quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A Vida dos Outros

Alemanha Oriental, 1984. A Stasi – polícia secreta do regime – reúne quase 100 mil agentes e 200 mil informantes, controlando a vida de cada cidadão através de microfones, interrogatórios incessantes, propaganda, corrupção e violência. Qualquer cidadão pode se tornar um inimigo do governo da noite para o dia, bastando para isso apenas uma palavra mal colocada ou um ato de “traição”. Esse foi o cenário escolhido pelo cineasta Florian Henckel Von Donnersmarck para filmar seu primeiro longa-metragem.


Com quase 140 minutos de duração e um tema delicado, “A Vida dos Outros” é um filme que poderia facilmente se tornar vazio e superficial se não fosse bem elaborado. Para sorte do diretor (e dos espectadores) isso não se deu. Rendeu 11 milhões de euros em seu país de origem e faturou 11 milhões de dólares nos EUA, um país que, comumente, abomina filmes estrangeiros. 

Mas o longa de Donnersmarck não é apenas um filme político sobre a corrupção e vigilância de um regime ditatorial. Sua história vai muito além, abordando a complexidade das relações humanas e mostrando como é discreta e lenta a mudança das pessoas. Mas o espectador não percebe a natureza da mensagem logo de imediato. As primeiras cenas são frias e visam descrever o modo de funcionamento de todo aparato burocrático da polícia e realidade da época. 

Das Leben der Anderen (2007)
Georg (Sebastian Koch, de “Amém”) é um renomado autor teatral considerado o único não-subversivo do regime. Ele namora a atriz Christa (Martina Gedek), que consegue equilibrar habilmente a liberdade dos palcos com a opressão do governo por meio de muitos sacrifícios físicos e psicológicos. Mas o perigo surge para todos um dia.

O capitão Gerd (Ulrich Muehe, brilhante) – um interrogador exemplar da Stasi – é designado para monitorar a vida do famoso artista. Ele é metódico, frio, inteligente, totalmente dedicado ao seu trabalho e crente no que faz. Sua vida se resume a espionar outras vidas em busca de atitudes “suspeitas”, comer alimentos prontos e contratar serviços de prostitutas para compensar os dias cansativos e estressantes. Uma espécie de inspetor Javert moderno.

A partir desse ponto a vida dos dois homens passa a estar ligada. O agente do governo e um artista, pessoas com ideias e ideais diferentes que vivem em mundos próximos mas agem de modo completamente diferente. 

Inicia-se uma fase de comunicação entre os dois. Um se torna agente modificador do outro, mesmo sem ter noção do que está fazendo. Gerd passa lentamente a escutar os diálogos de outra forma, e não apenas como um policial. O elemento humano começa a pairar na atmosfera sombria de sua pequena estação de escuta. Quanto mais as dificuldades da vida do casal são imprimidas por meio de diálogos e atitudes, maior é o envolvimento do capitão. 

Uma série de tramas e reviravoltas se estendem até o final, deixando o espectador curioso até a última cena, – uma das mais belas do cinema atual – fato que, a meu ver, caracteriza um bom filme.

Com “A Vida dos Outros”, Florian Henckel Von Donnersmarck – que também assina o roteiro – revela uma genialidade fora do comum. Seu primeiro longa já foi premiado em sete festivais ao redor do mundo e anuncia o surgimento de um genial cineasta.

Quando saí da sessão de cinema – que estava vazia e pude assistir por um preço módico de R$ 2,50 – senti que a humanidade pode sim ainda hoje produzir obras que são dignas de serem projetadas pela eternidade.

Esse é o maior efeito especial produzido por esse filme.


Trailer:

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