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sábado, 28 de agosto de 2021

A falência da objetividade

O transformismo evolutivo é conduzido pelas leis do cosmos através de um princípio único, além do espaço-tempo, que afirma e unifica.

Frase do autor

O pé de Aquiles do método objetivo reside justamente naquilo que acostumamos a ver como seu ponto mais forte: a capacidade de estabelecer uma base comum, aceita por todos - porque captável pelos sentidos de qualquer um que nasça sem alguma restrição sensorial. Essa base serve para criar consensos. Tanto na vida profissional quanto na vida pessoal, a filosofia da objetividade tem servido para evitar ou mitigar conflitos e dores; para fazer a ciência avançar de modo consistente e efetivo; para fornecer segurança às relações entre pessoas no âmbito profissional; para servir de norma de conduta social para evitar sujar a imagem própria. Trata-se não apenas de uma filosofia de vida, mas de uma ciência de relações humanas. Porque o progresso da ciência visa satisfazer interesses humanos (descobertas e invenções) que trazem maior bem-estar (mesmo que restrito a grupos/classes/nações) que por sua vez forjam uma maior liberdade em planos elementares de vida. Com essa liberdade em baixo é possível fincar ganchos de investigação em níveis superiores de existência.

Fig.1: Não é questão de convencer por argumentação - é questão de sentir por convicção íntima.

O ser que deseja progredir neste mundo deve ter em mente as limitações impostas pela forma mental que plasma e sustenta o sistema vigente. Isso evitará impedimentos que inviabilizem a construção de obras muito especiais. Dessa forma fica evidente que não basta ser bondoso (moral elevada, porém  imaturo, com inclusão incipiente) nem inteligente (razão desenvolvida, porém egoísta e exclusivista): é imperativo fundir inteligência elevada com moral elevada, forjando uma nova forma mental.

A objetividade é uma ferramenta que alavancou o intelecto. Um movimento iniciado pelos gregos formalmente (filosofia), que se desenvolveu até um ponto em que começaram a gerar ramos específicos do saber (ciência), que adquiriram um método comum: o método científico. Com um período de incubação na Idade Média, após o Renascimento (séc. XV-XVI) ressurge o ímpeto iniciado pelas escolas de pensamento grego. Esse renascimento é o ressurgimento de um processo que se manteve escondido nos porões, se desenvolvendo de forma lenta e sem divulgação - mas no entanto se preservando através do próprio fenômeno evolutivo, que mantém em estado latente as ideias que devem dar seu rendimento futuro.

Atualmente vivemos uma era de incertezas. Zygmunt Baumann, um dos mais proeminentes pensadores do final do século XX e início do XXI, cunhou um termo apropriado: modernidade líquida. Sua analogia é apropriada: as relações humanas (sociais e afetivas); o mercado de trabalho; as afirmações proferidas por governos, povos e corporações; as (tentativas de) teorias no campo da ciência; as correntes de pensamento "inovadoras" pós-modernas; etc. Tudo é incerto e pode mudar da água para o vinho da noite para o dia, sem que haja alguém capaz de prever os acontecimentos futuros. De repente a visão de Laplace (sécs. XVIII-XIX), de que qualquer coisa no Universo (ente vivo ou não-vivo) pode ter sua trajetória e destino determinado com precisão a cada momento, bastando para isso o conhecimento de todas as suas propriedades e condições iniciais, se revela falsa - apesar de possuir algumas verdades.

A Mecânica Quântica e a Nova Cosmologia desfiguraram as certezas sendo construídas e consolidadas desde a Renascença até finais do século XIX. De repente, um sistema de crenças (na ciência clássica) acaba se tornando um relativo - certeiro apenas num âmbito utilitário de superfície, racional e material - contido num absoluto vasto, intuitivo, imaterial e misterioso. Paralelamente, no campo do psiquismo humano e na coletividade de nossa espécie, as relações pessoais e profissionais passam por um breve período de certeza (estabilidade no emprego, leis trabalhistas, planos de carreira, uniões formais, garantias, bem-estar, serviços básicos, relações estáveis, simplicidade dos gêneros, delimitação clara das ideias, etc.) para uma era de volatilidade, instabilidade, esboços de ideias e atos fora do comum, - que desafiam o bom senso e mesmo as teorias consolidadas acerca do ser humano e a consciência - entre outras. Os gêneros se multiplicam, trazendo uma combinação multifacetada. Questões são levantadas. A tecnologia se sofistica a ritmo vertiginoso. Da era do petróleo, passando pela eletricidade, nuclear, eletrônica, computacional, digitalizada, automatizada, colaborativa, de redes, de impressão 3D, de agilização (porém não superação) das barreiras espaciais e temporais, dando espaço para alguns se debruçarem na consciência. 

Fig.2: Se para julgar objetivamente devemos despir algo ou alguém de todos atributos objetivos, 
devemos admitir que a objetividade é impotente diante da verdadeira avaliação dos fenômenos e pessoas.

