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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

SABER VIVER NO MUNDO SEM SER DO MUNDO


Queremos estar em paz conosco, mesmo que não reconheçamos isso. Muitos querem estar em paz com o mundo. Mas para isso é necessário antes de mais nada estar em paz consigo mesmo. Muitos querem fazer algo pelo mundo. Mas antes disso é preciso saber o que o mundo quer de fato - e que a pessoa faz parte dele. Muitos querem muitas coisas - todos na verdade. Mas poucos conhecem o ambiente em que vivem, nem fazem questão de conhecê-lo (dá muito trabalho...).

As pessoas ganham maturidade à medida que vivem e fazem uso consciente de suas experiências de vida. A sapiência independe de qualquer vantagem material-orgânica. Uma pessoa pobre do terceiro mundo, com baixa escolaridade e deficiente pode se revelar mais sábia do que um diplomado saudável do primeiro mundo. Mesmo que o mundo não perceba isso. E se percebe, dificilmente reconhecerá. E se reconhecer, dificilmente fará algo para que essa pessoa ocupe uma posição jus à sua mentalidade. Porque o mundo é (ainda) assim: aparência e conveniência. Mudar a forma mental dá muito trabalho...

Quando nossa mentalidade se expande, abrangendo mais pontos de vista, parece que o mundo fica menor. A vida parece mais restrita, as possibilidades de crescimento na horizontalidade da realidade se enxugam, as conexões afrouxam com a difusão da nova visão, e com isso nos desorientamos. Sentimos um retrocesso por fora, mas não somos capazes de retroceder nem um passo interiormente. Tamanha é a fascinação com o novo universo individual. Nesse ponto a pessoa sente que ganhou algo intangível, indescritível e sublime. Um novo estado de consciência. O modo de ver e sentir tudo à sua volta é completamente diverso - e portanto incompreendido. A pessoa passa a não ser do mundo e a não saber viver nele. Dor com duração indefinida.

Quem descobriu (ou redescobriu) o potencial espiritual em vida orgânica entra em desacordo com o mundo sem o querer. Quanto mais intensa a sensação do novo, maior é a tensão entre a pessoa e a sociedade. O caso extremo é o místico e o santo, seres que atingiram um estado crístico integral. Seres indiferentes a vaias ou a aplausos. Seres quase completamente desconectados do mundo material por sentir um compromisso ascensional na verticalidade espiritual. Estes no entanto não sabem viver no mundo, apesar de não o condenarem.

Quando não temos capacidade de viver integralmente uma vida de místico e ao mesmo tempo o mundo é - em sua maioria - incompatível com a nossa mentalidade, nos vemos diante de um limbo, que nos preenche de assombro à medida que percebemos o quão inseridos estamos nele. "E agora?", nos indagamos cotidianamente. Nos supersaturamos de questionamentos. Depois, pavor por não encontrar uma resposta definitiva.

Inicia-se um novo processo, desta vez de descida ao mundo. Mas não se trata do inverso da ascensão espiritual (iso é, um simples abandonar dos valores), e sim de uma adaptação ao meio externo mantendo o universo interno intacto. O maior dos desafios a ser superado. Como lidarmos com o mundo, sermos aceitos, termos voz e direitos na sociedade, e ao mesmo tempo sentirmos e vivermos uma realidade diversa, incompreendida e estigmatizada? Como conduzir essa batalha colossal travada em nossa mente? Compreensão, visão de futuro e simplicidade parece ser a trindade para a manutenção da vida.

Compreender a limitação da forma mental predominante ajuda o ser a ter a paciência necessária para não se descontrolar.

Ter a visão das possibilidades futuras, do vir-a-ser de cada criatura, ajuda a formar na mente um campo magnético virtuoso que o suportará nos momentos de insegurança.

Simplicidade é a postura que evitará o dispêndio de dinheiro e energia desnecessariamente.

O equilíbrio dos dois extremos é uma arte. 

Chiara "Luce" Badano. Tipo biológico do porvir.
A pessoa prestes a ter uma mudança substancial chega na saturação do materialismo que nega o além. Todos métodos do mundo não a satisfazem mais. Ela encontra o ideal via sentimento e se identifica. Via exaustão. E tenta vivê-lo um pouco. Mas até essa micro-vivência em todas esferas da vida a desgasta. O mundo não quer saber de métodos de longo prazo; não quer saber de mudança de comportamento; não quer promessas vazias que exigem fé; não quer idealismos; não quer ter os instintos reprimidos. Quer resultados concretos. Desiludido, o ser tenta encontrar alternativas, mas percebe que da mesma forma que é doloroso seguir adiante, é inadmissível retroceder. Um impulso foi iniciado, e seus efeitos irão se manifestar até sua completa exaustão.

Repensa-se a vida. O passado é interpretado com outros olhos. Os métodos rápidos tem pouco valor. A observação paciente leva ao escutar pleno. As palavras são pensadas antes de serem expelidas. Dias, meses, anos...Dores e aparentes erros. Mas não se consegue adotar métodos diferentes. Sobretudo quando o mundo é incapaz de apontar algo de maléfico, afirmando ocasionalmente que trata-se de uma postura sem resultados práticos. Nada mais. Mas este mesmo mundo anseia por um conceito que o abale. Uma descida do ideal de forma suficientemente assimilável e praticável. Ele constantemente a rejeita por não ser capaz de abraçá-la, mas sempre - em seus meios mais evolvidos - está disposto a receber novas visões da mesma realidade.

Sente-se que está no caminho certo através da atmosfera rarefeita dos sublimes e sutis gestos e olhares. Gestos discretos que demonstram muito sem no entanto aparecerem. Medo? Dúvida? Impressão? Falsidade? Pode ser. Mas a forma mental se plasma, de alguma forma, microscopicamente. É tão sutil a diferença, a mudança, a transformação, que apenas uma sensibilidade nervosa-cerebral muito apurada é capaz de sentir a satisfação da aprovação.

O maior milagre está nessa sutil transformação do pensamento humano.

Vencer a si mesmo uma vez para alçar patamares superiores.
E sofrer com isso.
Vencer a si mesmo outra vez para evitar a morte.
E assim alcançar a plenitude da vida.

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