quinta-feira, 20 de abril de 2017

O Melhor da Juventude (La Meglio Gioventù)

O que são as coisas do mundo além de meios para atingirmos fins mais elevados? O que são as experiências humanas além de períodos de sensações, ganhos de conhecimento, conquistas ou fracassos - temporários e tangíveis - para elevarmos nosso Ser a um patamar mais alto de consciência? O que é a vida a não ser um meio que deve se desgastar para criar graus de consciência cada vez mais elevados?

Nada neste mundo deve servir a si mesmo. A vida nada mais é do que uma manifestação de um princípio superior, imaterial, consciente, individual, que anima a matéria, dando-lhe forma, sentimentos e capacidade de pensar. O que se desgasta ao longo de nossa existência - uma de muitas! - é o físico, o material. A consciência em nada se desgasta. Apenas adquire experiências e com elas, conforme souber reagir à dor, adquire maior grau de maturação evolutiva, assimilando toda a série de ganhos e perdas do mundo para se libertar. Cada vez mais. Cada vez melhor.

As possibilidades eram inumeráveis.
Os personagens, poéticos, intensos, profundos.
A Sétima Arte (O Cinema) pode ser um dos meios mais potentes para elevar o ser humano a um grau de compreensão mais profundo da realidade, partindo da vida das pessoas. Na telona vemos uma história se desenvolver; personagens incorporando o roteiro, dando vida ao que está escrito; ouvimos uma trilha sonora que acompanha o palpitar da história contada, revelando o indescritível, transmitindo a potência dos sentimentos que guiam nossas ações nesse mar de formalidades que se tornaram demasiadamente estáticas e errantes. Isso tudo, aliado à capacidade de concentração propiciada pela telona - uma sala escura, em silêncio, onde sua concentração é máxima - pode ser um bom servo: uma seta para o infinito.

La Meglio Gioventù é um filme italiano de 6 horas, separado em quatro minisséries de 1h30 cada, que pinta um quadro dinâmico de uma família e alguns personagens - e um país, um mundo, com sua forma de vida e instituições. Um quadro que se incia em 1966, quando Nicola Carati e Matteo Carati, irmãos de uma família de classe média italiana de quatro filhos, inesperadamente alteram a rota de suas vidas para resgatar (ou tentar) uma moça - Giorgia - de uma instituição psiquiátrica cujo tratamento dado aos pacientes era duvidoso. 

Nicola, estudante de medicina. Brincalhão mas responsável. Seu equilíbrio se revelará ao longo das décadas, com as surpresas e os golpes da vida. 

Matteo, estudante brilhante. Rapaz forte, inteligente, e com uma vontade de justiça muito acima da média, o que leva a constantes conflitos com o mundo.

Os personagens estão definidos. O meio está dado. A trajetória de cada um seguirá leis determinadas pela essência de suas personalidades, inexoravelmente, levando a destinos diversos, mas com um ponto em comum: a vontade de encontrar um sentido para as coisas. Num de forma lenta, ponderada, simples. Noutro, de forma mais intensa, variável, veloz, mas bem intencionada. A um falta a potência da ousadia. A outro falta o controle interior. No entanto, são os equilibrados aqueles que resistem melhor.

Os irmãos Carati. Matteo (esquerda) e Nicola (direita).
Duas personalidades, dois destinos. Destinos
que se cruzam e se orientam juntos em
certos momentos. Belos e tristes. Mas aquele (beleza)
,por ser eterno, superará um dia este (tristeza).
Eis a potência da Vida.
A família Carati é uma família como qualquer outra - mas ao mesmo tempo não é. É porque as circunstâncias espaciais (meio) e temporais (acontecimentos) são comuns a todos nós. Não é porque as reações dos personagens a essas circunstâncias são especiais, construindo vidas intensas e instáveis, ou sólidas e estáveis. Mas ambas, independentemente do destino, significativas. 

