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sábado, 7 de dezembro de 2019

Sim a generalistas profundos - não a especialistas velozes

Chega um momento na vida de qualquer um, em que a pessoa se vê obrigada (pelas forças da vida) a tomar uma postura diante de certas questões. Fugir se torna impossível, doloroso, insuportável. Evadir é tão ruim quanto enfrentar. A posição é de instabilidade completa. Deixar-se neutro é permitir que forças inferiores tomem o curso de suas escolhas, degradando o espírito. Assim conclui após muitos anos de observação minuciosa.

Parece que não há como conciliar métodos quando se age em profundidade. Ou se preza pela segurança, conforto e imagem - ou pela evolução, incômodo e essência. O primeiro (segurança) é o mais recomendados em tempos de estabilidade, em que o senso comum se encontra em estado estacionário e o regime jurídico opera com total apoio popular e institucional. Mas há momentos em que o segundo (evolução) passa a ser o único modo de levar a sociedade adiante.

A ousadia só terá eficácia quando fizer jus ao nome. Mas ela deve ser inteligente. Uma coragem que tenha a inspiração para se reinventar a cada passo é aquela que sobrevive às intempéries do ambiente e às tempestades da sociedade.

Reestruturação é algo imperativo em sistemas de qualquer tipo. Quando se adentra no reino da vida, isso se torna evidente. Com o refinamento do psiquismo as necessidades se tornam mais sutis, isto é, subjetivas, particulares de cada ser. A dificuldade de operar superestruturas tem relação direta com esse aumento de complexidade dos elementos constituintes, que fazem parte desse grande corpo coletivo - e são coordenados pelo mesmo. As possibilidades de rearranjos crescem paralelamente à probabilidade de colapso. Basta um vacilo, o menor sinal de fraqueza, para que as forças da vida invadam essa nova construção. Trata-se do teste feroz. Uma provocação à forma de vida reinante, que se sente profundamente ofendida quando alguém propõe-se a instituir algo radicalmente novo, seja no âmbito do pensamento, das teorias científicas, das artes ou da atitude. É preciso incorporar no âmbito do subconsciente as lições deixadas pelo passado consolidado em suas glórias e fracassos. Somente assim se ganha condições para trabalhar em níveis mais elevados.

A consolidação da noosfera permitirá à humanidade se
comunicar de forma cristalina, sem ambiguidades. Com
a intenção desnudada, as pessoas tenderão a adotar princípios
cada vez mais elevados. Essa revolução se inicia com a
chamada tecnosfera (internet).
No ser humano desperta o psiquismo. Através dos órgãos refinados do Homo sapiens, o princípio diretor, imanente a tudo e a todos no Universo, pode se expressar de modo mais claro. Nesse nível a compreensão de todos os seres e fenômenos começa a tomar forma. E mais à frente, a compreensão da própria natureza humana. O homem estuda a si mesmo - pois é em seu íntimo que reside o mapa evolutivo.

Na luta pela ascensão a espécie humana passa por revoluções, que nada mais são do que saltos quânticos gigantescos que permitem uma organização mais eficiente (em todos sentidos), refinando a comunicação, criando narrativas e automatizando tarefas repetitivas e nocivas (à saúde e segurança). Yuval Noah Harari, em seu livro Sapiens: uma breve história da humanidade, destaca as três grandes revoluções ocorridas - até hoje - em nossa jovem espécie de 200 mil anos:

1) a revolução cognitiva;
2) a revolução agrícola;
3) a revolução científica.

A primeira se deu aproximadamente em 70.000 a.C. Seu salto se revelou pela maestria adquirida em contarmos histórias. Assim começam as grandes narrativas responsáveis pela coesão dos grupos, criando uma cultura, com hábitos, costumes e rituais repassados de geração em geração. O senso de existir algo após a morte nasce nesse período: muitos fósseis datados dessa época indicam que nossos ancestrais enterravam seus entes queridos com objetos, indicando a crença em haver uma outra vida após o término da jornada física. E com isso o espírito religioso nasce. Numa forma rudimentar e imprecisa, como toda grande ideia que inicia seu desdobramento.

A segunda ocorre próxima a 12.000 a.C. Com ela o Homo sapiens deixa de ser nômade para vivenciar um cotidiano sedentário. Sedentário no sentido de não mais precisar correr desesperadamente, a todo momento, em busca de alimento (que poderia devorá-lo!). Fixar-se na terra permitiu à espécie humana adquirir uma quantidade enorme de energia num pequeno espaço. E estocá-la. Por que? Devido aos ciclos biológicos das culturas, que deveriam ser percebidos e respeitados se se desejasse obter um ganho com a nova técnica.

