As dores são proporcionais ao grau de insensibilidade da criatura. Quanto menor o grau de consciência, mais violentos os choques da vida, revoltando a criatura, que assim reage de modos diversos, irrefletidamente. Isso explica em grande parte porque todos nós sofremos em algum grau neste mundo.
Para que uma coletividade - ainda na infância da consciência - despertar para uma realidade mais profunda, são inevitáveis os choques cataclísmicos, que brindam nossa civilização, de tempos em tempos. Trata-se de ondas estimulantes, acompanhadas com a intenção evolutiva da Lei. Logo, podemos chamá-las de ondas evolutivas. Vamos nos adentrar aqui no significado dessas ondas na vida individual e coletiva, para melhor compreender porque nossa vida é permeada de tantas dores. Dores advindas da incompreensão do próximo (ambiguidades nas palavras, segundas intenções das partes), da incomunicabilidade (incapacidade de se expressar) e da dispersão dos pensamentos (falta de foco no que interessa realmente).
Muitas vezes nos perguntamos porque existe tanto sofrimento no mundo. As condições econômicas são favoráveis; a tecnologia progride exponencialmente, assim como as descobertas da ciência; os meios de comunicação são variados; as bases da organização social estão plantadas (Direito e Estado). Não há motivos, objetivamente falando, para que grandes massas tenham carência de recursos básicos à vida como água potável, alimento saudável e abrigo decente (necessidades elementares). Tampouco à saúde básica e educação digna (necessidades para pleno desenvolvimento). No entanto, do primeiro grupo (elementares) nem todos tem acesso diário e em quantidade necessária; e o segundo grupo (pleno desenvolvimento) uma parcela muito pequena tem acesso. Todos dados indicam que não se trata de escassez de recursos ou incapacidade de fornecê-los, mas de um arranjo sistêmico - apoiado por uma lógica falha - deficiente.
As falhas sistêmicas em nossa forma de organização coletiva, no âmbito de poder político (governos), poder econômico (corporações) e poder social (consensos na sociedade civil), se devem à forma mental que prevalece em nosso mundo. São elas que alimentam a lógica sistêmica, que por sua vez mantêm a estrutura sistêmica - ou faz pequenas mudanças vetorizadas para locais inadequados.
Forma mental predominante >> (alimenta a) >> Lógica sistêmica >> (que sustenta a) >> Estrutura sistêmica
Essa estrutura reflete um modelo no qual todas instituições devem operar. Para isso, a mentalidade daqueles que estão nas instituições devem estar dentro de certos parâmetros operacionais, para evitar transformações profundas. Os mecanismos de represália são sofisticados. Foram tornados mortíferos até o mais alto grau - graças ao pleno desenvolvimento do intelecto luciférico. De modo que é extremamente difícil se comunicar entre semelhantes de forma clara, concisa - o que levaria a uma melhor compreensão do que realmente acontece em nosso mundo.
Nunca a humanidade se viu numa situação tão confortável. Sobre isso já falamos alhures. Ao mesmo tempo, nunca se viu tanta desorientação em meio a tantas potencialidades latentes - em busca de brotar de modo orientado, materializando-se no mundo para fazê-lo progredir em termos objetivos. Ao longo de muitos anos venho constatando essa dificuldade das pessoas em imprimir à concretude do cotidiano essa criatividade subjetiva, que deseja brotar mas não sabe exatamente como - nem porque. O problema reside numa estrutura sistêmica que inibe as verdadeiras mudanças. As transformações substanciais. As interações que plasmam a alma através de um jato de afetividade direcionado para o âmago da questão, no momento certo, da maneira adequada. Mas não podemos parar por aí.
Essa estrutura é uma entidade morta por si só. Quem dá vida (e força, e autoridade e inteligência) a ela é a humanidade, sua criadora a mantenedora. É a forma mental predominante que permite a sobrevida de um corpo moribundo. Corpo inadequado para o desenvolvimento pleno da espécie humana e para o equilíbrio do planeta. Na hora de buscar culpados, devemos ver o (anti)sistema apenas como um produto materializado do subconsciente coletivo que o anima.
Conscientemente detestamos o estado do mundo. Mas instintivamente, através de automatismos muito consolidados e ágeis, sustentamos a causa que leva a esse estado. E é aí que começa o verdadeiro jogo: como tirar o mundo desse estado engessado que causa tanta dor?
