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quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Er ist wieder da !

Obs: Não sou a favor do fascismo. Em tempos sombrios, em que um autoritarismo completamente desorientado paira sob as nossas cabeças, devo deixar claro que o maior dos absurdos é uma parcela ampla chancelar a ascensão de um homem sem sensibilidade social, destituído de visão sistêmica e que se apóia no ódio e medo das pessoas, para assumir um papel significante - numa vida insignificante. Isso não implica em apontar que "o outro lado" é a salvação. Estamos imersos num mar de lama cuja solução parte da conscientização de cada um. Bom-senso. Quem sente o terror dos tempos deve mobilizar o afeto coragem. É apenas a ousadia inteligente que apresenta uma alternativa. Escrevo a resenha do filme por tê-lo visto nos últimos dias e achado a proposta interessante. Que proposta? A auto-análise da humanidade atual. Tendo dito isso vamos lá.
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"Er ist wieder da!" ("Ele está de volta") é o último filme alemão do diretor David Wnendt com base no romance homônimo de Timur Vermes. Um filme que pode ser considerado uma comédia, mas propõe ao espectador algo que vá além de algumas risadas. 

Quem é aquele que "está de volta"? Ninguém menos do que aquele ex-chanceler da Alemanha, eleito em 1933: Adolf Hitler. 

O roteiro é simples mas extremamente criativo. Consegue extrair características interessantes da sociedade alemã atual baseado na aparição de uma figura histórica que marcou - e continua marcando - profundamente muitas mentes e corações, na maioria dos casos de forma implícita, com um misto de sensações que torna difícil condenações e classificações. Uma aparição repentina, sem explicação à priori. Mas cuja ausência (de explicação) vai se tornando cada vez mais irrelevante à medida que o filme se desenvolve, com o desdobramento de várias situações inusitadas.

Ele está de volta! Para divertir e
refletir - não sobre ele...mas sobre
si mesmo (nós, espectadores).
Aqui não se trata de glorificar o ex-ditador. Trata-se de fazer um exercício de imaginação (à princípio) que possa nos permitir tirar uma radiografia de um povo e, quem sabe, da espécie humana como um todo. É algo que diz mais sobre o nosso íntimo, a nossa memória, e sobretudo nossa imaginação. Diz também um pouco sobre a capacidade que alguns tem de se adaptar ao mundo. O filme é muito mais sobre o estado da sociedade atual do que sobre o chanceler de bigodinho.

Berlim, 2015. De um nevoeiro espesso numa região que abrigou o último ditador do país em seus últimos momentos surge...o último ditador. Em - ao que parece - seus primeiros momentos! Como uma continuação de 1945.

O espectador se depara com um Hitler desnorteado, 70 anos após sua morte. Ele procura informações e acaba se localizando no tempo - com o passar do tempo. E começa a se informar sobre esse mundo moderno.



O diretor não pende para a comédia pura ou para a ridicularização do personagem histórico. Tampouco trata-o de forma completamente séria, ou dá um ar de alguém com poderes sem limites (os tempos são outros). Nem glorifica-o. Nem denigre-o. Não, nada disso. E toma o cuidado de não mergulhar no tema dos judeus*. A meu ver os realizadores do filme quiseram mostrar uma possibilidade muito realista do que ocorreria se o bigodinho voltasse ao mundo a partir de seus últimos momentos, com as mesmas características. Contexto radicalmente diferente, personalidade adaptativa. 



Hitler acaba virando objeto de atenção de um telejornalista por acidente, que o considera um ator que imita de forma muito boa o dito cujo. E a partir daí o ex-ditador usa-se da situação para conseguir se reinserir no novo mundo. 


O Führer expondo suas ideias.
É interessante perceber que Adolf não se demonstra louco o suficiente para insistir que é quem é - mesmo porque ninguém acreditaria nele. Mas ao mesmo tempo age como quem é. Fala abertamente sobre seu passado, ideias, visão de mundo, vida pessoal, entre outras coisas. Age naturalmente e acaba captando a atenção das pessoas. Percebe que precisa alterar muito pouco de seus hábitos e estilo para conseguir alguma posição de destaque. É visto como um excelente ator. Mais ainda: é considerado inovador e original por fazer seu papel em tempo integral. 