As religiões inovam com radicalismos e sensacionalismos. As correntes filosóficas se refestelam em pensamentos antigos, reconhecidos pelo inconsciente coletivo como belos e poderosos, alterados com floreios de estética e restrito a círculos de intelectuais - tão transbordantes de argumentos e aparências que nada sobrou para a essência do Universo e da Vida. 

Nesse turbilhão dinâmico cheio de medos sem sentido e esperanças pueris, agitam-se as massas, presas numa forma mental cujas variações são apenas de aparência. O ser realmente diferente, singular, com um delta na vertical da supraconsciência, é raro, raríssimo. Os místicos estão enterrados num oceano de sensações e barulho, construindo os alicerces para um novo mundo...ou melhor: uma nova civilização: A Civilização do Terceiro Milênio. 

Nesse século XXI a objetividade (método supremo da ciência e suprassumo do serviço público) parece ser a solução de todos conflitos, todos problemas. Parece ser o caminho a ser traçado para se evitar qualquer conflito e se chegar a um estado estacionário, sem injustiças. Pois tudo que é subjetivo é particular a uma personalidade. E tudo particular a algo ou alguém não pode se destacar sobre aquilo que é comum a tudo e todos. No entanto, essa máxima, apesar de ser efetiva em muitas situações, não explica as exceções da História e os saltos evolutivos.

Todos acontecimentos que impactaram a humanidade, gerando uma onda que se propaga através dos séculos (sem jamais cessar em sua essência, apesar de mudar de forma), tiveram sua gênese em questões subjetivas. 

Querem exemplos? Vamos lá...

  • Os milagres, pregações e toda a vida do Cristo;
  • As intuições dos gênios que nos deram sinfonias, teorias, ideias e inventos inimagináveis;
  • O contato dos espíritos que geraram uma doutrina (espiritismo);
  • A vida e obra de Pietro Ubaldi;
  • Os fenômenos de aparições (ex.: Fátima em 1917, Garabandau nos anos sessenta).

Poderia ficar abrindo parênteses e ramificando cada um deles, e citando ainda tantos outros. Mas a ideia já fica evidente. As coisas que depois começam a ser estudadas, analisadas, seguidas através de séculos são justamente aquelas cujos 'fundadores' afirmaram verdades incompreendidas tanto pelos povos quanto pelas elites. Práticas 'impossíveis' e formas de fazer invulgares. Não somos capazes de reproduzir as grandes criações da humanidade porque nos recusamos a entrar no estado de espírito que nos levaria a operar milagres. O máximo que somos capazes, dentro de nossa gaiola segura de objetividade, de lógica racional e de passos calculados visando benefícios, é admirar e compreender um pouco os produtos dos lampejos do gênio, do santo, do herói (os super-homens).Nada mais além disso. 

Por quê nada mais?

Porque estamos presos a certezas que se revelam úteis em todas ocasiões da vida ordinária - mas impotentes diante dos grandes desafios que a vida nos lança a cada momento. 

No livro Ascese Mística Ubaldi explica de forma muito clara essa questão da subjetividade e objetividade, revelando que se trata de algo muito mais profundo. Afirma com segurança inabalável que o próprio método objetivo se apoia em axiomas que não podem ser provados/demonstrados

"A ciência tem recolhido todas as pedrinhas do grande mosaico, procurando reconstruir o grandioso painel, sem, todavia, lograr nada mais do que delinear uma simples figura. Trata-se de um longo caminho e de um método extremamente prolixo, a tal ponto que pode ser considerado inadequado à consecução da síntese máxima. Evidencia-se, dessarte, a inépcia da ciência e, consequentemente, uma fundamental questão de método, o qual, da forma como é concebido, nada mais pode ser do que um eterno caminhar, incapaz de atingir uma síntese."

Ascese Mística, Cap. IV (grifos meus)

O que se observa hoje em dia é isso: criações de métodos que preenchem o tempo e teorias vazias de significado. Complicações devido à falta de orientação. Falta de abertura da mente para uma realidade maior, que se revelará apenas com a abertura da alma. Neil Turok, um dos físicos mais famosos da atualidade, criador da teoria do universo espelho [1], diz isso. 

"O método da intuição consiste apenas numa extensão do mesmo sistema comum a todo desdobramento ideológico. Isto significa estender o mesmo contato intuitivo a todo o desenvolvimento, mantendo-se constantemente no sistema axiomático, sem buscar apoio racional. Se “o axioma é o contato intuitivo com o absoluto”, estendo esse contato e o torno contínuo e universal. Não condeno, pois, a ciência; considero-a, antes, como uma centelha de pensamento que se estende até ao ponto onde não está demonstrada e aonde não chega a sua atividade racional. Amplifico, assim, seus fundamentos num método que, embora acessível somente a quem, por evolução, tenha-o conquistado, é o único que verdadeiramente pode atingir o conhecimento."