Se desejamos nos alimentar de trigo, arroz, feijão, etc. durante o ano todo, é preciso saber planejar as colheitas e estocar adequadamente. É preciso ter um senso de organização. Com isso nasce a necessidade de proteção (guerreiros) e uma narrativa própria de cada comunidade, mais formalizada (religiões). A divisão social inicia-se. A partir daí surgem impérios e avanços em todas direções: impérios nascem, crescem e morrem; surge a escrita; a matemática; a geometria; as ciências; a filosofia; as tecnologias; o refinamento da religiões; e grandes personalidades começam a encarnar um ideal que (aparentemente) sempre esteve presente, à espera do veículo transmissor adequado...

A terceira, recentíssima face à idade da Terra (4,5 bi de anos) e mesmo à nossa (200 mil anos), foi a científica, que iniciou sua marcha inexorável rumo à conquista do planeta por volta do século XVII. Através dela foi possível descobrir novos recursos e extrair utilidade do que se julgava pouco útil. Aqui a razão ascende vertiginosamente, rumo ao clímax. Domina cada vez mais, vorazmente. Devora e processa. Cria hipóteses e constrói teorias.

Yuval Noah Harari. Historiador com doutorado em
Oxford. Escreveu livros que tentam capturar a essência
de nós e nossa jornada. E precisar as possibilidades
de nosso futuro.
O mundo moderno começa a sistematizar todo o entorno. Tendo por base as ciências naturais (física e química), a marcha do cérebro humano coloca numa base objetiva os mecanismos biológicos da vida, da sociedade, da organização dos recursos (economia), do inconsciente humano, da genética, das leis humanas. As artes acompanham o espírito do tempo, ora reforçando-o, ora criticando-o. Essa relação dialógica gera uma co-evolução. Surgem novas visões de mundo, colocadas em brilhantes textos filosóficos. Paralelamente as religiões se ramificam.

O alicerce do catolicismo é abalado pelo protestantismo. Em breve surgem derivações deste. Surge mais à frente as doutrinas evolucionistas. E várias religiões de povos explorados, criando um caldo de diversidade. O budismo se torna cada vez mais assimilado pelo ocidente. E assim tem-se um mosaico de visões de mundo que não enxergam sua complementaridade.

Quando o século XX inicia a ciência dá um salto (verdadeiramente) quântico, com descobertas que abalam os fundamentos da ciência e do bom senso. Nasce a Física quântica e a Relatividade Geral. Em breve a cosmologia comprova um Universo finito, com uma origem e um fim. E precisa os momentos de nascimento e morte.

O início do século XXI inicia uma revolução tecnológica, com uma explosão na capacidade de processamento, armazenamento e difusão de informações (se refletindo na tomada de decisões).  Coisas se tornam bits. A inteligência artificial, a internet das coisas e a automatização dos processos físicos e computacionais dá início a uma revolução que obrigará o ser humano a se reposicionar face à lógica econômica que criou há duzentos anos.

Num mundo em que a máquina agrada mais ao sistema econômico do que nós, humanos, qual será nosso papel? No campo físico e mental estamos sendo ultrapassados pelas nossas próprias ideias e criações. Desocupação crescente. Riqueza crescente. Atividades repetitivas tendem a ser relegadas às coisas que mais eficientemente desempenham os infindáveis ciclos: a IA. Nós devemos ocupar outros campos. Mas...que campos? Eis que inicia-se uma nova revolução...

Assim como Pietro Ubaldi,
Teilhard de Chardin começou a construir
uma visão unificada e telefinalística
do ser humano.
Conforme dito alhures [1], o mundo contemporâneo exige de nossa espécie um completo rearranjo para prosperar. Não podemos mais nos contentar em sermos especialistas no trabalho e consumidores no tempo livre. A vida irá nos martelar em ambas as frentes. No trabalho ela nos colocará diante de desafios que exigem ver todo o elefante na sala - não apenas tocar numa parte dele e representá-lo a partir disso. No tempo livre ela nos exigirá um uso racional e equilibrado dos recursos, que estejam relacionados à nossa atividade laboral. Dessa forma o tempo livre se aproxima da utilidade do trabalho - e esse ganha a liberdade típica do tempo livre. Trata-se de uma integração entre trabalho e tempo livre, minimizando os rótulos tanto de um quanto de outro. Na verdade, com essa fusão, ter-se-à cada vez mais a percepção de que o trabalho é um dever pleno de sentido - e de que os momentos de liberdade total são a oportunidade de se conhecer melhor, e assim desvendar os mistérios do universo e do infinito.

