"A humanidade necessita não somente chegar a uma religião científica, mas também construir uma ciência que entenda, explique e sustente o conteúdo das religiões, para poder assim, utilizando todos os valores biológicos, orientar-se melhor, utilizando todo o conhecimento, energias e ideias que possam ser úteis à vida."
"Para o cientista, o filósofo não é positivo. A filosofia não merece atenção, porque se ocupa de coisas afastadas da realidade. Para o filósofo, o cientista é um ignorante dos problemas universais. Se o filósofo se torna cientista, é julgado um incompetente. Se o cientista se torna filósofo, não é reconhecido, porque não usa a linguagem e a técnica conceptual da investigação filosófica."
"Hoje, como dizíamos, o cientista filósofo é condenado tanto pelos cientistas, que o consideram deficiente no aspecto técnico e positivo, como pelos filósofos, que o julgam inábil para usar a linguagem e os conceitos filosóficos. No entanto a função dele não é ficar encerrado em nenhum dos dois campos, mas sim estender-se em ambos, dando às especulações da filosofia as bases positivas da ciência e elevando as constatações positivas da ciência até às abstratas generalizações da filosofia."
"Não se trata de um aproveitamento ou deformação da ciência, com a finalidade de fazê-la concordar com a filosofia e a religião, torcendo o materialismo para adaptá-lo ao espiritualismo, nem de uma contorção ou mutilação da filosofia e da religião, com a finalidade de fazê-las concordar com a ciência, deformando o espiritualismo para fazê-lo aderir ao materialismo."
A Descida dos Ideais, Cap. XII (grifos meus)
Fig. 1: A ciência pode se julgar absoluta, negando seu próprio princípio relativista.
A religião pode se julgar absoluta, negando seu próprio princípio de moral.
Figura de: analogicus (Pexels).
O antagonismo é característica do Anti-Sistema (AS). Neste universo imperfeito, em transformação perpétua, as assimetrias viabilizam os feitos - sejam eles bons ou ruins [1]. Esse desequilíbrio é o que permite a evolução - que nos levará a salvação. Portanto não é na extinção das assimetrias que devemos focar nossas preocupações. A questão é outra. Ela envolve a interpretação do fato, primeiramente; e da compreensão das finalidades de tudo isso que nos envolve.
Não é apenas no mundo físico e químico que vemos o princípio do desequilíbrio atuar como agente genésico de todos fenômenos da matéria bruta (dita inerte). O reino vegetal e animal (mundo orgânico, vivo) igualmente se apoia nesses desequilíbrios. São sistemas abertos, cuja sobrevivência depende disso para efetuar seu metabolismo em seus dois aspectos: catabólicos, para desassimilação, e anabólicos, para síntese (Fig. 2).
Fig. 2: Dinâmica do metabolismo.
Fonte: [2]
O processo (metabólico) necessita da energia. Necessita expeli-la e reabsorvê-la, simultaneamente e continuamente, em doses certas. O "depósito de lixo" do catabolismo é a fonte do anabolismo. Tudo é aproveitado para um fim superior. Nada é perdido. Nenhum gesto é em vão. Esse princípio perpassa todos os níveis de existência; todos graus de consciência, até chegar ao ente humano. E vai além - muito além do que possamos imaginar. Por isso Sua Voz diz, em A Grande Sìntese, que nenhum ato de nossas vidas se perde. Ele fica registrado na eternidade.
Seres vivos são sistemas termodinâmicos abertos. Isto é, trocam matéria e energia com o meio. E devido a isso eles não estão em equilíbrio. E graças a isso eles podem manter um estado de complexidade alto.
Indo mais adiante, possuímos um outro domínio que inicia a manifestação no reino animal: o psiquismo. No ser humano ele adquire um destaque especial, já que é no homem que começam a surgir interpretações baseadas nos cinco sentidos. Constroem-se modelos mentais do mundo através da memória e de relações. A partir daí surgem nossos símbolos e construções. As especulações nascem. Um sistema intangível - que governa os afazeres tangíveis - começa a se esboçar, permitindo uma potenciação de atuação e uma compreensão do entorno.