Ascese Mística, Cap. V (grifos meus)

Não admite-se essa verdade porque a humanidade não atingiu o grau de maturação evolutiva para compreendê-las. É por isso que Ubaldi reverbera que é fundamental buscar a maturação interior. A busca por métodos e formas exteriores só nos levam até certo ponto. Vivemos uma época de saturação do método objetivo, e com isso muitos, perdidos como crianças numa imensa e densa floresta, cheia de criaturas selvagens, remastigam verdades do passado, atendo-se ao que dá certo num âmbito limitado - que o evoluído percebe. 

Não haverão criações prodigiosas com os métodos atuais. Escrevam isso na pedra. Observando o mundo à nossa volta (com muito cuidado e atenção!), percebe-se isso: pseudocriações que desmoronam assim que alguém tem oportunidade de desmascarar. É relativo destruindo relativo, e com isso realizando a obra de Deus e objetivo da vida: evoluir. 

O ser humano mastiga alimento velho e com isso vai se enjoando. O fantástico se torna menos utopia e mais possibilidade. E nesse momento o perigo é iminente: a imensa maioria busca soluções na subjetividade de superfície, que se afirma com base em aparências, formas, fazendo amplo abuso dos medos e expectativas. E aí reside a tarefa de quem já vê: é preciso explicar da forma mais sintética, poderosa e destemida, que há uma subjetividade de profundidade, que mergulha na essência dos fenômenos. É uma aproximação da alma ao absoluto, superando a barreira do espaço e do tempo. 

"O valor da objetividade reside inteiramente nesse consenso humano, que certamente não contém a chave do absoluto, nem pode ser tomado como medida das coisas."

 Ascese Mística, Cap. V

É uma questão de compreender e sentir - não de classificar e raciocinar utilitariamente. 

"Mas não é tudo. O método objetivo baseia-se totalmente sobre um erro fundamental de situação, que lhe impede a penetração conceptual dos fenômenos. Esse erro consiste na distinção entre o eu e o não-eu, entre o sujeito e o objeto, entre a consciência e o mundo exterior. Sobre esse individualismo, filho do egoísmo, baseia-se toda a psicologia científica hodierna."

Ascese Mística, Cap. V (grifos meus)

Essa distinção entre o eu e o não-eu é o atestado de que vivemos (e valorizamos) no dualismo. E só. É preciso ter em mente de que tudo está fundido: o menor no maior, e assim por diante, até o infinito, formando um esquema monístico do universo. O dualismo nada mais é do que a ilusão de separação, que acaba por alimentar a ideia de que qualquer coisa que não tenha a chancela da maioria - da quantidade, do consolidado (superficialmente), do poderoso - é inválido. Aí reside o erro que impede a nossa civilização de dar o salto que a salvará de uma grande catástrofe: um processo de muita dor, tanto mais desesperador quanto mais fincado na matéria e nos métodos do mundo estiver a criatura. 

Fig.3: Quem enxerga as coisas percebe o absurdo do mundo.

Enquanto, no método intuitivo, a consciência, fazendo-se humilde, mas sensível, logra transportar-se, por vias interiores, do seu íntimo à íntima essência dos fenômenos, no método objetivo, a consciência, permanecendo autônoma e volitiva, não apenas suprime sua sensibilidade e sufoca a voz dos fenômenos, mas também, chocando-se contra eles, sem penetrá-los, detém-se na superfície, na forma, não tocando senão aparências e ilusões. O pensamento de Deus, que está no íntimo das coisas, retrai-se quando é enfrentado com uma psicologia de dúvida e de violência, no entanto revela-se espontaneamente a quem se aproxima com amor e fé. Tal é a lei da vida. 

Ascese Mística, Cap. V (grifos meus)

A verdade é sentida por quem compreende: se destacar para querer penetrar como um ente estranho ao fenômeno para dele obter uma vantagem imediata e utilitária (no sentido mais superficial), já interpõe uma barreira. Sim: ela é criada pelo método objetivo, que impede a descoberta de realidades vastas. Falta de fé, isto é, sintonização com as forças da vida e os princípios divinos...

O método intuitivo (baseado no subjetivismo humilde e sensível), derruba as barreira e assim o fenômeno se revela. Repito: é uma questão de viver plenamente.

Uma vida sem sentimento é uma vida vazia, mesmo que encastelada na segurança. Essas estruturas ora e volta desmoronam, trazendo desespero. A vida do autor vem comprovando isso: sempre que uma escolha foi feita, um caminho trilhado, um gesto pronunciado, tudo é preenchido com sentimento, significado e valor - caso contrário, o sentimento é de que tudo é robótico e nada vale realmente a pena. 

Esse ensaio, deixado num oceano de informações, é lançado como uma garrafa pequena e transparente. É ouro para quem sabe reconhecer a mensagem; novidade para quem está entediado; inutilidade para quem se chafurda na lama de uma vida de indiferença e brutalidade, cheia de gozos. As palavras são fortes porque os tempos assim o demandam. O autor não pensa em sua imagem, mas no princípio que transborda de sua alma. Ele é ferramenta e não Fonte. Ele é um servidor e não aquele que busca ser servido. 

E assim mais uma chispa de luz é emitida. Emitida de um ente que já sente um pequena parcela do que os Mestres sentiram plenamente.

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