecem estar nos lugares menos atrativos (as calçadas). E o rapaz falava de forma CONSTRUTIVA, revelando detalhes e vontades e esboçando caminhos e métodos. Basta parar e escutar. "Perder tempo". Algo que muita gente bonita, simpática, instruída e que se vê como boa não se dispõe a fazer de fato. 

Estamos presos às nossas conchas mentais. Somos educados demais. Educados demais porque temos tanto medo de nos humilharmos, que deixamos nosso orgulho falar mais alto e não arriscamos convidar alguém para sair, nem revelamos nossos sentimentos e etc. Nem um milímetro. Só com uma boa dose de garantias. Por um lado, diante de tantos afastamentos e más-interpretações, é compreensível. Por outro, a segurança que adquirimos nos engessou de tal forma que hoje se tornou MUITO doloroso qualquer tentativa de estabelecer uma relação sincera e construtiva.

Ouvir a verdade de pessoas numa situação desvantajosa renova as energias. Quem sabe um dia eu arrisque algo. Quem sabe um dia eu perca um pouco desse medo excessivo. Esse medo paralizante, que cristaliza a vida e a evolução.

Chiara "Luce" Badano. Uma vida curta e exemplar.


Existem pessoas que gostam muito de uma pessoa mas não sabem demonstrar isso a ela. E são levadas a desenvolver um balé de sondagens periféricas na expectativa de descobrir o outro. Mas de nada adiantará esse balé se nenhum dos dois souber mergulhar na substância do outro E (além disso) souber receber o outro na sua. Desejamos mas nos indispomos ao VERDADEIRO ATO DE DESCOBERTA.

Por não estarmos preparados para lidar com (conversar sobre) nossos defeitos, ocultamos todos eles num mar de aparências. Provavelmente por um medo causado por experiências passadas, que podem tornar a se repetir. Mas os seres humanos são diferentes. Mesmo que na forma um se assemelhe a outro, a vivência demonstra que a substância apresenta ligeiras variações.  Cada um tem sua história e vive em seu ambiente e tem uma personalidade. Muitas variações para as mesmas e velhas tentativas.

Por não estarmos preparados para sondar a substância dos outros - com medo de sermos mal educados - ficamos estáticos na investigação da espiritualidade vertical. E esse engessamento gera a necessidade de buscarmos freneticamente uma dinamicidade na horizontalidade material. Uma realidade ilusória constituída de saídas com colegas, festas, modas, sensações (fumo, álcool, sexo, drogas,...), encenações, falsas promessas e tudo do tipo.

Nos dedicamos àquilo que está fácil. Acreditamos que com isso teremos o que queremos. E seremos felizes.

Tudo que nossa mente consegue conceber é aceito de forma amorosamente ilusória se apresentado de forma a estar alinhado com nossas crenças e valores.

Tudo que nossa mente consegue conceber é rejeitado odiosamente se apresentado de forma oposta às nossas crenças e valores.

Tudo que nossa mente não consegue conceber se torna objeto de santificação. Queremos estar perto porque sentimos que lá está o futuro e a salvação. Mas ao mesmo tempo jamais conseguimos nos fundir (envolver) com essa ideia (ou pessoa), por não estarmos preparados a adentrar nessa nova esfera que a vida nos apresenta. Uma esfera com horizontes mais vastos e trabalhos mais profundos.

Esse é o martírio daqueles que sentem e desejam por um mundo melhor, permeado de relações sinceras: devem ter PACIÊNCIA INFINITA para com os seres ao redor. Essa paciência pode variar de um mínimo até aquela do Cristo.

A verdade surigirá de onde menos se espera.
As vias da felicidade serão traçadas pelos mais desprezados.

A super-humanidade orgânica do futuro possui suas pequenas sementes em diferentes classes, raças, crenças, ideologias, idades, países e famílias.EM pequenas quantidades, mas espelhadas.

A separação definitiva e substancial será entre os justos e os injustos.

Eu tento correr atrás de meus defeitos e dialogo com minhas más tendências. Dói muito. Não há ninguém que pode ajudar exceto eu mesmo. Eu e Deus - para orientar.
Só espero ter forças suficientes para não me perder nesse caminho de sublimação - mesmo que esta seja em escala reduzida.

Por medo do nosso Eu divino decidimos virar nossa atenção para o mundo exterior, ignorando nosso mais precioso bem. Criamos teorias e inventamos sistemas para justificar nossas mais baixas inclinações instintivas.

Antes de travarmos apocalípticas batalhas exteriores devemos travar a mais épica de todas as batalhas, que é a interior.

Isso e nada mais.



Links

[1] http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/05/maioria-da-populacao-de-rua-nao-bebe-nem-se-droga-aponta-estudo.html

[2] Se trata da breve vida de Chiara "Luce" Badano, verdadeiro exemplo se superação.   http://pt.wikipedia.org/wiki/Chiara_Badano




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