Na esfera do psiquismo surgem choques de ideias, de valores, de visões de mundo. E a partir desses contrastes surgem, ao longo do tempo, novas ideias, novos valores, e novas perspectivas. Tudo evolui de forma mais proeminente no mundo humano. A reprodução cultural adquire um dinamismo que a reprodução sexuada e assexuada - ambas do âmbito infra-humano e humano - não possuem. Seus ritmos são mais rápidos; há uma menor dependência do substrato físico para sua manifestação. Elaborar ideias é diferente de elaborar criaturas orgânicas. O processo, em seu âmago, possui o mesmo princípio. Mas há um quid introduzido da evolução cultural que a destaca em muito da evolução biológica.
Todos esses aspectos evolutivos a ciência não apenas admite, como os estuda. A religião está focada num outro campo, igualmente importante: nossa origem e destino, as causas das dores, o nosso melhoramento moral.
Mas a questão é que há uma dificuldade muito grande por parte dos expoentes da ciência e da religião em relacionar seus respectivos objetos de estudo com aqueles situados no outro campo. Não apenas isso, mas construiu-se a ideia de que a afirmação de um campo implica na negação do outro. Logo, ou se é religioso e nega-se tudo que contradiz os dogmas - ou se é científico e ridiculariza-se tudo que parece fantasioso. E a verdade é que, até um certo ponto, os dois lados estão certos e errados.
Como Ken Wilber vislumbrou magistralmente, todos entes do Universo possuem partes da Verdade, e cada uma dessas incontáveis partes deve ser reconhecida, honrada, celebrada e integrada numa ordem mais graciosa.
Fig. 3: "A espiritualidade autêntica é revolucionária. Ela não legitima o mundo,
ela quebra o mundo; ela não consola o mundo, ela o despedaça. E
ela não se satisfaz, ela desfaz "
Certa vez, quando eu trabalhava em empresa, um colega de mente aberta, humilde e muito inteligente, comparou a religião a uma engenharia de requisitos de alto nível; enquanto a ciência seria uma mesma engenharia de requisitos, só que de baixo nível.
Traduzindo:
a religião trata de questões gerais, de objetivos supremos, de metas, de longo prazo, de coisas que extrapolam os limites conceptuais da inteligência presente, mergulhando na natureza e gênese do fenômeno;
a ciência descobre os fenômenos, suas relações, sua evolução, de modo gradativo, em detalhes, com minúcias que permitem segurança de afirmação e rigor de caminhar.
Nas fronteiras de uma encontramos a outra. Cada vez mais evidentemente. E num futuro muito breve, iniciar-se à uma fusão entre ambas, tornando nossa percepção da realidade uma só: tanto religiosamente científica quanto cientificamente religiosa.
Wilber nada mais fez foi confirmar a realidade mais profunda da vida, do cosmos e da evolução, tão bem vislumbrada por Pietro Ubaldi. Quando este terminava sua Obra, aquele iniciava sua jornada. Mas ambos possuem o mesmo objetivo: chegar a Deus de forma cada vez mais consciente, unificando e amando.
O ponto em que eu queria chegar é: sabemos muito pouco. Nossa jornada mal começou. Somos crianças ignorantes que acabaram de descobrir ferramentas poderosas e mais brincamos com ela - abusando loucamente ou recusando teimosamente - do que as utilizamos para melhorar nossas vidas.
E assim como iniciei este ensaio, irei concluí-lo, deixando Sua Voz jorrar a luz de seus conceitos e seu amor:
"Não desperdiceis vossas energias, não pareis à beira do caminho e não adormeçais, pois a vida está desperta e caminha. Se, a cada dia, tiverdes sabido criar no espírito e na eternidade, se tiverdes dado a cada ato esse objetivo mais alto e mais substancial, tereis caminhado com o tempo e não direis: o tempo passou! Tereis renovado vossa juventude com vosso trabalho e não havereis envelhecido tristemente. Então não direis mais da vida: vanitas vanitatum"
AGS, Cap. XL
Referências:
[2] https://conhecimentocientifico.r7.com/metabolismo/
[3] UBALDI, P. "A Descida dos Ideais"
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