Parece
óbvio para quem se deu ao trabalho de, do “nada”, concretizar
alguma coisa, seja invenção, teoria, filosofia ou obra de arte,
recolher os méritos de sua “criação”. Nada mais justo para a
mentalidade presente. Nada mais do que uma obviedade aparente, muito
distante de uma realidade profunda.
Quem
“cria” parte de algum ponto. Utiliza elementos já presentes e ao
seu alcance. Usufrui de ferramentas, métodos e idéias já seguras,
graças a aceitação da maioria das pessoas e instituições. E daí,
aliado a um certo senso de insatisfação, se projeta para o
desconhecido, obtendo sucesso ou fracasso no presente. Se
suficientemente madura e bem intencionada, é provável que tenha
fracasso no presente, mas somente para obter o sucesso definitivo –
no futuro. Não poderia ser diferente. Mas isso ainda não torna a
pessoa criadora, e sim descobridora.
Monumento aos descobridores (tardios) das Américas. |
Aprofundemos
o conceito.
A
partir do ponto em que tudo que se conhece foi criado (com ou sem
finalidade, dependendo da crença da pessoa), nada mais restou às
criaturas deste universo senão descobrir o seu meio e a si mesmas,
além de reorganizar os elementos a seu favor. Isso seria criação
de um ponto de vista restrito. Isto é, considerando que a partir do
surgimento do cosmos (do tempo e espaço e matéria e todo pacote)
não houvesse uma previsão – por parte de um possível arquiteto
cósmico – das infinitas possibilidades de reagrupamentos que
poderiam ocorrer. Isso é muito importante, porque se trata de uma
percepção que altera o comportamento.
Da
mesma forma que considerar o acaso traz uma série de implicações,
– como a de considerar criação original tudo que se concretiza a
partir de nossas mãos ou cabeças – sentir uma ordem em tudo e
todos leva a outras implicações. Em primeiro lugar, essa visão (de
ordem e telefinalidade) nos leva a reconhecer “criações” nossas
como algo apoiado numa série de “criações” anteriores ou
adjacentes, formando uma idéia de interconexão com: (1) a
multiplicidade de mentes; (2) todas realizações passadas; e (3)
possibilidades futuras que em nada se assemelham ao presente. Em
segundo, essa interconexão sentida nos dá uma imagem de uma
pirâmide na qual a base estava, desde o princípio do que conhecemos
como Universo, inteiramente construída e solidificada, restando a
todos que viessem posteriormente construir a partir de sua base para
ascender – materialmente, organicamente, mentalmente e
espiritualmente.
Em
suma: para quem crê que tudo é ordem e caminha para algo melhor
(mesmo que demoradamente...infinitamente demoradamente...), existe
uma única criação. Uma proto-criação absoluta. Uma criação
original e portanto única e verdadeira. E assim todas nossas
realizações são no fundo descobertas. E o que designamos por
criação (humana) nada mais é do que um meio para nos libertar de
pesos materiais e mentais, e assim podermos descobrir mais a respeito
de nosso meio e de nós mesmos.
A criação de Adão na Capela Sistina. Materialização de algo muito mais profundo. |
Pense
nas tecnologias. A invenção do trem, do carro, do avião, e de
outros transportes tem a finalidade de diminuir tempos de trajeto,
aumentar a segurança dos mesmos e com isso aproximar as pessoas; a
comunicação (ainda teoricamente) tem a finalidade de aumentar as
trocas de idéias e difusão do conhecimento. Elas não são fins em
si mesmas. Mas ao mesmo tempo são imprescindíveis para que nos
aproximemos do fim – evolução suprema – desde que utilizados
com parcimônia e por motivos úteis. Fazer isso é difícil, uma vez
que a humanidade em seu coletivo ainda é como uma criança comum de
5 anos que se deslumbra com os novos brinquedos e dá todo valor a
eles, não percebendo que se trata de uma etapa .
“E
conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará.” (João 8:32)
O
descobrimento é um passo rumo à verdade absoluta. É uma verdade
relativa impressa – antes pelo indivíduo explorador, depois pelo
coletivo internalizador – no seio dos seres que auxiliará outras
verdades presentes, compreenderá verdades passadas ignoradas, e
conduzirá à maturação de verdades futuras. Esse descobrimento
permite uma série de novas ordenações (“criações”) que irão
futuramente (após muitas dores provenientes do mau uso) aliviar a
humanidade de fardos. E com isso nossa espécie poder-se-á
concentrar-se em novas descobertas, mais profundas, que englobarão
realidades mais vastas. E sucessivas descobertas – permeadas de
dores e desesperos e trabalho árduo pouco reconhecido e nada
remunerado – nos trarão libertação de inúmeras mazelas,
deixando a alma livre para alçar novos patamares. Evolução em
ciclos.
A
Verdade nos libertará.
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