Observando à fundo podemos começar a compreender porque é tão difícil chegarmos a um acordo. Porque as pessoas discordam sobre pontos que deveriam ter consenso - e até unanimidade. Nos efeitos, a grande maioria chega a acordos. Fora casos específicos (ex.: pessoas que negam certos fatos ou conhecimento consolidados, como a esfericidade da Terra, a necessidade de haver mercados e/ou Estado, o valor das ciências humanas, etc.), as pessoas não gostam do mundo que está aí. Gostariam de ver a miséria erradicada; o transporte se tornar mais eficiente; se livrarem de várias contas desnecessárias; terem mais tempo livre, para se dedicar à família, à saúde, à cultura; de não haverem guerras; entre muitas outras coisas. Mas quando as pessoas vão relacionar esses efeitos com as causas, surge a divergência.
Nos efeitos, concordamos cada vez mais - nas causas discordamos cada vez mais violentamente.
Trata-se de um jogo que é mantido pela estrutura sistêmica. Nós, inconscientemente, alimentamos a lógica que permite que não cheguemos a consensos gerais. Essa é um motivo mais profundo de nossa tragédia. Mas gostaria de dar um passo mais à fundo para chegar às origens..
A falta de consciência é responsável pela visão limitada das pessoas. Essa limitação torna uma comunicação construtiva impossível. Às vezes, o campo de consciência de um grupo é tão pequeno que é impossível os elementos constituintes estabelecerem uma relação mais profunda. São círculos que não se interceptam. Suas trocas são meramente baseadas em aspectos exteriores, de forma, com fins egoísticos. A expansão da consciência amplia a área desses círculos, tornando possível (um dia) o contato, a relação (tangenciar), a compreensão (intercepto das áreas comuns) e o início da fusão (encontro dos centros irradiantes da consciência). O processo é lento, pois expandir dói. Como se estivéssemos esticando membranas que estão há muitos séculos acomodadas (engessadas) com sua forma atual. Forma restrita, cristalizada e teimosa.
Compreendido isso resta a questão: como então fazer a consciência (própria e dos outros, mais próximos), expandir? Não se trata de fazer o outro pensar igual a você, mas de fazê-lo primeiramente pensar. Ou nós mesmos começarmos a pensar (o que é muito mais difícil). Aí entro com nossos modelos mentais (visões de mundo e valores) e nossa gramática (modos de comunicação)
A gramática de entes mais evoluídos é mais qualitativa e menos quantitativa. O silêncio é maior. A síntese predomina. A análise é pouca, mas bem feita. A síntese permeia as sistematizações, orientando-as. Chega-se à conclusão de que as vias da argumentação são limitadas. Ir além só irá alimentar o monstro da racionalidade luciférica que está presa a instintos baixos (ou uma forma mental a se abandonar). Observa-se isso claramente em debates entre candidatos (a prefeito, por exemplo), quando um está claramente alinhado com o ideal, cheio de vontade de melhorar a vida das pessoas, e o outro (apoiado sutilmente por uma máquina midiática que se diz imparcial) age roboticamente, se apoiando em dados sem fim, discursos monocórdicos e tom de voz fria, apoiando-se na desinformação das pessoas, de sua baixa consciência, para conseguir vencer o outro. Nesse ponto resta ao anjo se munir da couraça do intelecto e da comunicação. Mas ainda assim a luta é difícil. O equilíbrio entre forças do S e do AS não condiz com o desejo das pessoas de melhoria. O que ocorre então? Quem pode fazer a verdadeira diferença?
Numa disputa em que um ser A dá provas (de vida, de dados, de intelecto, e de habilidade administrativa) de ser aquele que irá beneficiar 98% das pessoas; e o outro deseja prosseguir com algo (uma política de prioridades) que irá beneficiar (de fato) uma minoria (de 2% diretamente, com algumas migalhas para os 10 ou 20% logo abaixo, e apenas ilusões e misérias para o restante), ainda assim vê-se um jogo relativamente balanceado, de 40-60 ou 45-55, ou mesmo 50-50. E com tendência do mal predominar. A questão é saber porque uma percentagem tão grande de indivíduos está apoiando algo que concretamente não lhes interessa. É aí que entra a questão da consciência.