O filme chama a atenção durante seu desenvolvimento. Além das cenas que soam verossímeis e naturais para praticamente qualquer pessoa, não é possível deixar de se impressionar pelas críticas incisivas de Hitler ao mundo atual: imigração, desemprego, fome, desorientação das pessoas, estupidez dos programas televisivos, entre outros. Independentemente da imagem que se tem dele, é muito difícil discordar de suas críticas à sociedade atual. 

Enquanto viaja pelo país pergunta a várias pessoas - em aspecto de entrevista - quais as maiores preocupações. Dialoga com elas. São apresentadas visões de mundo diversas, desde uma dona de lanchonete dizendo que não acredita nas eleições, que afirma serem manipuladas, passando por um grupo de idosos que se incomodam com os imigrantes muçulmanos e outras ideias. 

O foco, no fundo, não é exatamente Hitler, mas o modo como as pessoas se comportam diante da "ressurreição" de personagens históricos marcantes - e como estes fariam para viverem uma vida adaptada a um mundo diferente.

O Führer se adaptando às novas tecnologias.
Fascinado pela internet, uma expansão das
possibilidades.
É particularmente engraçado ver o bigodinho se apropriando da tecnologia. Quando lhe é apresentado o computador e a internet, a moça que está lhe ensinando o básico mostra o Google e diz para digitar qualquer assunto de seu interesse. A primeira busca que faz é "dominar o mundo". Se encanta com a quantidade de informações. Navega loucamente como qualquer um de nós faria num momento de investigação e curiosidade.

Paralelamente nos deparamos com momentos marcantes, como sua primeira aparição em rede nacional (como ator, claro). Seu semblante, sua postura e (sobretudo) seu olhar penetrante apoiado por um silêncio desesperador inicial nos coloca em estado de alerta. Sua fala é como ele é: direta e penetrante. Mas demonstra saber incorporar um tom ponderadamente crítico e suavemente cômico , que permite a ele ser quem é de uma nova forma.

No filme vemos um Hitler sujeito a outro ambiente. Outros tempos, outras configurações, outras impressões, outro jogo de forças. Ele percebe isso. Deseja apenas exercer parte daquilo que queria exercer: aparecer e divulgar suas ideias. Que seja respeitado por ser uma figura séria. Para isso deve parecer um pouco cômico - sem no entanto adentrar 

Mais formidável é perceber que o contato de Hitler com o mundo acaba destacando a natureza de certos personagens. Uns amadores (o apresentador Witzigmann), outros inseguros (Sawatzki) ou determinados (Srta. Bellini). Mas a radiografia é sempre precisa em sua essência.

A responsabilidade sobre os males que se abatem é também, em larga medida, nossa. Especialmente daqueles que possuem mais acesso a educação, cultura e riquezas. Uma pessoa apenas é incapaz de controlar 99. Deve haver alguma coisa dentro de boa parte dessas 99 para que sejam capturadas por determinado discurso (ideia), e assim colaborem para que ela se manifeste. De modo que grandes líderes - seja para o bem ou para o mal - são pessoas que conseguem, conscientemente ou inconscientemente - perceber uma certa tendência das massas, e coordená-las para fins específicos. Parte-se de uma natureza (base, o povo, a massa) para se chegar a um fim específico. A culpa é dele (bigodinho), mas igualmente de toda sociedade...Isso é o que esse filme tenta revelar, de uma forma levemente cômica, profundamente crítica, sagazmente ponderada.

"Ele está de volta!" pode apontar para que ele (o espírito de ambição, de conquista, de impulsividade) que animou um ser, mobilizou uma nação e aterrorizou as potências do mundo, está brotando de uma forma diversa em alguns lugares. Se brota do subconsciente, resta a nós orientá-la. Cabe a nós saber conduzir essa força para o bem - e evitar outros males.

A responsabilidade é nossa.


Links e notas:

https://www.youtube.com/watch?v=rUZi67BmY_M (trailer: extended version)
https://www.youtube.com/watch?v=MkGQcw52KQQ (trailer)

* Exceto uma cena, na qual o tratamento é realista e feita de forma madura, sem levar a pessoa que assiste a desenvolver uma falsa impressão das coisas.

Trailer:



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