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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

MUITOS SEGURANÇAS, POUCA SEGURANÇA.

Nossa sociedade está tendo a possibilidade de observar um avanço tecnológico ímpar nas técnicas de segurança. Técnicas que se superam a intervalos cada vez menores. Ainda me impressiono ao ver como os sistemas de filmagens, identificação, gravação e investigação se refinam em ritmo – aparentemente – exponencial. Me interessa igualmente a criatividade humana em criar métodos e sistemas que possibilitam cegar esses mesmos sistemas, confundindo-os. Isso é natural nos fenômenos humanos: uma superação de um lado pede por outra no lado oposto.

Quem cria os sistemas de segurança afirma estar primando pela segurança daqueles que o adquirem; Quem supera-os vê nesse ato uma possibilidade (ou necessidade) de superação. Ou melhor, a criação de um lado estimula a criatividade de outro. O entrincheiramento de um pede o desenvolvimento de armas de penetração de outro, e vice-versa.

Jean Valjean. Ascensão por impulso divino.
A melhor maneira de não ser roubado é se tornar pobre.”

A melhor defesa é NÃO MERECER o golpe que estão lhe inflingindo.”

Essas são afirmações de grande impacto e prontamente rejeitadas pelo racional humano presente. Elas não se encaixam na lógica atual, na qual a melhor defesa é se defender de todos os modos possíveis, desconfiar de tudo e todos (ou quase) e conduzir a vida de forma a manter aparências (físico) e status (social). Mas observemos um pouco mais no fundo o significado profundo de tais afirmativas.

Nós vivemos (presentemente) num universo relativo. No campo da matéria – como Einstein teorizou e tecnólogos demonstraram – e nas relações humanas, ou campo moral. Isso é um fato observável e controlável. A própria natureza dessa condição nos impele a fazer reflexões profundas acerca do que dizem. Caso contrário, tende-se a cair em enganos e ilusões. Porque as afirmações sempre são vistas de acordo com nossa vivência histórica, decisões (personalidade) e meio social (ambiente). Portanto, para não cair no erro da aceitação imediata e suas possíveis consequências, deve-se extrair um significado global, envolvendo outras visões, e mais profundo, percebendo as nuâncias. Sensibilidade orientada para evolução.

"Segurança é o cara que trabalha pra fazer as pessoas
se sentirem inseguras." Paulo Autran em "A Máquina"
É possível, dentro de um certo grau, ser pobre materialmente E conseguir satisfazer todas suas vontades orgânicas (alimento, saúde, abrigo, vestimenta,...) e espirituais (afetividade, trabalho, estudo, cultura,...). Esse comportamento depende do grau de dependência que temos do mundo. Este atualmente nos bombardeia, – inconscientemente e por automatismo – via propaganda e atos de inclusão/exclusão, uma série de objetivos que devemos atingir. Nosso ser deve se adequar a necessidades “que temos”. Necessidades que (por coincidência?) se fundem com àquelas do que passamos a denominar mercado.

Ciclos e ciclos se realizam até sua exaustão. No fim dele, desilusões. No entanto, uma experiência adquirida, mesmo que através do erro e da dor.

Uma pessoa que tem a firme convicção de estar agindo conscientemente jamais se sentirá ameaçada pelo meio que a cerca. Expõe seu ponto de vista da forma mais clara que suas capacidades e conhecimento o permitem e recebe as observações de forma profunda, mesmo que o meio seja refratário às sua crenças e visões. A única exceção ocorre quando a vida do próprio (ou de terceiros) está em jogo. Nessa situação não se avança ou expõe com o risco das concepções de mundo serem muito diversas e existir um terrorismo psicológico-econômico-social (um se concatena ao outro paralelamente) operando em camadas profundas e não-reveladas.

Quem fala com sinceridade tem a consciência tranquila porque nada tem a esconder – dos outros ou de si mesmo. Isso evita o dispêndio (inútil) de energia em algo que dispersa energias evolutivas.

A partir dessas duas características (convicção sentida e raciocinada / sinceridade) pode-se perceber que a melhor segurança que podemos ter é conosco mesmo.