Um ser consciente superou a forma de pensar baseada na técnica. Ele passa pela forma de pensar sistêmica, em que as relações e suas implicações importam muito mais do que especificidades locais. Isso não significa que o saber técnico deixe de ter importância para esse indivíduo: ele apenas deixou de ter predominância. Outros, ainda mais evolvidos, conseguem chegar aos fins últimos, procurando saber quais os objetivos de arranjos sistêmicos. Seu foco é a finalidade (telefinalismo). Trata-se de uma mentalidade místico-filosófica que, da mesma forma que a precedente, usa do saber sistêmico para coordenar o saber técnico. Temos então uma falange de indivíduos, numa faixa contínua, que podem estar dentro de três grupos evolutivos (formas mentais):
a) Forma mental técnica
foco no conhecimento específico, na razão, na análise, na argumentação, no curto e médio prazo, no convencimento.
b) Forma mental sistêmica
foco no contexto, na visão holística, na reflexão, no pensamento, na sistematização, no longo prazo, na imanência, na relação.
c) Forma mental místico-filosófica
foco nos porquês, no sentimento, na contemplação, na experiência, no afeto, na eternidade, na transcendência, na fusão.
A seguinte abarca a(s) precedente(s). Dessa forma, crescemos sem perdermos a essência dos estágios precedentes. Quando se evolui não se destroem as qualidades de modos de vida mais atrasados, mas incorpora-se os mesmos à nova forma de vida, mais evoluída. Isso é superação. Os elementos constituintes de destaque passam a ter papel de coadjuvante. Surgem novos princípios de direção e coordenação.
As três faixas de forma mental (a,b,c) se aplicam à humanidade atual. Temos estágios inferiores (aquém de a) e superiores (além de c). Não é escopo desse ensaio tratar das infinitas faixas de consciência.
A questão aqui é afirmar: enquanto não tivermos uma massa crítica de indivíduos com um modo de pensar sistêmico, será muito difícil eleger pessoas aptas a melhorarem o mundo. Muito mais difícil seria sustentá-las em seus cargos, tornando seu trabalho possível. Dessa forma conclui-se que é imperativo aumentar o grau de consciência através de experiências.
Mas somos nós, humanidade, que devemos buscá-las.
Experiência não é se refugiar em shoppings, em lojas, em carros caríssimos, em viagens faraônicas, em reinos encantados vendidos pelo capital, com "sensações inigualáveis" (como as propagandas dizem), "experiências mágicas" (idem) e coisas do tipo. É viver com o próximo. É expandir sua forma mental. É incorporar novas perspectivas à sua forma mental. É refletir sobre o que é realmente essencial e importante na vida e na evolução. É dialogar até a exaustão, buscando ir à fundo nos mecanismos de funcionamento, na natureza dos fenômenos e nas origens e fins da vida, da evolução e do cosmos.
Se não fizermos pelo bem, a dor virá. Cada vez mais intensamente, impiedosamente, nos pontos mais sensíveis.
Quando deixaremos de ser as crianças dos jogos de palavras em busca de interesses banais para nos tornarmos os adultos da cooperação, da organização e da eficiência?
O trabalho árduo cabe tanto àqueles que aspiram uma posição de liderança quanto a todas as pessoas que devem compreender nesse ser um líder que levará todos (inclusive as elites impenitentes) a uma melhor forma de vida. É papel de todos, de acordo com sua capacidade e condições, dar sua contribuição, conscientizando-se ao máximo (ou, em outras palavras, vigiando-se).
Enquanto desejarmos ser como os (podres de) ricos, seremos todos miseráveis. Iludimo-nos em baixo, e uns poucos se iludirão no topo da pirâmide, vendo que as questões fundamentais da vida não se resolvem com dinheiro, controle e aparências.
Como se vê, a meta para "vencer na vida" não é atingir o topo da pirâmide, mas transformá-la em algo diverso. Isso é a verdadeira revolução. Todas (pseudo) revoluções fizeram apenas substituições dos grupos dirigentes no topo, com alterações de forma, mas nenhuma mudança substancial. Está na hora de surgir uma (revolução) de verdade, que irá elevar o patamar do mundo, eliminando a desigualdade, a guerra e o desrespeito à biosfera.
Na incapacidade de influenciar milhões, deixo este insignificante ensaio, para aqueles já suficientemente maduros e sensibilizados, na expectativa de que seja útil para uma humanidade futura, mais alinhada com a Lei de Deus.
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