A personalidade de Nicola o levará a um caminho familiar, criando, ponderando e auxiliando através dos meios de que dispõe. A vida se constrói. A trajetória forja o personagem. Sua consciência imprime orientação em seu caminho. 

Matteo será guiado por um caminho que tenderia ao de Nicola, mas se constrói de forma diversa devido à sua vontade intensa de encontrar um sentido no mundo - uma ordem ainda não atingida, ainda incompreendida pela mente. Busca solução numa instituição onde a ordem é o guia. E a cumpre de forma louvável. No entanto, a contradição: a ordem das instituições é, até um ponto e para uma restrita esfera da vida, aplicada. Além disso teoria e prática se divorciam, restando apenas um jogo de aparências que é mantido. Um verniz. Isso Matteo não compreende. Ele deseja uma ordem que não existe no estágio atual. Se enfurece quando não se age como se fala ou pensa. É como Aquiles: Destemido, intenso e instável. Suas explosões não são egoísticas, mas buscar externalizar sua inquietação, impossível de ser contida. Busca o bem com tanta intensidade que o contraste o desequilibra.

Nicola se encontra com seu irmão, mantem contato. É o ente mais próximo ao irmão, que se afastou do resto da família: mãe, pai e irmãs. Nicola se encanta com os dons musicais de uma moça e tem uma filha. Mas logo sua vida de pai e marido é abalada. A moça, Giulia, segue uma trajetória diversa. Ela, como Matteo, crê que o mundo precisa de mudanças (e precisa, sempre!), e age de forma igualmente intensa. Só que de forma diametralmente oposta. 

Matteo quando era Nicola.
Enquanto Giulia se envolve na militância política violenta, se tornando um apêndice do terrorismo (as famosas Brigadas Vermelhas dos anos 70 e 80), Matteo quer impor a ordem através da polícia. Ambos buscam melhorar o mundo à força. Um método, considerado ilegal. O outro, legal. Mas ambos ilegais perante leis superiores. O primeiro porque age de forma impensada, considerando interesses restritos; o outro porque age completamente (ou quase) divorciado da teoria, dos princípios. Emborcamento de forma mental que levará a destinos árduos. Nicola é o elemento equilibrado, que não se destaca, mas que cria (a filha), conversa (com a família), combate a exploração (com sua clínica diferenciada). 

É fácil assistir um filme.
É mais difícil absorver a mensagem de um filme.
É difícil sentir e viver as vidas dos personagens de um filme.
É dificílimo transformar sua vida a partir de uma história - mas se ela for bem contada, com os atores certos, e com sinceridade séria e seriedade sincera, essa transformação é possível.

Ao longo de seis horas nós, espectadores, varremos a história recente da Itália, que à sua maneira, reflete em parte a história do mundo. Através da história de personagens especiais. Uma família simples mas cheia de complexidades latentes, que se revelam à medida que a vida se desenvolve. Uma eterna inquietação move os personagens, cada um à sua maneira, a seu tempo. Busca-se algo, alguém. Busca-se sempre. Ama-se, chora, cria-se, destrói,...Transformação é uma característica de nosso Universo imperfeito, relativo - em busca da perfeição perdida.   É isso o que vemos através da família Carati, e de seus personagens mais marcantes: Nicola e Matteo.

Quando a morte, a perda, a desilusão de alguém na tela nos leva ao choro, à reflexão, ao questionamento, aí podemos dizer que nós e o filme nos fundimos num corpo só, criando uma relação de intensidade. E igualmente, quando vemos a conclusão de uma jornada de vida, com suas dores, alegrias, conquistas e perdas, e sentimos paz no coração e tranquilidade na alma, podemos sair da sala de cinema ou desligar a telinha e dizer:

Tudo que existe é belo se soubermos nos tornar belos.
Tudo é harmônico se vermos a finalidade do caos.
É o melhor de tudo.
É o melhor da vida.



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