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sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Criar ou consumir? - Eis a questão.

Por todo lado observo as pessoas conduzindo uma vida orientada pelo consumo. Quando gido "consumo", estou falando em seu sentido mais forte do termo: consumo de produtos; de serviços; de corpos; de imagens; de sons; de sensações,...de tudo. 

O tempo não volta. Cada dia passado sem uma criação
verdadeiramente substancial - com significado - é um
dia perdido. Não podemos consertar o passado - mas
podemos construir um novo futuro que supere esse
passado mórbido. 
Indivíduos com vida orientada ao consumo preferem assistir TV a ler um livro. Optam por frequentar um ambiente agradável onde não há brechas para desenvolvimentos de ideias, questionamentos e contrapontos. Escolhem fazer coisas que das quais estão 100% seguras de que não terão dificuldades - pois tem formação e experiência naquilo. Consomem um ou mais disso: TV, fumo, sexo, álcool, alimentos processados, redes sociais. Se desviam de um foco com muita facilidade. Sempre pendem para o lado da conversa em grupo repleta de piadas e novidades ao invés de se empenhar num projeto pessoal. Esse projeto pode ser: aprender um idioma, ler e estudar um livro/tema, fazer ginástica, meditar, escrever um texto, compor música, ouvir música, assistir um filme alternativo, debater, refletir, esboçar uma linha de pensamento, dentre outros. Porque é fácil e não exige esforço. Já está tudo lá, pronto para ser consumido - a um preço acessível.

Reparem que os bens e serviços que tem um preço acessível a um público grande são justamente aqueles não-incluídos no rol das necessidades humanas. Eletrônicos, mídias sociais e internet popular abundam. Sistemas de saúde, educação, segurança, infra-estrutura urbana, previdência, alimentos orgânicos, água, áreas verdes e cultura estão cada vez mais distantes (leia-se inacessível) das pessoas. Colocou-se (e coloca-se) esses bens essenciais à vida humana dentro de um circuito monetário regido por mecanismos de mercado - cuja lógica é tratá-los como sistemas a darem lucro, sem que haja uma retroalimentação (retorno) que mantenha a saúde de cada um desses subsistemas. Isso é o capitalismo atual: financeiro, não-focado na produção de bens úteis, não focado na eficiência, adorador da propaganda e da depredação. Capturador dos estados nacionais, que usam da força para reprimir - e de um mecanismo de leis para impedir que a justiça se efetue em certas camadas. 

Pessoas que são orientadas para a criação são um terror para o sistema dominante. Elas querem fazer coisas que estão fora do circuito mercado-moeda. Porque sabem que as necessidades humanas estão em outras regiões. E esboçam ideias de como trazer coisas que estão aí para outro plano, livre da obrigação. E justificam o porquê disso. E espalham como podem a(s) ideia(s). Se mobilizam e vivem. Assim são mais capazes de mobilizar e fazer (outros) viverem. 

Vivemos num mundo de mortos-vivos que estão freneticamente se tensionando em obrigações que poderiam ser feitas de modo muito mais eficiente. E que, como compensação, anseiam pelos prazeres do consumo e pelo conforto máximo, se esbaldando no agradável. Esse agradável, a meu ver, é um fino verniz de civilização que se mantêm a todo custo para evitar visualizarmos a realidade própria - e especialmente, do outro. Aquele outro tão perto e tão longe. E também aquele tão longe e tão perto.

Para criar é preciso buscar - pois nada está pronto. Assim recorre-se ao questionamento e à reflexão, que conduz a um processo de constatação. Assim forja-se um pesquisador. 

Para consumir basta se deixar levar - tudo está pronto, no formato certo, bastando apenas ter o que se pede em troca. 