Isso novamente pode parecer abstrato para muitos leitores. No entanto aqui vai um caso vivido até suas últimas consequências por um colega.

A melhor maneira de salvar alguém é exercer o amor pleno.


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Um certo dia tentaram assaltar meu colega – que é pobre e frequenta meios (bairro, ruas, trajetos) com maior chance de ocorrer tais tipos de incidentes. Era de noite, escuro, e ele estava com uma amiga voltando para casa.

Á medida que andavam por uma rua mal iluminada, um vulto começa a se aproximar. Nada de assutador, nada a temer, pensou meu amigo com a mente leve como uma pluma.

Os passos se tornam mais intensos. A proximidade era evidente. O caminhar continua.

Num dado momento o ser ultrapassa os dois e vira repentinamente, com uma faca apontada diretamente para a face do homem.

“Me passa o dinheiro!”

Era um garoto. Um simples garoto que provavelmente aprendeu a se comportar daquela forma para obter o que queria. Possivelmente por falta de oportunidades e pela facilidade com que as pessoas valorizam a astúcia – mesmo não admitindo abertamente. Possivelmente...

De qualquer forma, a reação do homem foi olhar diretamente nos olhos do garoto. Mas não apenas isso. Era um olhar tenro mas firme. Fixo mas pacífico. Profundo e receptivo.

Um silêncio se fez por uma fração de segundo. Centenas de pensamentos deveriam estar correndo pela cabeça do garoto. Incessantemente. E (igualmente) de sua colega, perplexa por não conceber o que se passava na mente de seu colega.

Por fim meu amigo disse ao rapaz,

“Desculpa.”

Continuava a olhar com segurança. Ele não temia pela sua vida. Possivelmente porque percebia que existe algo (um princípio, uma idéia, um sentimento, uma continuidade no imponderável) muito mais importante do que a conservação momentânea. Mais: ele não se sentia realmente ameaçado e desejava o melhor para o garoto. Percebia que ele era simplesmente vítima de uma conjuntura econômica e social doente, que enquadra todos de acordo com regras antigas. Percebia que ele jamais teve uma oportunidade introduzida de forma adequada à sua realidade e experiências. Percebia, sentia – isso num átimo – que talvez ele tivesse uma dívida com o universo. Uma dívida contraída anteriormente. Uma dívida acumulada, que posssivelmente veio a ser cobrada naquele momento, fazendo uso daquele garoto. Nenhum ódio, muita compreensão.

O garoto, perplexo, permaneceu parado. Nãoi conseguia conceber esse modo de comportamento. Era além do seu concebível. E ao mesmo tempo, não sentia agressividade do outro lado.

Por fim, acabou abandonando a faca e indo embora.

O que era instinto atávico evaporou.
Restou uma semente de esperança.
A compreensão de um lado gerou compaixão.
A compaixão orientou e energizou integralmente o ser.
A atuação foi receptiva.
O resultado foi construtivo.

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Um caso particular, podem dizer. Mas tão especial foi a forma de nosso protagonista ao lidar com isso, que esse particular (visto pelo leitor) dentro desse particular (de comportamento) torna o caso digno de uma realidade capaz de transformar o mundo. Sentimos semelhanças com o de Jean Valjean e o Padre Myriel (Os Miseráveis). Nos faz crer em outros caminhos e incitá o leitor profundo a adotar uma outra concepção de vida e justiça. Eis um caso em que a crença no abstrato se manifestou de forma concreta.

O real está na abstração.
O ilusório está no concreto.  

Um líder (estadista, empresário, chefe,...) que precisa estar rodeado de segurança, sente pouca segurança e portanto se vê inseguro por mais que se rodeie de mecanismos de proteção. Seus atos estão longe de ser um exemplo. Sua visão de vida é restrita e egoísta. É prisoneiro de uma forma mental que não gera ascensão para si ou seus subordinados, mas apenas uma falsa sensação de progresso.

Quanto menos seguranças nos rodeando por fora, mais segurança teremos por dentro.

Essa é a visão que ofereço a todos e todas - especialmente àqueles rodeados de seguranças que fogem constantemente da realidade.

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