O mundo precisa de generalistas lentos e profundos - e não especialistas velozes e rasos. Os primeiros também possuem sua especialidade, mas colocam ela a favor das forças da vida, que são percebidas através de um sentimento elevado que se aliou a uma razão sensata. Tem-se aí o início de construção de uma nova forma de inteligência (a intuição), que alia a eficaz lógica da mente com o nobre sentimento do coração.

O generalista profundo, além de ter se especializado em uma ou duas áreas muito específicas do saber humano, possui:

a) uma visão sistêmica de tudo;
b) uma capacidade de síntese ímpar;
c) uma sede por conhecimentos gerais.

A visão sistêmica dá à pessoa capacidade de perceber o fio condutor que liga os fenômenos, os seres e os eventos. E como estes reinos se relacionam no tempo. É uma percepção clara da essência comum entre duais ou mais entidades manifestas. Com essa competência é possível elaborar sínteses.

Capacidade de sintetizar significa incorporar vários aspectos comuns a vários fenômenos, grupos, pessoas, ideias, etc. É colocá-los numa base compacta, criando um modelo mental que permita perceber o mundo num nível mais límpido. Para que?, alguns podem questionar. Para a partir daí extrair uma nova perspectiva, que pode colimar numa nova ideia ou (mais importante) numa nova atitude. Eis a gênese de novas formas de vida, que poderão, a depender do caso, serem revolucionárias, como foi a de São Francisco de Assis.

A sede pela multiplicidade deve se dar de forma orientada. Pode-se buscar conhecimentos, mas sempre em função de um melhoramento. Já desenvolvi esse tema anteriormente, esboçando um diagrama gráfico que desse uma ideia mais precisa da visão [3].

À medida que essas revoluções se dão, podemos pontuar processos intermediários (revoluções dentro de revoluções), como sequencias naturais de desenvolvimento. E nesse subnível, um outro subnível dentro de cada um deles. Tratam-se de especificidades comuns, decorrentes do desdobramento da ideia-mãe, que lhes dá a base para prosseguir. Assim é possível construir um diagrama progressivo, em que o último nível pode ser desdobrado em vários subníveis, sendo todos uma sequência dentro de outra.

Geosfera  >>> Biosfera >>> Noosfera*

   * Australopithecus >> Homo Neandertal >> Homo sapiens **

        ** Rev. Cognitiva >> Rev. Agrícola  >> Rev. Científica ***
                       
              *** Rev. Francesa >> Rev. Industrial ****

                   **** Máq. a vapor > Eletricidade e petróleo > Computação e nuclear > Automação, IA, ...
Quanto mais específico um movimento, menor seu ciclo. E quanto mais se progride no âmbito geral, cada série de ciclos e subciclos se dão de forma mais intensa. Daí o motivo dos movimentos frenéticos de nossa sociedade. Vivemos numa era de transição profunda, em que as forças da vida martelam através de nossos próprios desenvolvimentos, livremente buscados. Parece que em breve estaremos aptos a realizar um fechamento de todos os ciclos anteriores para consolidar a noosfera e seguir adiante. Mas antes disso é necessário iniciar um desdobramento a partir de onde estamos (descer mais um nível, iniciando uma nova sequência).

Essa dança desconhecida segue leis precisas que ainda desconhecemos. É imperativo capturar os ritmos e dançar ao som das forças vitais. O fechamento de inúmeros ciclos é um momento muito tenso, em que agonia e êxtase se combinam, formando condições e trazendo revelações. Revelações cada vez mais adequadas ao mundo moderno. E assim os valores do mundo espiritual se renovam. Pietro Ubaldi veio ao mundo para demonstrar isso, através de sua vida e obra.

Referências:
[1] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2019/11/engenharia-para-que-para-quem-para-onde.html
[2] TANK, Aytekin. Why the world need deep generalists, not specialists. Disponível em: https://www.jotform.com/blog/the-world-needs-polymaths/
[3] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com/2014/11/um-ciclo-duas-fases-piramide-expansiva.html

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