Mas o dinheiro é apenas um intermediário que esconde a verdadeira extração. O que nos é roubado para termos em troca a ilusão que tanto prezamos é o nosso tempo de vida. Isso não volta. Assim trabalhamos por anos e décadas para pagar contas. Ficamos doentes ao longo dos tempos para juntar dinheiro para tratar a futura doença. Buscamos entrar nas regras do jogo. Buscamos ser agradáveis com todos, evitando todos assuntos que apontem para o transformismo latente que jaz em toda forma de vida. E assim vive-se morrendo ao invés de morrer-se vivendo. Isso tudo é muito profundo. Está nas escrituras sagradas. Mas poucos compreenderam a racionalidade cristalina e científica espalhada pelos grandes sábios, profetas e santos. 

O consumo deve estar preso ao necessário. Nada mais, nada menos. O resto (das energias, do tempo, do conhecimento, da vontade) deve ser lançado para a evolução. Assim me fala a vida.

Albert Schweitzer: renasceu ao
inverter as diretrizes da vida normal.
Muito doce todo dia esboroa o paladar - que fica cada vez mais entediado e exigente, apto a impulsos de gula. Muita TV engessa o dinamismo mental, como um buraco negro que suga tudo para ele. Vê-se um ponto de vista. Nada é tratado com profundidade. Muita fofoca e piada enxugam a sensibilidade e drenam a criatividade. São vícios como o álcool, os cigarros, os estimulantes. Elas rechaçam vozes dissonantes e simplificam questões complexas. Elas tratam profundidade destratando-a elegantemente: enchendo-a de elogios vazios e partindo para o próximo tema - pois este já enjoou e requer demais. 

Quem deseja criar não veio para este mundo ser agradável - apesar de respeitar e ser contido.
Veio para ser todas suas possibilidades. 

Anthony Moore escreve exaustivamente sobre o tema. Ele vive o que escreve - o que dá potência às suas palavras [1]. Ele diz que pessoas extraordinárias não focam nos resultados, e sim no processo [2]. Porque o que constrói a personalidade - desenvolve o Ser - são os golpes da vida, as criações, as dores e as reflexões. Por vezes os abandonos, as violências e as demissões. Os vitupérios e os julgamentos. Em quase todo caso é apenas a dor que nos faz evoluir.

O resultado pouco interessa. É claro que eu vou ficar muito bravo se após meses de árdua dedicação, não adquirir o título de doutor. Mas esse diploma é apenas uma chancela do mundo que lhe permite certas liberdades dentro dele - mas não além. Não vai te dizer suas reais capacidades, que foram dilatadas no percurso de criação tormentosa e intensa, sempre solitária - por vezes desesperada. 

Deve-se dar o devido peso a cada coisa. Isso se chama discernimento. O criador sabe disso. O consumidor se perde no torvelinho de novidades e sensações, sendo presa fácil e parte de um rebanho facilmente controlável. 

Ascender é duro mas é a única chance de dar significado à existência e ampliar a vida. Não podemos nos prender aos outros justamente para nos conectarmos ao verdadeiro outro - e ao nosso Eu. Ficando no plano do agradável caímos no circuito do consumo. Nem altos nem baixos. Segurança. Relações pela metade. Projetos de vida incompletos. Criações emborcadas. Uma morbidez que se torna cada vez mais insuportável com o tempo. Eu decidi: não quero isso. Não sei exatamente o que quero, mas sei que essa vida não está dentro de mim. Logo, devo sofrer e criar à medida que sofro. 

Existem pessoas que já percebem essas coisas. Mas seu medo é tão grande que se recusam a dar um passo sequer para sair do nível em que estão. Tem tudo para isso, mas o medo as paralisa. Querem se garantir - e isso deve ser respeitado. 

Mas eu acredito nessas pessoas - pois a elas falta apenas o exemplo que dá segurança cada vez maior. Uma hora chegará sua hora. Minha vida tem sido a validação constante dessas "teorias" místicas. Não é agora que vou frear.

" Pois quem quiser salvar a sua vidaperdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor a mim e ao evangelho, salvá-la-á."
Jesus, o Cristo.

Referências:
[1] https://medium.com/the-mission/focus-on-producing-and-creating-not-consuming-and-entertainment-4698ecb547f2
[2] https://theascent.pub/ordinary-people-focus-on-the-outcome-extraordinary-people-focus-on-the-process-6d9a0888df01?source=user_profile---------2------------------

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