Alemanha
Oriental, 1984. A Stasi – polícia secreta do regime – reúne
quase 100 mil agentes e 200 mil informantes, controlando a vida de
cada cidadão através de microfones, interrogatórios incessantes,
propaganda, corrupção e violência. Qualquer cidadão pode se
tornar um inimigo do governo da noite para o dia, bastando para isso
apenas uma palavra mal colocada ou um ato de “traição”. Esse
foi o cenário escolhido pelo cineasta Florian Henckel Von
Donnersmarck para filmar seu primeiro longa-metragem.
Com
quase 140 minutos de duração e um tema delicado, “A Vida dos
Outros” é um filme que poderia facilmente se tornar vazio e
superficial se não fosse bem elaborado. Para sorte do diretor (e dos
espectadores) isso não se deu. Rendeu 11 milhões de euros em seu
país de origem e faturou 11 milhões de dólares nos EUA, um país
que, comumente, abomina filmes estrangeiros.
Mas o longa de
Donnersmarck não é apenas um filme político sobre a corrupção e
vigilância de um regime ditatorial. Sua história vai muito além,
abordando a complexidade das relações humanas e mostrando como é
discreta e lenta a mudança das pessoas. Mas o espectador não
percebe a natureza da mensagem logo de imediato. As primeiras cenas
são frias e visam descrever o modo de funcionamento de todo aparato
burocrático da polícia e realidade da época.
Das Leben der Anderen (2007) |
Georg
(Sebastian Koch, de “Amém”) é um renomado autor teatral
considerado o único não-subversivo do regime. Ele namora a atriz
Christa (Martina Gedek), que consegue equilibrar habilmente a
liberdade dos palcos com a opressão do governo por meio de muitos
sacrifícios físicos e psicológicos. Mas o perigo surge para todos
um dia.
O
capitão Gerd (Ulrich Muehe, brilhante) – um interrogador exemplar
da Stasi – é designado para monitorar a vida do famoso artista.
Ele é metódico, frio, inteligente, totalmente dedicado ao seu
trabalho e crente no que faz. Sua vida se resume a espionar outras
vidas em busca de atitudes “suspeitas”, comer alimentos prontos e
contratar serviços de prostitutas para compensar os dias cansativos
e estressantes. Uma espécie de inspetor Javert moderno.
A
partir desse ponto a vida dos dois homens passa a estar ligada. O
agente do governo e um artista, pessoas com ideias e ideais
diferentes que vivem em mundos próximos mas agem de modo
completamente diferente.
Inicia-se uma fase de comunicação
entre os dois. Um se torna agente modificador do outro, mesmo sem ter
noção do que está fazendo. Gerd passa lentamente a escutar os
diálogos de outra forma, e não apenas como um policial. O elemento
humano começa a pairar na atmosfera sombria de sua pequena estação
de escuta. Quanto mais as dificuldades da vida do casal são
imprimidas por meio de diálogos e atitudes, maior é o envolvimento
do capitão.
Uma série de tramas e reviravoltas se estendem
até o final, deixando o espectador curioso até a última cena, –
uma das mais belas do cinema atual – fato que, a meu ver,
caracteriza um bom filme.
Com “A Vida dos Outros”, Florian
Henckel Von Donnersmarck – que também assina o roteiro – revela
uma genialidade fora do comum. Seu primeiro longa já foi premiado em
sete festivais ao redor do mundo e anuncia o surgimento de um genial
cineasta.
Quando
saí da sessão de cinema – que estava vazia e pude assistir por um
preço módico de R$ 2,50 – senti que a humanidade pode sim ainda
hoje produzir obras que são dignas de serem projetadas pela
eternidade.
Esse
é o maior efeito especial produzido por esse filme.
Trailer:
Nenhum comentário:
Postar um comentário